terça-feira, 18 de agosto de 2020

Os clubes de futebol e novas formas de produzir a informação desportiva – estudo de casos Benfica, Botafogo e PSG (IV)

por FERNANDO VANNIER BORGES
Centro de Pesquisa e Estudos Sociais da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Portugal

A produção de informação nos clubes de futebol

Os clubes passam a produzir informação como consequência da explosão na oferta de conteúdos mediáticos e desportivos; do crescimento económico e da comercialização do futebol; da mediatização das organizações desportivas; e preocupação de atletas e clubes em criarem o seu próprio conteúdo como estratégia de comunicação. Embora a sua formação envolva elementos de diferentes âmbitos, a sua concretização deve ser pensada em função do jornalismo desportivo, pois são profissionais com esse tipo de formação e experiência que vão compor as equipes de redação e definir a forma de fazer e o formato dos conteúdos.

Na medida em que a imprensa vive uma crise de credibilidade, há a necessidade de informações nas quais se possa confiar. A autoridade é um fator essencial, tanto para o público quanto para jornalistas, que sem tempo para verificar os fatos se tornam mais atentos a quem produz e circula a informação, buscando por fontes com legitimidade. Assim, os clubes de futebol, tendo autoridade para falar sobre si próprios, acabam também se tornando uma fonte de informação, a partir dos seus canais de comunicação, podendo também comunicar-se diretamente com o público ou com jornalistas.

Ao produzir conteúdos informativos, os clubes ratificam o papel estratégico da comunicação para a instituição. Os clubes de futebol possuem dois trunfos nesse cenário: o primeiro é poder limitar o acesso aos media e assim poder produzir informação exclusiva; e o segundo é publicar a informação oficial, que se torna muito valiosa devido à crise de credibilidade pela qual passa a imprensa. A exclusividade sobre um produto é uma importante ferramenta no mercado mediático (Sonnac & Gabszewicz, 2013), e na impossibilidade de ter monopólio sobre a transmissão dos jogos, ter exclusividade sobre a informação é bastante relevante. Nota-se a importância da informação oficial durante os períodos de transferências de jogadores: com tanta especulação, os media de clube se posicionam para falar sobre o assunto apenas quando as contratações são confirmadas.

Por ser um canal pago, a Benfica TV une os dois aspetos mencionados acima. Ao mesmo tempo que os profissionais só informam os fatos que já foram oficializados pelo clube, eles também desejam que o canal do clube seja o único a difundir a informação. A BTV é quem tem os maiores exclusivos da equipa principal e por isso acabam sendo muito acompanhados pelos outros meios de comunicação. Os materiais exclusivos passam primeiro pela Benfica TV e, na sequência, os outros canais acabam por repetir os mesmos conteúdos ou imagens em seus programas informativos.

O mesmo tipo de pensamento é válido para a PSG TV. Por ter mais acesso aos jogadores, é mais fácil obter um material exclusivo (como por exemplo, uma entrevista com um de seus jogadores internacionais após a sua nomeação para prémios internacionais), assim como a pauta dos jornais é determinada pelas informações oficiais do clube: contratação de jogadores, relatório médico, agenda de jogos da época regular ou da pré-época.

É preciso fazer uma distinção entre o que é informação exclusiva e o que é informação oficial. Tanto no PSG quanto no Benfica, os seus media de clube não são responsáveis pela produção de informação oficial, na forma de comunicados e press releases, havendo setores específicos para essa função. A questão é que essas informações sobre o clube são parte essencial da sua agenda de notícias, e por estar em contato direto com o público, eles podem dar destaque e mais visibilidade a essa informação oficial. Já o material exclusivo, esse sim é prerrogativa dos media de clube.

Para um dos corresponsáveis pelo núcleo de jornalismo e comunicação do Botafogo, a responsabilidade de trabalhar num veículo oficial é maior do que na imprensa. Para ele, a imprensa desportiva não trabalha com a seriedade devida, transformando boatos em notícias, de modo que ser a voz oficial do clube carrega uma responsabilidade muito maior.

Como assessores, nós somos a voz oficial do clube… assim, aqui a nossa linguagem é diferente do jornalismo… isso é claro… como canal oficial, a nossa forma de falar é muito mais respeitosa e muito mais profissional… nós temos uma responsabilidade que os jornalistas nem sempre apresentam… a imprensa esportiva, mais do que outras, não é rigorosa com a informação… rumores viram matérias… eu acho que a imprensa esportiva é irresponsável. Talvez eu esteja exagerando… mas quando se trabalha para um clube, é diferente: nós falamos em nome de uma instituição de maneira oficial e é uma responsabilidade que não se compara ao jornalismo. Todo mundo que trabalha aqui reconhece essa responsabilidade… são botafoguenses apaixonados e orgulhosos do seu trabalho (entrevista ao autor).

Essa posição também é corroborada por um dos profissionais da PSG TV. Para ele, a imprensa pode se enganar, mas eles não: “se a gente fala alguma coisa, é oficial. Nós não podemos nos enganar. É preciso que seja certo, para que possamos falar” (entrevista ao autor).

O equilíbrio entre esses dois tipos de informação e a identidade do media de clube, enquanto veículo informativo, ainda está em construção, no Botafogo. Outro corresponsável pelo núcleo de jornalismo e comunicação mencionou o desafio de achar a sua própria voz. Como o Botafogo não consegue bloquear o acesso aos jornalistas, a imprensa continua a ser a principal fonte de informação sobre o clube, mesmo para adeptos mais fanáticos, fazendo com que os media de clube tenham dificuldade em lidar com a concorrência. Parece ser consenso entre a equipa de comunicação do Botafogo, que o ideal é achar uma maneira de comunicar diferente dos media tradicionais, nesse sentido eles buscam novos ângulos para falar com os jogadores e apostam no acesso aos balneários para produzir vídeos sobre os bastidores dos jogos.

Para o diretor da PSG TV, o seu canal é um veículo informativo, mas que ele gostaria de dar mais enfâse em conteúdos de entretenimento. A dificuldade reside no fato do futebol não ser muito cómico, de modo que ele antevê o caminho através do investimento em um conteúdo lúdico e divertido que possa agradar e atrair o público, se colocando como um diferencial em comparação a outros canais que produzem a informação desportiva.

Mais do que uma mera indicação para valorizar conteúdos lúdicos, nota-se uma dominação das soft-news enquanto formato predominante da informação. Uma das evidências é a enfase em conteúdos com alto teor emocional, ligando o público torcedor à mensagem e ao clube, enquanto outro é a produção de material com enfoque nos jogadores, mostrando que a personalização e o acompanhamento dos jogadores celebridades é algo importante no contexto atual.

Dentro dessa orientação, o papel do profissional de informação é saber que tipo de conteúdo vai agradar ao seu público torcedor. Um dos profissionais do Botafogo diz que:

Nossas prioridades são diferentes da imprensa tradicional. Nós queremos mostrar as coisas mais importantes no cotidiano do Botafogo na visão do torcedor… sem nos preocupar com os índices de audiência. Quando vou escrever um texto, eu tento perguntar aos jogadores coisas que não se leem na media tradicional, tal como se eu fosse um torcedor” (entrevista ao autor).

A digitalização também influencia a forma de produzir informação. Os métodos informáticos de medição de dados sobre as audiências são muito mais avançados e precisos, permitindo traçar um perfil do público muito mais acurado, o que pode acarretar em mudanças na forma de escrever. As ferramentas estatísticas são simples e acessíveis a todos os profissionais na cadeia de produção da informação, permitindo que haja uma grande tentação de utilizar as pesquisas de mercado para desenvolver certos temas que trazem mais volume em termos de audiência, em detrimentos de outros menos populares (Estienne, 2007, p. 240).

Embora a busca por audiências também esteja presente nos media de clube, não houve destaque para a utilização de métricas quantitativas para a captação das audiências. Nos três clubes essa era uma questão que envolvia parâmetros mais qualitativos e subjetivos: como os profissionais se identificavam com os torcedores, pela sua própria experiência, não havia necessidade de análise de dados para reconhecer as demandas do público. Um profissional do Botafogo afirmou que para conhecer os gostos das audiências, as redes sociais são muito importantes:

As redes sociais são fundamentais para conhecer os torcedores. Na Internet tem sites que republicam os textos sobre cada grande clube e em baixo de cada texto é possível participar de fóruns para dar opiniões… eu não participo nas conversas, mas vou sempre lá fazer pesquisa. No geral, os torcedores não criticam os textos do nosso site, mas eles atacam a performance do time… assim, temos que aproveitar sempre os bons momentos para escrever mais e os maus momentos para falar menos (entrevista ao autor).

A sensibilidade de saber a hora de falar e o tom correto é fruto da identificação como torcedor do clube no qual se trabalha. De todos os entrevistados a trabalhar nos clubes, apenas o PSG tinha adeptos de outras equipas. No Botafogo, a possibilidade de ter um torcedor de um clube rival foi vista como absurda pelos entrevistados. No Benfica, disseram que isso não era critério de exclusão, mas o conhecimento sobre o clube era um elemento importante do trabalho. No PSG, o processo de recrutamento de profissionais se mostrou mais avançado: havia um perfil pré-definido pela direção e todos os contratados já tinham experiência em funções semelhantes em outros clubes ou federações. Enquanto a simpatia pelo clube era um elemento essencial no recrutamento no Botafogo e no Benfica, em Paris havia outros critérios prioritários.

Tal como a informação está sujeita à lógica emocional dos fãs, a produção de conteúdo também deve estar de acordo com as estratégias de marketing e identidade do clube. Nos últimos anos, o desenvolvimento da indústria do futebol e a sua aproximação com a indústria do entretenimento (Portet-Ginesta, 2011) fizeram com que os clubes se transformassem em verdadeiras marcas a serem comunicadas (Desbordes & Richelieu, 2011). No PSG, os entrevistados reconheceram que a produção de conteúdo deve ir ao encontro da construção da imagem do clube, valorizando os aspetos da elegância e da beleza da cidade de Paris e sua relação com o PSG.

O nosso centro de treinamento é nos subúrbios de Paris, e não há outros clubes na Ille de France para disputar connosco a atenção. Assim, nós damos atenção não só aos subúrbios mas também ao estrangeiro… a imagem de Paris é a Torre Eiffel, assim será normal que nós façamos muitas reportagens e vídeos na cidade de Paris (entrevista ao autor).

Para um entrevistado, “a PSG TV é a vitrina do clube. No nosso canal, vamos mostrar a atualidade do clube e seu desenvolvimento, o seu crescimento… e todos os setores de atividade” (entrevista ao autor). Seu colega complementou o seu ponto de vista:

O objetivo é desenvolver a imagem do clube. Nossas imagens estão disponíveis não somente no nosso canal, mas também nos media franceses e estrangeiros. Desenvolver a nossa imagem permite criar parcerias na França e fora… grandes marcas se associam ao PSG… são marcas fortes… e essas marcas ajudam o clube a chegar a mais pessoas no estrangeiro (entrevista ao autor).

No PSG, os entrevistados viam o seu trabalho como análogo ao jornalismo de empresas. A diferença é que as empresas produzem boletins a serem lidos, sobretudo, internamente, enquanto no caso do PSG seu conteúdo é visto pelo mundo todo. Tal como os media de marcas, os media de clube precisam adotar um código próprio para se diferenciar de um panfleto publicitário. Isso foi claramente notado na Benfica TV: os entrevistados reconheciam o seu papel estratégico e diziam que o seu trabalho servia para mostrar o que era feito de bom dentro do clube, mas ao mesmo tempo falavam da construção de uma mensagem que, embora centrada no Benfica, respeitava a deontologia jornalística, dando voz aos adversários e buscando a objetividade.

A credibilidade é um aspeto essencial do nosso trabalho. Nós somos a Benfica TV e, portanto, não precisamos reforçar a nossa ligação com o clube… o público já sabe… mas por dar peso e credibilidade à palavra, precisamos seguir um código de ética jornalística (entrevista ao autor).

A proximidade entre as redações e o marketing também é algo que está presente na realidade dos media de clube. Apesar de estar numa sala mais isolada, tanto no PSG quanto no Benfica, os departamentos de marketing e os produtores da informação dividem o mesmo prédio, e os profissionais de ambos os clubes afirmaram produzir conteúdos em conjunto. Uma profissional da BTV contou que uma das etapas na produção dos jornais do canal é ver a agenda do departamento de marketing para fazer a cobertura, assim como os editores são ouvidos para dar sugestões de como conseguir maior exposição televisiva, desde o posicionamento para facilitar a captação de imagens, até a utilização de lacunas na rotina da equipe de futebol como as folgas, viagens e férias para aproveitar mais tempo de antena. Assim, não só as ações de marketing são um importante conteúdo informativo, como as suas estratégias de implementação estão de acordo com a lógica de produção da informação – mesmo que o futebol se mantenha no topo da hierarquia.

No Benfica, a proximidade com o marketing se nota na escolha de pautas. Sabendo que a agenda noticiosa da BTV é construída a partir de uma seleção de eventos envolvendo o clube, as ações do departamento de marketing também estão incluídas no universo de seleção. Sendo um canal de televisão, a organização dos conteúdos e os tempos disponibilizados precisam obedecer a uma ordem hierárquica. Jogos e assuntos relacionados à equipe principal de futebol estão sempre no topo da pirâmide.

A produção da informação é muito influenciada pela visão de marketing do clube. Um dos entrevistados afirmou que as “verdadeiras informações” se encontram em jornais como no Le Monde e no L’Équipe, enquanto na PSG TV o conteúdo é mais promocional, sabendo que a orientação é a linha de marketing do clube. Tendo essa base, a escolha dos temas e daquilo que vai ser abordado é mais livre, embora discutido internamente com a equipe.

O Botafogo é o clube onde a proximidade com o marketing é mais notada. Primeiramente, em termos organizacionais, o núcleo de comunicação e jornalismo está subordinado ao departamento de marketing. Em segundo, os espaços de trabalho são partilhados, fazendo com que os profissionais que produzem a informação estejam ao lado dos do marketing, permitindo a troca de ideias e a sugestão de abordagens. Não só os do marketing influenciam a produção da informação, mas os editores de conteúdo também contribuem com ideias para o pessoal do marketing. Tal como nas startups, pelo seu tamanho e pouca diferenciação entre os trabalhadores, há uma grande troca e miscigenação de funções. Tal como no Benfica, as campanhas de marketing são um conteúdo frequente sobre o qual se deve escrever de maneira informativa para alimentar o site do clube.

BORGES, F. V. (2019). Os clubes de futebol e novas formas de produzir a informação desportiva. In Media, comunicação e desporto. Mediapolis – Revista de Comunicação, Jornalismo e Espaço Público, nº 8, p. 124-129. https://doi.org/10.14195/2183-6019_8_8

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