Fonte: violencianoesporte.blogspot.com
[Nota do Mundo Botafogo: Esta publicação tem como pretexto a decisão do Fortaleza em romper toda e qualquer relação com a Torcida Irmandade Tricolor e a Torcida Unida do Fortaleza devido aos episódios de violência de ambas as torcidas. Os momentos cruciais da vida exigem decisões corajosas, e ainda há dirigentes de clubes que o fazem, a bem do futebol, a bem de todos aqueles que querem torcer em paz e sem sobressaltos pelos seus clubes de coração. A violência exercida pelar torcidas organizadas – salvo raras excepções – é um dos assuntos fundamentais – entre outros, como a corrupção e o favorecimento clubista – para devolver ao futebol a possibilidade do exercício de lazer desportivo das famílias e de todos aqueles que tomam o futebol não como uma competição violenta e odiosa, mas sim saudável e apaixonante.]
por CÉSAR SEABRA | Diretor de jornalismo, botafoguense
Desde pequeno aprendi que futebol é apenas um jogo. Um dia você ganha, outro dia perde ou empata. Um dia você é campeão. Outro, rebaixado. Um dia choramos. Outro dia, comemoramos. O jogo termina. A vida vai em frente. As contas estão à mesa para serem pagas. E o dinheiro é curto.
Desde pequeno aprendi a entender cada partida como uma novela ou um pequeno romance, com princípio, meio e fim, mas nada esquemático. Mocinhos e vilões. Protagonistas e antagonistas. O goleiro que engole o frango, o artilheiro insinuante, o ponta indolente e mascarado, o árbitro perseguido, o pênalti desperdiçado no minuto final. Nos estádios ou em casa, gente apreensiva à espera do desfecho. A vida segue seu rumo. As contas continuam na mesa. E falta dinheiro no bolso.
Desde pequeno aprendi a ver arte na habilidade dos craques. O jeito de correr, a elegância ao tocar na bola, o drible, a malícia, o jogo de corpo. […] Desde pequeno aprendi a amar a festa das torcidas, a colorida democracia dos estádios. Masoquista que sou, quando o Botafogo levava um gol, gostava de admirar a comemoração rival. A gritaria tresloucada, a dança das bandeiras. Eu sofria, mas como aquilo era bonito.
Hoje, como explicar àquele apaixonado menino que treinos são invadidos por animais travestidos de torcedores? Como explicar que esses covardes, por conta de uma derrota, querem agredir jogadores e profissionais do futebol? Como explicar que esses imbecis muitas vezes são financiados pelos próprios clubes em todo o Brasil? Como explicar que a polícia não consiga identificar e prender esses selvagens? Como explicar o inexplicável, o intolerável, o inaceitável?
Na Copa de 1998 fui escalado para fazer uma grande reportagem sobre os hooligans. Com o medo maior do que o mundo, corri várias cidades francesas atrás dos vândalos. Para fechar a história, por sorte me deparei com Sir Bobby Moore, um gentleman. Puxei conversa e perguntei sobre o hooliganismo britânico. A resposta do lendário e amável capitão da seleção inglesa impregnou-se em minha memória: “Não falo sobre animal, falo sobre futebol.”
Para aquele menino, a paixão quebrou-se. O jogo ficou pobre e burocrático. A verborragia de técnicos e jornalistas especializados, insuportável. O humor e a leveza de uma boa discussão se perderam no tempo. Torcedores tornaram-se agressivos e irascíveis. O futebol foi tomado pela ignorância. E, bem lá no fundo, os idiotas somos todos nós.
Fonte: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/cesar-seabra/os-idiotas-somos-todos-nos-2
1 comentário:
Que texto lindo e tão emocionante!
Parabenizo o autor ,concordando com cada palavra, cada sílaba, cada vírgula.
Sim, no fundo os idiotas somos nós.
Triste ter que concordar com isso, mas dentro do cenário atual ,a colocação é perfeita!
Lucia Senna
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