por LÚCIA SENNA, escritora e cantora
escrito para o blogue Mundo Botafogo
O ano começou, três meses já se passaram e todas aquelas promessas
feitas no réveillon, ao som de “hoje é um novo dia, de um novo tempo”,
ainda não saíram do papel.
Estava radiante com a chegada de 2017. Era preciso acreditar e renovar
esperanças no futuro que mal começara. Rodeada de amigos e sob a beleza dos
fogos de artifícios que iluminavam a orla de Copacabana, de uma maneira leviana
fiz juras de amor ao meu país.
Prometi que iria salvar o Brasil, iniciando pelo Rio. Que sairia às
ruas desfraldando bandeiras, convocando o povo a participar de movimentos
sociais e que não mediria esforços para proclamar a felicidade e a paz. Jurei
que subiria morros ao encontro das carentes comunidades e que fiscalizaria a
limpeza da nossa maravilhosa cidade. Isso só para citar alguns itens da
interminável lista.
O primeiro trimestre do ano já passou. Começo sem falta, no início de
abril. Afinal, tudo neste país só
recomeça mesmo depois do Carnaval. Sendo assim, por que a pressa, ora essa!
Mas, será que fui longe demais? Revendo minhas decisões, vejo que a
carga é demasiado pesada para ombros não tão fortes assim. Ponho a mão na
consciência e percebo claramente a utopia das minhas promessas. Acabo rindo de
mim mesma. Sempre viajando em tapetes mágicos, acreditando em bruxas, em
duendes e até na possibilidade de salvar o Brasil. Quanta ousadia! Quanta
insanidade.
Logo eu que, sendo um tanto ou quanto desorganizada, não encontro
tempo pra nada. Vivo permanentemente em falta com alguém ou com alguma coisa.
Pra começar, faltam-me manhãs. Acordo cedo, mas elas parecem voar. Tento
persuadi-las a ficar um pouco mais. Fazem ouvido de mercador e despedem-se às
gargalhadas, ingratas que são. Quando dou por mim, já é meio dia e já passou da
hora.
E agora? Na contabilidade da vida, sinto-me devedora.
Devo palavras de agradecimento àquela amiga que, diariamente, me
envia, através do WhatsApp, mensagens floridas de bom-dia. Devo a receita
daquela deliciosa torta para a minha vizinha de porta. Devo decorar a canção,
despedir-me do verão, ir à exposição da Carminha, fazer meditação, entrar em
Alfa, sair de cena, comprar o presente da Helena, ver meu horóscopo, acessar o
blogue do Ruy, torcer pelo Glorioso, ler o último acróstico do poetinha, responder
e-mails, andar na praia, baixar o colesterol, agendar para o mesmo dia a
mamografia, a dessintometria e a tomografia. Devo, ainda, aceitar o convite
para almoçar com o primo Ney e tantas outras coisas que nem sei...
Além, muito além de tudo isso,
devo encontrar tempo para o ócio, bendito ócio, desfrutado na rede da
varandinha. Tempo para ouvir o som do meu silêncio. Tempo para entender os meus
sagrados e secretos medos. Tempo para rever conceitos e deixar que venham à
tona alguns tolos segredos. Tempo para compreender o outro e a mim mesma. Tempo
para voltar à infância e reencontrar todas as minhas pessoas, a casa arrumada,
as redes armadas, a mesa posta, o vaso com flores artificiais e uma autêntica
paz. Tempo para perceber o tempo passando e o verão entregando o bastão para o
outono, a mais inquietante e interessante das estações.
Tempo, enfim, para ser dona do meu tempo. Não sou!
E se estou longe de cumprir a agenda do meu mundinho, quanto
mais realizar a promessa de salvar o Brasil, começando pelo Rio! Só rindo...
Conheço mulheres que sabem administrar o tempo com perfeição. Eu, não!
Fazem o dia esticar, esticar, esticar e com isso são capazes de cuidar da casa,
da família, dos filhos, da sogra e do bichinho de estimação. Regam,
diariamente, os vasinhos, fazem academia, dieta, supermercado, abraçam as
árvores que encontram pelo caminho, ajudam ceguinhos, cadeirantes e velhinhos a
atravessar o sinal. Não perdem reuniões de condomínio e, algumas delas, fazem
até parte do Conselho de Administração. Apesar de tudo isso, ainda encontram
tempo para acessar o Mundo Botafogo, em busca das minhas crônicas. Deixam
hilários comentários, pois bom humor é o que não lhes falta. Eu as tenho em
alta conta.
Só lhes falta tempo para o “dolce fair niente”. Consideram-no pecado
capital. Indócil, tento trazer-lhes informações sobre os benefícios do ócio
criativo, no que sou sumariamente interrompida na minha explanação. Juntas, num
coral de vozes estridentes e pra lá de desafinadas, dizem-me, com o peito
estufado de orgulho, terem a agenda superlotada até julho. A lista de tarefas é
interminável: plantas a plantar, arbustos a abraçar, bichanos a acariciar,
entulhos a remover e o sol a reverenciar.
Diante deste forte argumento, lamento e retiro o time de campo. E
porque hoje é sábado, dia do encontro com o sagrado ócio, armo a rede, pernas
pro alto, pensamentos leves, soltos e sem compromisso.
Na porta do quarto, um aviso: – Não perturbe. Cronista em busca de
ideias para próximos textos. 'Ócios' do ofício.