sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Carlito Rocha: mitos e ritos no Glorioso


Carlos Martins da Rocha, o ‘Carlito Rocha’, nasceu em 1894 e faleceu em 1981, com 87 anos de idade. Carlito foi um dos maiores botafoguenses de todos os tempos.

O jogador, treinador e dirigente do Botafogo (e às vezes árbitro) nasceu no ano da fundação do Clube de Regatas Botafogo e defendeu a camisa do Botafogo Football Club durante a sua juventude.

Carlito era tão arrebatado pelo Botafogo que, em 7 de Setembro de 1918, entrou em campo para enfrentar o América, embora estivesse acometido de pneumonia e sob intensa febre. O resultado foi passar ao estado de coma assim que o jogo terminou e permanecer um longo período em convalescença.

Foi atleta exemplar, treinador do clube e dirigente, atingindo o seu clímax ao conquistar o título carioca de 1948 na qualidade de presidente do clube. Carlito Rocha recebeu todos os títulos e homenagens que o clube outorga aos seus maiores torcedores. Lenda botafoguense quase desde o início do Botafogo Football Club, Carlito Rocha foi jogador campeão carioca pelo Botafogo em 1912, treinador campeão carioca em 1935 e presidente campeão carioca em 1948!

De Carlito Rocha contam-se milhentas histórias de superstição. Presidente do Botafogo de 1948 a 1951, obrigava os jogadores a tomarem gemada antes das partidas e foi o grande líder da conquista do Campeonato Carioca de 1948.

Carlito Rocha foi, sem dúvida, o iniciador das crendices e superstições botafoguenses, quando fez do célebre Biriba o mascote do clube e quando, em dias de jogos, para afastar a má sorte, mandava dar nós nas cortinas da sede do clube. Tudo começou quando a equipa de reservas do Botafogo venceu o Madureira por 10x2, No décimo gol, o cãozinho invadiu o campo. Para o supersticioso presidente foi um sinal.

Em 1948 o Biriba foi a todas as partidas do Botafogo no campeonato. Carlito achava que o cachorro dava sorte e ninguém conseguia barrar o animal nos estádios. A diretoria do Vasco tentou impedir a entrada de Biriba em São Januário, mas Carlito colocou o cachorro em baixo do braço e desafiou:

– “Ninguém impede o presidente do Botafogo de entrar onde quer que seja e quem estiver com ele entra, com certeza”, garantia Carlito Rocha.

Em 1938, na inauguração do Estádio de General Severiano, ao ser perguntado sobre o que significava para o clube e para os seus torcedores o estádio, Carlito Rocha, então director técnico, mas já considerado o maior dos botafoguenses à época, disse:

– “Contemplo o maior sonho da minha vida. Quero o Botafogo lutando sempre, progredindo como merece, pois ele representa, no esporte do Brasil, uma de suas mais belas afirmações”.

Algumas das superstições de Carlito Rocha são narradas nos seguintes artigos do blogue: Carlito Rocha, superstição pura, Carlito Rocha e os tónicos, Carlito Rocha e as cortinas da sede, Carlito Rocha e o Dolabela, Carlito Rocha e o Biriba.

Finalmente, a propósito da final de 1957, Carlito Rocha mereceu, do tricolor Nelson Rodrigues, a seguinte coluna:

O DEUS DE CARLITO ROCHA

por Nelson Rodrigues
O Deus de Carlito Rocha… Chegou, enfim, o momento de fazer de Carlito Rocha o meu personagem da semana. Quer queiram, quer não, ele está atrelado ao fabuloso triunfo alvinegro sobre o Fluminense. E aqui pergunto: Qual teria sido a contribuição carlitiana para o título? E eu próprio respondo: Carlito ligou o jogo ao sobrenatural, pôs Deus ao lado do Botafogo e, mais do que isso, pôs Deus contra o Fluminense.

E, com efeito, três ou quatro dias antes do clássico, um jornalista foi provocar o velho Rocha. Ora, o Carlito nunca teve meias medidas, nunca! Bastaram duas ou três perguntas estimulantes para que dentro dele rugisse a imortal paixão botafoguense. Disse ele que Deus viera anunciar-lhe a vitória do Botafogo Um vaticínio divino é algo mais do que um palpite de esquina. No entanto, vejam vocês, nem o jornal que publicou a reportagem, nem o leitor, nem a torcida, ninguém acreditou nem em Carlito, nem na visão, nem mesmo em Deus. As declarações do velho Rocha, tão honestas e incisivas, pareceram a nós, impotentes da fé, uma simples e cruel piada de jornal. E um amigo, pó-de-arroz como eu, veio perguntar-me: ‘Viste o Deus de Carlito?’ Eu não tinha visto o jornal ainda, mas as palavras do meu amigo ficaram ressoantes em mim. ‘Deus de Carlito...’ E, subitamente, eu compreendi o seguinte: não há um Deus geral, não há um Deus de todos, não há um Deus para todos. O que existe, sim, é o Deus de cada um, um Deus para cada um. Por outras palavras, um Deus de Carlito, um Deus do leitor, um Deus meu e assim por diante. Graças ao Carlito criava-se uma relação entre o Botafogo e o sobrenatural e o clássico decisivo passava a adquirir um pouco de eternidade.

Veio o jogo. Com a nossa impetuosidade tínhamos da batalha uma visão crassamente realista: só cuidávamos dos aspectos técnicos, tácticos e físicos. Eu próprio vivia perguntando, a um e a outro, na minha aflição de pó-de-arroz: O Leo joga? O Leo não joga? Em suma, pensava em Leo, em Pinheiro, em Cacá ou Valdo. Mas não chamava o meu Deus. Ao passo que o velho Rocha sabe o quanto acrescenta a qualquer pelada do Botafogo a dimensão da sua fé. Eu não vi, nem ouvi, durante toda a semana do jogo, um tricolor falar em Deus. E porquê? Pelo seguinte: achamos que Deus não se interessa por futebol, portanto, nós o excluímos das atribuições da nossa torcida. Domingo nunca houve um clube tão sem Deus como o Fluminense. Ora, nenhum brasileiro consegue ser nada, no futebol ou fora dele, sem a sua medalhinha de pescoço, sem os seus santinhos, sem as suas promessas, e numa palavra, sem o seu Deus pessoal e intransferível. É esse místico arsenal que explica as vitórias esmagadoras. Portanto, os motivos, eu acredito piamente, na contribuição de Carlito para o perfeito, o irretocável triunfo alvinegro. E de resto, como não gostar do Deus do velho Rocha? Deus tão cordial, íntimo, terno, que se incorporou à torcida botafoguense e viveu com a torcida botafoguense aqueles eternos noventa minutos.

4 comentários:

Lewis Kharms disse...

Rui,
Conhecia esta crônica, uma das melhores do Nelson. Me lembrei que ela não faz parte da compilação feita pelo Ruy Castro, que é a que eu tenho. Tirei o A Pátria em Chuteiras da lista de livros favoritos do Biriba.

Esses flamenguistas...

Saudações alvinegras!

Ruy Moura disse...

Acho que Ruy Castro, Henfil e outros, são rubro-negros facciosos. Ao contrário do rubro-negro Mário Filho. Por isso é que Mário Filho é o gigante que é e os outros dois são meras franjas da literatura esportiva.

Abraços Gloriosos!

FRANCO ALDO disse...

Nelson Rodrigues, assim como Jorge Amado, está comemorando neste ano o seu merecido centenário. Como Botafoguense e apaixonado por Literatura estou publicando e comentando diversas crônicas de Nelson.
"O Deus de Carlito" não poderia deixar de estar presente.
Hoje eu publiquei a crônica "Garrincha alegria do povo", sem dúvida a mais emocionante sobre Garrincha e sobre o Botafogo.
Parabéns pelo blog.
O meu blog: "O Botequim", www.espacobotequim.blogspot.com
Abração.

Ruy Moura disse...

Olá, Franco. Gostei do Botequim. Irei dar uma nota de topo de página, amanhã ou domingo, para os leitores visitarem o seu blogue.

Abraços Gloriosos!

O otorrino não me deu ouvidos

[Aos leitores interessados informa-se que as crônicas de Lúcia Senna no Mundo Botafogo foram publicadas em livro intitulado 'No embalo...