sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Mário Sérgio: o passe ‘vesgo’ e a arte de jogar futebol (II parte)

Time do camburão (1977): em pé – Ubirajara, Marco Antônio, Osmar, Carbone, Rodrigues Neto e Perivaldo; agachados – Gil, PC Caju, Dé, Nilson Dias e Mário Sérgio. Fonte: Pinterest.

por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo

Falcão disse que “o Mário só faz confusão com as pessoas que não tratam bem, desrespeitam e não cumprem o que está combinado com ele. Ele veio e foi de um comportamento exemplar.”

Turfista inveterado como o pai, afirmou então que os atletas são como os cavalos, precisam ser bem tratados para obter resultados. Porém, acrescentou: – “Só que cavalos aceitam freio e eu não.” E logo seguiu para o São Paulo.

No Internacional realizou 64 partidas e marcou 4 gols.

Mário Sérgio chegou ao São Paulo (1981-1982) em agosto de 1981 e estreou a 16 de agosto. Foi aqui que Mário Sérgio ganhou um novo apelido: ‘Rei do Gatilho’. A fim de evitar a manifestação dos torcedores do São José, no Vale da Paraíba, contra a delegação do São Paulo, o polêmico craque esvaziou o pente do seu revólver calibre 38, dando tiros para o alto, embora mais tarde tenha dito que as balas eram de festim e que se arrependia do ‘feito’.

No entanto, na partida de volta, o placar do Morumbi anunciava o “nº 11 Mário Sérgio, o Rei do Gatilho”.

No dia 4 de outubro de 1981 teve uma das suas mais brilhantes atuações marcando por duas vezes na goleada sobre o Palmeiras, perante 30 mil espectadores. Todavia, não obstante as ótimas exibições e a convocação para a Seleção Brasileira, Mário Sérgio não se adaptava ao esquema tático vigente na equipe e, por outro lado, a sua polêmica figura foi acusada de uso de drogas, o que não era verdade.

Foi o suficiente para, após convocação e participação nos treinamentos da Seleção Brasileira, ser excluído da lista final para a Copa do Mundo em Espanha e ser dispensado pelo São Paulo no final de 1982, após 62 jogos, 8 gols e um título de Campeão Paulista (1981).

Em 1983 rumou à Ponte Preta e integrou uma equipe de ‘medalhões’ montada pelo presidente Lauro de Moraes com a qual os técnicos que foram passando não potenciaram os desempenhos dos melhores atletas da equipe.

Nesse ano, no dia do seu 33º aniversário, o jovem rebelde que andava nu por Salvador e nunca chorou a morte do pai, chorou finalmente. Chorou a morte do seu sogro, a única pessoa que ele considerou ter fechado completamente com ele em toda a sua vida, defendendo-o em todas as ocasiões em que o atacavam pessoalmente.

A paixão pelos cavalos. Crédito: Nico Esteves / revista Placar, 06.07.1984.

– “Foi um dos melhores homens que conheci. Gostaria de ter um pai com ele. Ele chegou para mim e falou: ‘olha, você não é obrigado a casar com a minha filha de jeito nenhum. Vai nascer, vou sustentar. Se você quiser visitar, você pode. ‘Não, eu gosto dela’.”

No final do ano foi contratado pelo Grêmio por indicação do técnico Valdir Espinosa, especificamente para a disputa da Copa Intercontinental, porquanto Espinosa queria uma peça que se contrapusesse à força dos europeus do Hamburgo, relatando mais tarde que “ninguém queria o Mário Sérgio no Grêmio [porque era] ‘bagunceiro’. Mas eu conhecia ele. Joguei com ele. Morei com ele. Eu reconhecia nele a sua qualidade extraordinária. […] Precisávamos do Mário Sérgio.”

E foi assim que o Grêmio conquistou a Copa Intercontinental (1983), com Mário Sérgio impondo o ritmo durante 120 minutos e desorientando os adversários com a sua enorme habilidade. No final da partida dedicou o título mundial ao seu sogro.

Ainda assim, o Grêmio não renovou o contrato e o craque despediu-se do clube após 11 jogos e 2 gols, ingressando no rival Internacional.

No Internacional (1984) Mário Sérgio relatou uma cena inédita durante a troca de faixas num Gre-Nal na abertura da temporada: – “Na hora de trocarmos as faixas, pensei: ‘Poxa, alguém aí vai me vaiar, gremista ou colorado, não vai ter jeito’. No fim, eu, com a camisa do Inter e a faixa de campão do mundo pelo Grêmio, acabei aplaudido pelas duas torcidas. Me emocionei barbaridade.”

No Internacional Mário Sérgio atuou apenas em 9 jogos, rumando ao Palmeiras (1984-1985) onde viria a ser penalizado por uma suspensão de seis meses devido a cocaína no exame antidoping e afastamento definitivo da Seleção Brasileira, na qual atuou em 8 partidas. Há quem acuse o médico do São Paulo de numa interrupção do jogo ter oferecido uma soda limonada ao atleta, contendo cocaína. Porém, o atleta nega isso:

– “É mentira. É lenda. O Marco Aurélio não tem nada a ver com isso. O Marco Aurélio, no máximo, era médico do São Paulo, estava o tempo inteiro dentro do vestiário. Não podia contaminar minha urina de jeito nenhum.”

Fonte: Pinterest.

As inconsistências jurídicas sucederam-se e descobriu-se, por exemplo, que a urina estivera durante a noite na casa do médico que colheu a amostra, faltou a luz durante a noite e a contraprova da colheita apareceu limpa…

O Palmeiras perdeu os pontos e o campeonato, não reclamou da ocorrência, o caso foi encerrado e o prejudicado foi Mário Sérgio – um polêmico alvo fácil para se condenar. Tanto mais quanto Marco Polo Del Nero, que depois foi presidente da CBF, considerou que Mário Sérgio poderia ter sido absolvido.

No Palmeiras atuou em 52 partidas e marcou 3 gols.

Em 1986 ingressou no Botafogo de Ribeirão Preto e depois no Bellinzona, da Suíça, atuando em poucas partidas e sem resultados relevantes.

Em 1987 rumou ao Bahia já fora do seu ritmo habitual e na 5ª rodada do Brasileirão entrou em campo com a camisa 10, jogou 45 minutos com uma atuação extraordinária, foi o primeiro a descer para o vestiário ao intervalo e quando o resto da equipe chegou havia trocado de roupa, perfumara-se e Bobô narra a cena definitiva de um grande craque: – “Fez um pronunciamento muito educado, agradeceu a todos nós e disse que não voltaria para o segundo tempo. No vestiário ele anunciou o fim da carreira.”

Mário Sérgio foi uma figura polêmica e como jogador era o terror dos técnicos e dirigentes, ajudando a derrubar técnicos e liderando complôs contra os cartolas que, segundo a sua visão, se achavam donos da verdade e donos dos clubes e dos jogadores. Mesmo posteriormente, como técnico e comentarista, não mudou de atitude, porque ele peitava fosse quem fosse, incluindo estrelas que as torcidas enalteciam, sempre com o intuito de defender o futebol bem jogado mediante uma visão inovadora.

Independentemente dessas características, Mário Sérgio foi portador de uma indiscutível qualidade futebolística. Sempre extravagante, cabeludo e ar rebelde, o craque atuava com as meias arriadas e com calções muito apertados atuando como falso ponta-esquerda, meia e armador. Valdir Espinosa colocava-o nos píncaros do desempenho futebolístico:

– “O Mário era extraordinário, para mim um dos maiores jogadores que vi jogar. No espaço de um palmo, ele fazia a coisa acontecer. Não precisava de um campo inteiro, um palmo para ele era suficiente.”

E Paulo Roberto Falcão completou a opinião de Espinosa: – “Tecnicamente foi o melhor jogador que vi jogar. Era um absurdo o que ele fazia com a bola.”

O comentarista. Fonte: Fox Sports.

Nesse mesmo ano de 1987 iniciou a carreira de treinador. Porém, a sua paixão após pendurar as chuteiras foi o comentário televisivo, tendo começado na TV Bandeirantes – e jamais quis ser técnico.

– “Como jogador eu fui em busca daquilo que eu queria que era o dinheiro. Como treinador não busquei essa profissão. Eles vieram atrás de mim. O que eu gostava de fazer era televisão, fazer comentário. [...] Eles vinham e me contratavam. Me ofereciam um dinheiro dez vezes maior do que eu ganhava na televisão, vinte vezes. O que eu fazia? Congelava meu contrato na Bandeirantes, trabalhava lá um, dois anos, arrumava um dinheirinho e saía rapidinho.”

E foi assim que Mário Sérgio teve 16 estadias em 11 clubes que treinou: Vitória (1987), Corinthians (1993 e 1995), São Paulo (1998), Vitória (2001), Atlético Paranaense (2001), São Caetano (2002-2003), Atlético Paranaense (2003-2004), Atlético Mineiro (2004), Figueirense (2007), Botafogo (2007), Atlético Paranaense (2008), Figueirense (2008), Portuguesa (2009), Internacional (2009) e Ceará (2010).

Em 1991 tornou a casar, desta vez com a mulher que viria ser o amor da sua vida, Mara:

– “Sou casado há 25 anos. Minha mulher é a minha salvação. Tive momentos na vida terríveis. Coincidentemente, ela apareceu nesse momento. Me salvou a vida várias vezes. Deus me deu um presente. Conheci ela em 91. Ela era executiva do Bank Boston, trabalhava com o Henrique Meirelles. Largou tudo, quis ter filho, ganhava muito mais do que eu. Eu topei ter filho desde que ela cuidasse dele. Ela largou o emprego para cuidar dele. Cuida dele até hoje e abriu mão da profissão.”

Quando em novembro de 2016 Mara se despediu do marido no aeroporto, antes do fatídico Voo 2933 da LaMia, virou-se para os colegas de trabalho do marido e disse-lhes: – Cuidem bem do amor da minha vida.”

Porém, o destino traçou a derradeira viagem de Mário Sérgio Pontes de Paiva, um dos maiores e mais polêmicos jogadores do futebol brasileiro.

Fontes principais: https://ge.globo.com; https://ludopedio.org.br; https://patadasygambetas.blogosfera.uol.com.br; https://pt.wikipedia.org; https://tardesdepacaembu.wordpress.com; https://terceirotempo.uol.com.br; https://www.futvitoria.com.br; https://www.uol; https://www.zerozero.pt

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Mário Sérgio: o passe ‘vesgo’ e a arte de jogar futebol (II parte)

Time do camburão (1977): em pé – Ubirajara, Marco Antônio, Osmar, Carbone, Rodrigues Neto e Perivaldo; agachados – Gil, PC Caju, Dé, Nilson ...