Afonsinho e Sócrates
por THIAGO CASSIS
Jornalista e
coordenador do Coletivo Futebol, Mídia e Democracia do Barão de Itararé
Censura. No dicionário censura é: 1.ato ou efeito de censurar. 2. análise,
feita por censor, de trabalhos artísticos, informativos etc., ger. com base em
critérios morais ou políticos, para julgar a conveniência de sua liberação à
exibição pública, publicação ou divulgação.
Com esse
substantivo explicado, vamos ao tema central do texto, o documentário “Trem da
Alegria – Arte, Futebol e Ofício”, com direção de Francis Vale, que será
exibido na 40ª Mostra de Cinema de São Paulo desse ano na próxima segunda-feira
(31), às 15 horas no Cinesesc, localizado na Rua Augusta.
Com pouco mais de 80 minutos o filme conta a história
da equipe de futebol idealizada por Afonso Celso Garcia Reis, o ex-jogador de
futebol, Afonsinho, 69 anos de idade. O nome, Trem da Alegria, segundo o
próprio Afonsinho, neto de ferroviários que hoje é médico na Ilha de Paquetá no
Rio de Janeiro, é uma homenagem à Garrincha, a “alegria do povo”. O time
misturava músicos, jogadores profissionais (muitas vezes sem clube), “atletas
de fim de semana”, poetas e quem mais se aproximasse com disposição para compor
o elenco do Trem.
Era futebol com música ou música com futebol? A
pergunta não precisa ter resposta. Fato é que a mistura deu certo e os que
puderam participar afirmam por mais de uma vez durante o filme que aquele foi o
“melhor momento de suas vidas”, embora os tempos fossem difíceis. O diretor
Francis Vale conta que “Afonso começou a agregar vários jogadores. Ou porque
não tinha clube ou porque estavam em fim de carreira, isso incluiu também o
Garrincha”.
A ideia surgiu em 1975, a partir de um show com
direito a partida de futebol disputada na USP. Paulinho da Viola conta com
detalhes sobre esse evento durante o documentário. Mas a equipe só estreou
mesmo com o nome de Trem da Alegria no dia primeiro de maio de 1976, em um jogo
organizado por uma Usina em Sertãozinho (interior de São Paulo), e a partir dai
começam a rodar o Brasil.
Trem da Alegria
“Era um momento em que estava tudo disperso por conta
da ditadura, todo mundo com medo de se aproximar, o time funcionou como um
aglutinador. A experiência do Trem deixa essa mensagem de se agregar, de se
juntar, para de alguma forma resistir à opressão”, relembra Vale, e continua,
“em relação à política não existia uma coisa explícita, estávamos na ditadura,
mas aparecia nos papos que rolavam na mesa do bar, depois dos jogos”.
Fagner, Moraes Moreira, Paulinho da Viola,
Gonzaguinha, todos eles jogaram bola com a camisa do time. Afonsinho, Ney
Conceição (que também atuou no Botafogo-RJ) e até o Garrincha, todos eles
também tentaram arranhar algum instrumento antes e depois das partidas.
Registros? Quase nada, a repetição de poucas fotos e recortes de jornal durante
o documentário parecem reforçar a todo momento a sombra da censura dos anos de
chumbo que pairava sobre a aparente liberdade dos que participavam do Trem da
Alegria. “Até o João Gilberto andou por ali”, comenta Francis.
A participação de um dos maiores jogadores de todos os
tempos, Garrincha, chama atenção, e sobre isso o diretor conta que “juntou um
pessoal e foram lá chamar o Garrincha na casa dele pra ser o técnico, e ai ele
falou: 'técnico não, eu quero jogar, a camisa 7 é minha' e lá foi ele jogar”.
Sobre a organização, um certo improviso é mantido desde o início das
atividades, “o Trem, que tem o hino composto pelo João Nogueira, até hoje não
tem nenhuma ata, não tem diretoria não tem nada, o Afonso pegava a agenda
ligava para quatro pessoas, que ligavam pra mais quatro e de repente estava
formado o time”, recorda Francis.
“O filme busca trazer à tona a discussão sobre a
estrutura do futebol, temos a herança da ditadura ainda muito presente no
futebol brasileiro. Ainda são os mesmos dirigentes, foram buscar um presidente
militar para a CBF durante a Copa”, aponta Francis Vale.
O diretor ainda comenta que muitas iniciativas dentro
do futebol tiveram influência do projeto de Afonsinho, como por exemplo “o
movimento do Sócrates no Corinthians, a Democracia Corintiana”. Não por acaso,
após a morte do ex-jogador e também médico, Sócrates, Afonsinho substituiu o
“doutor” como colunista na revista Carta Capital.
E para quem quiser conferir pessoalmente e jogar uma
partida com o Trem da Alegria, Francis dá a dica “no dia primeiro de maio,
todos os anos, tem uma festa lá em Paquetá”. Em tempos de luta pela democracia,
o Trem continua a rodar!
1 comentário:
Tínhamos um Brasil que não se queria ter!
Reage o futebol, de alguns heróis, através;
E os "Pequenos Assassinatos", vão combater...
Mar contra as marés (exemplos: Afonsinho e Sócrates),
Dão arriscados passos, carreira de revés
A postos, sempre, com acontecimentos drásticos!
A "alegria do povo", Garrincha, é chamado;
Luz do olhar de caçador de passarinhos, diz:
Eu, técnico, não aceito! A camisa 7,
Ganhei nos campos, não posso ser, dela, afastado.
Rumo torna o Escrete um não-campeão feliz!
Impedidos foram a serpentina e o confete,
Apatia arrefece e o militar, derrotado!
Sérgio Sampaio, um poetinha por encomenda,
voltando aos anos de chumbo. 28/10/2016.
www.umpoetinha.com.br
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