quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Garrincha (V): Mainá foi o bicho da vitória de Mané

[Nota preliminar do Mundo Botafogo: o artigo que se segue, de Mário de Moraes, transcreve-se exatamente como foi escrito à luz da ortografia da época.]

por MÁRIO DE MORAES (texto) & JEAN SOLARI (fotos) | ‘O Cruzeiro’, ano XXIV, nº 40, 14.07.1962

Pela primeira vez na história do futebol brasileiro, onde as gratificações pelas vitórias têm o nome de bicho, um jogador teve o bicho que merecia- e desejava. Manoel dos Santos, o craque famoso, com o nome de um passarinho – Garrincha –, ganhou o “Mainá” prometido pelo Governador da Guanabara, fazendo gols numa Copa do Mundo em que, para êle, cada partida valia por um jôgo do bicho. E Mané teve o “Mainá”.

GARRINCHA recebeu o seu pássaro com a alegria de quem chega à conclusão que, afinal, valeu a pena lutar pela conquista da Copa do Mundo de futebol. Na casa do jogador, uma legião de crianças (quase tôdas seus filhos) e de vizinhos compareceu para compartilhar, com seu “Manoel”, do prêmio da vitória – o “Mainá” falador. Ninguém sossega, há dias, em Pau Grande.

É do nº 7 da Rua Demócrito Seabra que vem aquela voz:

– Vasco! Vasco!

Pela primeira vez, naquela casa de botafoguense fanático ouvia-se alguém gritar tão alto o nome do clube da Cruz de Malta. E quem tinha essa ousadia se chama cientificamente Gracula Religiosa, mais conhecido por “Mainá”. Porque, além de “Vasco”, sabia falar muitas outras coisas que deixavam o seu nôvo dono simplesmente deslumbrado. Principalmente quando dizia, acentuando bem as sílabas, “Fala Manoel”.

Manoel dos Santos, tornado famoso com um nome de pássaro, Garrincha, estava feliz. Sentado ao lado da enorme gaiola, não perdia um só dos movimentos do seu bonito mainá. De quando em quando, o pássaro asiático dava o ar de sua graça, repetindo as palavras que havia decorado. Sem se assustar com o mundão de gente que entupia a casa do bicampeão mundial de futebol, em Pau Grande, 7º Distrito de Magé.

Ao lado do grande ponta-direita da seleção nacional, Ayrton Baffa, da Assessoria de Imprensa do Palácio Guanabara, relembra a história daquele valioso presente. Tudo tivera início com a despedida dos jogadores brasileiros ao Governador Carlos Lacerda, um dia antes do embarque para o Chile. Garrincha não acreditava no que lhe dissera Ayrton:

– Vou-lhe mostrar um pássaro que fala o seu nome.

– Meu nome? Ora, deve ser um papagaio.

– Nada disso. É um mainá.

Mané Garrincha não sabia o que era um mainá, mas levou um bruto susto quando ouviu o pássaro pronunciar claramente o seu nome. E foi logo pedindo:

– Me arranja um, me arranja…

Veio a promessa não oficial:

– Este mainá é a menina dos olhos do Governador. Mas se você marcar muitos gols no Chile, e nos trouxer a Copa de volta, ganhará um igual a êste.

Garrincha ficou satisfeito, mas quis obter a confirmação. Quando subiu no ônibus, perguntou a Carlos Lacerda se aquilo era verdade. E o Governador resolveu ratificar a oferta do seu assessor. Vieram as primeiras vitórias do Brasil no Mundial. Na véspera do jôgo com a Inglaterra, chegara à concentração de Quilpué um telegrama para Mané: “Continua de pé promessa pássaro fala Manoel. Confiamos bi. Avante. Ayrton”. E quando Vavá fêz o terceiro gol na partida final contra os tchecos, era o próprio Governador Carlos Lacerda quem enviava nôvo telegrama para o famoso perna torta: “Pássaro está à sua espera. Guanabara. Lacerda”.

Mais tarde Mané haveria de confessar que, quando o juiz deu por terminada a partida, pensou imediatamente no mainá. Ignorava, porém, o bicampeão de futebol, como aquêle pássaro viera ter às mãos de Carlos Lacerda. Êste recebera-o, durante a 4ª Reunião dos Governadores, como presente do industrial Alberto Silva, criador de pássaros raros em Jacarepaguá. Aquela gaiola, a princípio, parecera-lhe um trambolho, e tornou-se alvo da curiosidade geral, Lacerda compreendeu o quanto valia aquêle pássaro e passou a andar com êle para cima e para baixo. Não atendendo ao pedido de Carvalho Pinto, que desejava enviá-lo para Jânio Quadros, seu amigo na época:

– Se o Jânio quiser um mainá, que arranje um que fale “Lacerda”. Êste é meu.

E levou-o para o Palácio Guanabara, onde já havia outro mainá, bem mais velho do que aquêle. Embora o valor real dêsse pássaro seja de 200 mil cruzeiros, o Governador Carlos Lacerda chegou a rejeitar propostas de um milhão e duzentos mil cruzeiros por êle.

Mané recebeu, portanto, um régio presente. Presente êste que, segundo algumas notícias, seria trocado por ocasião da entrega. Diziam certos jornais que o mainá que levariam para Garrincha era mudo. O falador ficaria no Palácio. Mas estas notícias foram desmentidas pelo próprio “Mainá” que, logo que chegou ao nº 7 da Rua Demócrito Seabra, lançou fora todo o seu repertório: “Manoel, Maria. Fala Manoel. Galdino, A chave, a chave, Vasco, Jânio Quadros, É do Palácio”, além de várias imitações, como as de avião e cachorro. Soltando, de quebra, alguns assobios. As palavras que fala em dois tons, masculino e feminino, têm sua explicação. “Gualdino”, por exemplo, porque seu primeiro treinador tinha esse nome; “A chave, a chave”, aprendeu ouvindo, pela manhã, o alvoroço dos contínuos do Guanabara. O mesmo com relação às imitações. O latido é uma cópia de Xanã, cachorro do Palácio, seu figadal inimigo.

Existe alguém, entretanto, que ficou satisfeito com a retirada do “Mainá” do Guanabara. Foi “Vicente”, o corvo. Antes êle era o pássaro mais famoso do Palácio. Depois veio a história de Garrincha e todo mundo queria ver o “Mainá”. Agora “Vicente” voltou a ser absoluto.

2 comentários:

Sergio disse...

Essas histórias envolvendo o Garrincha são simples fascinantes.
Tinha um amigo meu, criador de canários que tinha um mainá. Certa vez fui na loja dela e precisei ir ao banheiro, e eis que Lá estava o mainá, que falou duas coisas: cadê o neném e mengão! Não resisti e comecei a falar para o pássaro: Fogão várias vezes. Posteriormente o pessoal da loja queria saber quem tinha ensinado isso para o mainá. Até hoje não sabem que fui eu. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Essa sua história também é sensacional! A um Botafoguense de corpo inteiro nem um mainá flamenguista escapa: o bicho virou botafoguense! (rsrsrs)
Abraços Gloriosos.

O otorrino não me deu ouvidos

[Aos leitores interessados informa-se que as crônicas de Lúcia Senna no Mundo Botafogo foram publicadas em livro intitulado 'No embalo...