segunda-feira, 10 de março de 2014

João Saldanha – 'o João Sem Medo'

por José de Oliveira Ramos
Jornal Pequeno, 8/junho/2008

Embora o primeiro registro tenha sido feito na cidade uruguaia de Taquarembo, João Alves Jobim Saldanha, o nosso João Saldanha ou “João Sem Medo”, nasceu na cidade gaúcha de Alegrete, no dia 3 de julho de 1917.

Terceiro filho de Gaspar Saldanha e Jenny Jobim Saldanha, João Saldanha foi um dos mais importantes ícones do jornalismo brasileiro. Emérito contador de histórias, Saldanha trabalhou duro como crítico de cinema, crítico de arte, gastrônomo, enólogo, cronista esportivo e em mais de uma oportunidade, até como técnico de futebol.

Maragato por convicção e vontade própria (MARAGATO – s. m. (Do cast. Maragato) 1. Bras. (RS) Revolucionário adepto do federalismo, que em 1893 lutou ao lado de Gaspar da Silveira Martins, opondo-se ao partido dominante, chefiado por Júlio de Castilhos, federalista – 2. Revolucionário do Partido Libertador, que em 1923 se opôs à política de Antônio Augusto Borges de Medeiros, governador do Rio Grande do Sul (presidente, como se dizia na época). ENCICL.: A denominação maragato surgiu no Rio Grande do Sul com a revolução federalista de 1893 e persiste até hoje, por extensão, aos participantes do Partido Libertador, que são, por assim dizer, herdeiros da ideologia do Partido Federalista. O vocábulo nos veio do Uruguai, onde são chamados maragatos todos os nascidos no departamento de São José. Os partidários de Júlio de Castilhos, então presidente do Estado do Rio Grande do Sul, deram aos revolucionários parlamentares o apelativo de maragatos, atribuindo-lhes propósitos mercenários.), João Saldanha tinha seis anos de idade quando começou a ajudar os pais, o Rio Grande do Sul e por extensão o país, ao se juntar aos irmãos Aristides e Maria para transportar armas e muitas munições por debaixo das roupas, garantindo, assim, a luta ferrenha contra os chimangos (CHIMANGOS – Brasil (RS) - Nome dado ao partido moderado, durante as Regências Trinas; membro daquele partido [oposto ao farroupilha (exaltado) e ao restaurador (caramuru)]; alcunha que, na República, deram os federalistas aos membros do Partido Republicano.).

Os xiitas do PT da década de 80, tinham algumas semelhanças com os Maragatos.

Gaspar Saldanha e Jenny Jobim Saldanha os pais, Aristides, Maria, João, Ione e Elza os filhos, viveram anos exilados em Taquarembo.

Ainda criança, João Saldanha já fazia parte da história de luta do brasileiro.

”Em 1931, após terem voltado ao Rio Grande do Sul, se aliado a Getúlio Vargas e ganhado do mesmo um cartório no Rio de Janeiro, os Saldanhas mudaram-se para a Cidade Maravilhosa.

João, no auge de seus 14 anos, apaixonou-se pelo Rio de Janeiro, pelas praias, pelos bondinhos, pelo Pão de Açúcar e pelo Botafogo, clube da estrela solitária, que acabara de ser campeão carioca. Ali, surgia o gaúcho uruguaio mais carioca de todos. De posição política sempre bem definida, João Saldanha era esquerdista de corpo e alma. Fazia parte do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e estava sempre disposto a lutar contra, ou a favor do governo – Gustavo Grohmann”.

Mas chegaria o dia em que os pais e os irmãos de João Saldanha cansariam dos desencontros da guerra. Chegaria, também, o dia em que o Saldanhas entenderam que precisavam mudar de Alegrete. Fixaram residência em Curitiba, para permitir, também que os meninos concluíssem os primeiros estudos. Até entã, João Saldanha ainda era “uruguaio” de Taquarembo. Quando completou 18 anos, ele mesmo resolveu fazer novo Registro de Nascimento, optando por ser brasileiro e gaúcho. Mas já residia definitivamente – com os pais e os irmãos – no Rio de Janeiro.

”Em 1947 resolveu estudar História na França. Em uma de suas aulas na faculdade de Paris, João conheceu o jornalista italiano Sandrino Saverio. Seu pai, Aldo Saverio estava montando uma agência de notícias. Após saber que Saldanha já conhecia vários lugares do mundo, Sandrino convidou-o a participar da agência. Foi o primeiro contato de João com o jornalismo: amor à primeira vista.

Doze anos depois, cansado de trabalhar no cartório do pai, João ingressou definitivamente no jornalismo. Ruth Viotti, esposa de Saldanha na época, conseguiu para o marido uma vaga de comentarista, com um simples telefonema para seu irmão. Graças a Rui Viotti, a Rádio Nacional ganhou um excepcional comentarista. Nova linguagem, novo caráter, novas expressões. Frases prontas como “se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária seria campeão”, ou então “se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria empatado” fizeram de João Saldanha um verdadeiro marco no jornalismo nacional. “Foi um cara importantíssimo para o jornalismo, como colunista e como comentarista. Como colunista, foi muito bom, muito agradável de ler. Não tinha um texto tão burilado como o de um Armando Nogueira. Escrevia como falava, e isso lhe dava uma capacidade de comunicação muito grande”, Paulo César Vasconcelos.

Uma paixão - O futebol sempre esteve presente na vida de João Saldanha. Desde a época que os 11 jogadores do Guarani de Alegrete passavam na porta da casa do menininho de seis anos, que carregava armas para ajudar os maragatos revoltados, passando pelo garoto de 14 anos, que se deslumbrou pelo futebol das praias da cidade maravilhosa, e findando sua breve carreira como jogador em 1941, quando se chocou com Perácio (ex-Flamengo), fraturando a perna. Depois disso, viajou, foi para a Europa, voltou à praia, trabalhou no cartório do pai...

No fim da década de 70, a Seleção Brasileira deixava muito a desejar. Bicampeã mundial (1958/62) não repetiu as boas atuações das copas anteriores na Copa da Inglaterra, em 1966, sendo eliminada pela Seleção Portuguesa do craque Eusébio. O povo criticava demasiadamente a seleção nacional que vinha obtendo maus resultados em campeonatos e amistosos. Saldanha, já como jornalista, era um deles, mas fazia críticas objetivas, ponderadas e construtivas àquele time. Foi então que os diretores da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) tentaram uma última cartada, convidando o então jornalista, crítico e audacioso, João Saldanha para comandar a seleção. O pensamento era simples: que jornalista vai criticar um colega de trabalho?

Saldanha aceitou. Já tinha uma experiência vitoriosa, dirigindo o Botafogo no fim da década de 50. Logo em sua primeira entrevista coletiva apresentou os 11 jogadores titulares e os 11 reservas. Eram as Feras de Saldanha. De 4 de fevereiro de 1969 a 17 março de 1970, João dirigiu a Seleção Brasileira de futebol. Teve mais erros do que acertos. Apesar do time caminhar bem nas eliminatórias e se classificar para a Copa de 70, no México, João se perdeu no meio do caminho, em seu temperamento e, principalmente, em seu desequilíbrio. Paulo César Vasconcelos, acredita que isso foi ponto preponderante para a queda de Saldanha: “Ele saiu porque o processo de desgaste com os jogadores estava muito acentuado, e conseqüentemente, com a comissão técnica também. Ele disse que o Pelé não poderia jogar a Copa porque estava cego. Ele tentou invadir o Retiro dos Padres pra dar um tiro no Yustrich (técnico do Flamengo). O fator determinante para a sua saída foi seu desequilíbrio”. Era o fim de João Saldanha como técnico de futebol.

Um homem - Apesar de todas as brigas, de todas as histórias, de todos as verdades, de todos os ataques, de sua personalidade extremamente forte e, muitas vezes, incômoda João Saldanha foi um homem admirado por muitos, mesmo até por seus inimigos. Sua história é tão rica que lamento não ter nascido antes e convivido com um homem tão digno. Falta João Saldanha nos dias de hoje. Falta João Saldanha no futebol. Falta João Saldanha no jornalismo. Falta João Saldanha na sociedade. Ele morreu no dia 12 de julho de 1990, na Itália, após a ridícula participação da Seleção Brasileira naquele mundial. E tem gente que não sabe quem foi João Saldanha! Ou então pensa que foi um bêbado, um contador de histórias... O brasileiro é muito duro com esses personagens históricos; muito cruel. Como diria Nélson Rodrigues: “brasileiro vaia até minuto de silêncio. Coitado do morto”.

Parafraseando Paulo César Vasconcelos, vou dizer que o nosso elenco é muito ruim. Se fossemos fazer figuração numa cena da Santa Ceia, roubaríamos o pão e venderíamos a mesa.

Fonte: http://www.jornalpequeno.com.br/2008/6/8/Pagina80206.htm

5 comentários:

Unknown disse...

Se tenho um idolo no futebol, com certeza eh o Joao

Gil disse...

Rui,

E como falta um João Sem Medo Saldanha no atual Botafogo!

Abs e Sds, Botafoguenses!!!

Ruy Moura disse...

Estou de acordo, Ronau. Apenas com um senão: o Saldanha queria acabar com as modalidades olímpicas, suprimindo a vida clubista de natureza social. Creio que o futebol e as demais modalidades podem conviver. Aliás, é assim em todo o mundo com os grandes clubes.

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Pois Falta, Gil. Hoje e sempre.

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Com o Saldanha a agitar e o Paulo Azeredo a presidir, seríamos o máximo. O único senão é que o Saldanha saiu do BFR com as candeias às avessas em relação ao PA, que não aprovou os seus intentos de exclusividade do futebol.

Abraços Gloriosos!

O otorrino não me deu ouvidos

[Aos leitores interessados informa-se que as crônicas de Lúcia Senna no Mundo Botafogo foram publicadas em livro intitulado 'No embalo...