sábado, 5 de julho de 2025

Ditadura, Violência e Ruína: Quando o Botafogo Foi Invadido e Afundado

Charge de Henfil. In Jornal dos Sports, 22 de junho de 1968, p. 4.

por ANTÔNIO SÁ | Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro, Ex-Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito e Economia | In diariodorio.com | 25 de junho de 2025

«Invasão da sede do Botafogo por forças da ditadura em 1968 e a gestão autoritária de Charles Borer marcaram um período sombrio na história do clube.

A Ditadura Invade o Campo: A Invasão de General Severiano em 1968

Em junho de 1968, o Brasil vivia um dos momentos mais tensos da ditadura civil-militar iniciada em 1964. Às vésperas da edição do Ato Institucional nº 5, a repressão às mobilizações estudantes já se intensificava pelas ruas. […]

A repressão se deu em diversas frentes. […] Em meio ao caos, um gruo de cerca de 200 estudantes buscou abrigo na sede do Botafogo de Futebol e Regatas, em General Severiano. A entrada foi autorizada pelo então presidente do clube, Altemar Dutra de Castilho. Era uma tentativa desesperada de proteção civil em uma noite que ficaria marcada como uma das mais violentas daquele ano. […]

A sede do clube foi invadida por forças do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e do Serviço Nacional de Informações (SNI), que ignoraram os apelos dos dirigentes e entraram no clube como se fosse um bunker inimigo. Vidros estouraram, bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas pelas janelas, portas foram arrombadas. Houve agressões a atletas que treinavam, funcionários, sócios – e até crianças que ensaiavam uma quadrilha para a festa de São João. A cozinheira desmaiou, um diretor foi mantido preso por mais de uma hora e saiu ferido. Cinco crianças precisaram ser hospitalizadas.

A brutalidade denunciada no dia seguinte por Henfil, com uma charge no Jornal dos Sports, e registrada com manchetes dramáticas. […]

A cidade ficou em estado de guerra. No dia seguinte, o Jornal dos Sports relatava: “DOPS e PM mataram três: toda a cidade ficou contra a Polícia”. O saldo incluía mortos, feridos, barricadas, tiros, bombas, incêndios e centenas de prisões. Um dos grandes clubes do país havia sido convertido temporariamente em palco da repressão militar.

Charles Borer: O Policial do SNI que Afundou o Botafogo

Em 1970, dois anos após a invasão de General Severiano, setores ligados à ditadura se movimentaram para consolidar o domínio militar sobre o clube. Foi nesse contexto que Charles Macedo Borer, policial vinculado ao Serviço Nacional de Informações (SNI), foi alçado à presidência do Botafogo de Futebol e Regatas. Seu nome foi impulsionado com apoio de quadros militares e do irmão Cecil Borer, um dos mais temidos delegados do DOPS no Rio de Janeiro.

A chegada de Borer à presidência marcaria um dos períodos mais sombrios da história do clube. Alegando dívidas elevadas e crise estrutural, sua gestão implementou uma política de austeridade brutal – mas que, na prática, apenas aprofundou os problemas financeiros e provocou um dos maiores retrocessos institucionais do clube.

A venda de General Severiano para a estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1976, por 90 milhões de cruzeiros, foi o ápice da derrocada. A sede histórica, berço das glórias do clube e símbolo da Estrela Solitária, foi vendida por um valor muito abaixo do mercado. A decisão foi aprovada por 140 conselheiros – apesar dos protestos históricos de figuras como Carlito Rocha.

Sem sede, o clube transferiu-se para o Mourisco Mar, na Praia de Botafogo, e passou a mandar seus jogos em Marechal Hermes – onde construiu um estádio precário e improvisado. Esse deslocamento geográfico e simbólico afastou o Botafogo de sua identidade. Começava ali o maior jejum de título da história alvinegra: 21 anos sem conquistas expressivas.

Durante o mandato, Borer foi responsável por transformar o Botafogo em uma espécie de trincheira autoritária. Perseguiu dirigente, demitiu funcionários, destratou jogadores. O time ganhou a alcunha de “Time do Camburão”, com elenco formado por nomes irrelevantes, instáveis, sem identificação com o clube. Em 1981, numa entrevista à revista Placar, o dirigente resumiu sua visão com uma frase estarrecedora:

“Pouco importa a torcida. Torcedor é volúvel, só aparece na vitória. Se o time perde, ele some. […] Torcida não é patrimônio, não faz o clube.”

Borer ainda espalhava acusações de “infiltração comunista” na torcida do Botafogo, sem jamais apresentar provas. A retórica anticomunista da ditadura entrava pelos portões do estádio, contaminando o ambiente com vigilância, intolerância e repressão.

Mesmo com a venda da sede, as dívidas não foram sanadas. O clube continuou atolado em obrigações fiscais, trabalhistas e cm imagem pública arruinada. O legado de Charles Borer foi ruína, ressentimento e desmobilização.

O Retorno a General Severiano e a Lição da Memória

A recuperação da sede de General Severiano só veio décadas depois. Em 1992, graças a uma negociação envolvendo a cessão do ginásio no Mourisco à Vale, o Botafogo reconquistou seu lar histórico. A reinauguração oficial ocorreu em 1994. Hoje, o prédio abriga o Museu do Botafogo e, mesmo com o Estádio Nilton Santos sendo a nova casa para os jogos, General Severiano permanece como sede social e símbolo da história viva do clube.

Essa história, no entanto, é mais do que uma cronologia de fatos administrativos. É um alerta. A invasão de 1968 e a gestão de Borer demonstram como o futebol não está imune aos ventos autoritários e às ambições políticas. Quando a repressão atravessa os muros do estádio, quando um clube vira campo de operações policiais, ou quando um dirigente despreza seu torcedor como “não sendo patrimônio”, o futebol perde seu sentido original: ser espaço de afeto, resistência, identidade e sonho coletivo.»

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