quarta-feira, 19 de março de 2025

O Botafogo e a Libertadores: contextualizando sua história e seus artilheiros

Crédito: Alexandre Durão / Ag. Estado.

por DINAFOGO | Coluna “Botafogo nisso!” | Colaborador do Mundo Botafogo

O Botafogo, ao longo de sua história, teve elencos formidáveis, jogadores de nível de seleção, vencedores de Copas do Mundo e artilheiros em diversos campeonatos. No entanto, ao observar a lista de goleadores do alvinegro na Libertadores da América, muitos se surpreendem ao saber que o maior artilheiro da nossa história na competição é Júnior Santos, com 10 gols. Isso leva a questionamentos sobre por que lendas como Garrincha, Nilton Santos e outros não têm números expressivos no torneio. Rivais, que frequentemente cometem erros anacrônicos, costumam zombar da equipe, alegando uma suposta falta de tradição alvinegra. Por isso, este texto busca esclarecer alguns pontos sobre a participação do Botafogo na Libertadores e sua relação com a artilharia da competição.

1) Uma vaga para os campeões de cada país

A primeira edição da Libertadores ocorreu em 1960 e contava com apenas um representante de cada país, sendo sempre o campeão nacional do ano anterior. No caso do Brasil, o campeão de 1959 foi o Bahia. Naquela época, a participação no Campeonato Brasileiro era restrita aos campeões estaduais do ano anterior. O Rio de Janeiro foi representado pelo Vasco, campeão do Supercampeonato Carioca de 1958, um torneio acirrado disputado entre Botafogo, Flamengo e Vasco em uma série melhor de três jogos. Assim, o Botafogo ficou de fora da Libertadores porque sequer participou do torneio nacional.

O Glorioso só disputaria a Libertadores pela primeira vez em 1963, como vice-campeão brasileiro de 1962, em uma final decidida também em uma série de três jogos. Vale destacar que, nos primórdios da Libertadores, o torneio era mais curto, dividido em fase de grupos com quatro chaves, cada uma com três times jogando em ida e volta. Os primeiros colocados se juntavam ao atual campeão diretamente nas semifinais, sem oitavas ou quartas de final.

2) Em 1966 e 1969, o Brasil não enviou representantes

Um dos maiores esquadrões da história do Botafogo deixou de disputar a Libertadores de 1969, torneio em que teria plenas condições de ser campeão. Isso aconteceu porque, naquele período, a classificação era extremamente difícil, exigindo o título de campeonatos nacionais altamente competitivos, repletos de elencos fortíssimos. Mesmo times históricos, como o Botafogo e o Palmeiras, ficaram de fora da competição por vários anos devido a esse critério.

Infelizmente, em 1969, quando o Botafogo havia conquistado o título brasileiro de 1968, o Brasil optou por não enviar representantes à Libertadores, desperdiçando uma chance de ouro para o Glorioso brilhar no torneio.

3) A Libertadores e o domínio do futebol brasileiro

Nos últimos anos, o futebol brasileiro se tornou dominante na Libertadores, especialmente com a superioridade financeira e técnica em relação aos clubes de outros países. Atualmente vemos diversas finais entre times brasileiros, e clubes como Palmeiras e Flamengo conquistaram uma estabilidade financeira que lhes permite participar da competição ano após ano, aumentando suas estatísticas e recordes.

Isso explica por que alguns jogadores se tornaram grandes artilheiros do torneio. Entretanto, ao observar edições individuais, percebe-se que os números são semelhantes aos de Júnior Santos na Libertadores de 2024, em que ele marcou 10 gols. Exemplos incluem Gabriel Barbosa, que marcou 9 gols em 2019 e 11 em 2021 pelo Flamengo; Borja, que fez 8 pelo Palmeiras em 2018; e Cano, que anotou 13 pelo Fluminense em 2023. Os maiores artilheiros da história da Libertadores ou passaram por diversos clubes ou permaneceram em um mesmo time por muitos anos, como o lendário Spencer, que jogou 10 anos no Peñarol.

Portanto, o desempenho do Botafogo em termos de artilharia na Libertadores está dentro da média, considerando jogadores que participaram de apenas uma edição ou defenderam um único clube no torneio. Fica evidente que há uma tentativa de transformar certos jogadores em "especialistas" da Libertadores, omitindo o contexto histórico do futebol sul-americano e o impacto da frequência nas edições do torneio.

4) A crise alvinegra

O Botafogo entrou em uma grave crise na década de 1970, afastando-se das principais competições. Só conseguiu retomar sua glória em 1989 e voltou à Libertadores apenas em 1996. Após isso, enfrentou outro período turbulento, retornando ao torneio continental apenas em 2014. Essas ausências prolongadas impediram que o clube acumulasse números expressivos na competição.

Conclusão

Ao analisar a participação do Botafogo na Libertadores e seus números, é essencial considerar as mudanças no regulamento do torneio, os períodos de crise vividos pelo clube e o contexto histórico do futebol sul-americano. Apesar de suas participações reduzidas para um clube de sua grandeza, o Glorioso precisou de apenas uma final para se sagrar campeão, vencendo todas as fases e decidindo as eliminatórias fora.

Curiosidades

O Botafogo possui um quinto e um terceiro lugar como suas melhores campanhas antes do título.

Um quinto lugar foi alcançado ao chegar às quartas de final.

Seu pior resultado foi a eliminação na fase de grupos em 2014.

Seu melhor resultado foi o inesquecível título de 2024.

9 comentários:

BFR Números disse...

Não poderia furtar-me de comentar nesta tema, que muito me é caro e quase uma obsessão, relativo ao "Campeonato Brasileiro" nos anos 60. Existe uma linha, à qual pertenço, que defende que a Taça Brasil não era Campeonato Brasileiro mas sim Copa do Brasil - ou, mutatis mutandis que esta última seja a sucessora natural e histórica da primeira.

Ainda que os critérios e argumentos sejam bastante subjetivos e válidos para ambos os lados entre as edições de 1959 à 1966 da Taça Brasil, as edições de 1967 e 1968, são, claramente, análogas à Copa do Brasil - tanto no esquema predominantemente, quando não inteiramente, mata-mata quanto na dualidade Campeonato-Copa que havia na altura: Em 1967 o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, que iniciou em 1933 e existiu por 16 edições apenas com equipes dos estados da Guanabara e de São Paulo, passou a receber participantes de outros estados e foi batizado de Taça de Prata. O mesmo torneio sempre foi disputado no formato "Campeonato", quando não inteiramente em pontos corridos, com algumas edições nas quais a primeira fase classificava para um quadrangular final que era disputado em pontos corridos - exatamente como foi a Série B que o Botafogo disputou e foi Vice em 2003.

Portanto, nas edições de 1967 e 1968 o "Robertão"/Taça de Prata funcionou como o Campeonato Brasileiro funciona desde 1989, bem como a Taça Brasil nas mesmas edições 1967 e 1968 funcionou como a Copa do Brasil funciona desde 1989. A questão da indicação dos campeões à Libertadores, até mesmo pelo boicote como a sempre assertiva e boa observadora comentarista Dinafogo ilustrou, não se fez majoritária e tampouco presente nestas edições, o que põe abaixo os argumentos - que, reconheço, até válidos entre 1959 e 1966 - para as duas últimas edições do torneio.

Não quero me alongar para a 'genealogia' de ambas as competições, que vêm desde as primeiras décadas do século XX, mas posso 'me esticar' por aí caso o assunto ainda dê pano pra manga por aqui, rs. Da mesma forma que alguns ainda lutam pelo reconhecimento do tal 'Tri Campeonato Mundial' do Botafogo em 1967, 1968 e 1970 - causa da qual discordo frontalmente - ainda sou um dos últimos na resistência da causa "Taça Brasil é Copa do Brasil".

Ruy Moura disse...

Abstenho-me por falta de estudo sobre a matéria. Porém, estudei outros assuntos e estou absolutamente crente que deveríamos ter sido declarados campeões brasileiros de 1931.
Abraços Gloriosos.

BFR Números disse...

É isso... Sem clubismo, mas já considero o Botafogo 'campeão nacional' de 1931 há uns anos. Se é Copa do Brasil ou Brasileiro, é outro assunto, mas que 1931 "é nosso", isso é!

Ruy Moura disse...

Seria justa a equiparação. Sobre os torneios de Caracas creio que cheguei a ser favorável (há bastante tempo),mas mudei de opinião e a minha posição é a seguinte: torneios ou jogos únicos que não foram oficiais devem ser apenas isso mesmo e não equiparados, porque a condições de disputa são muito diferentes, quer na cabeça dos jogadores, quer porque o que estava em jogo para os clubes era essencialmente os dólares que embolsavam.

Abraços Gloriosos.

BFR Números disse...

Dentre as razões que fazem-me opor ao reconhecimento dos tais 'títulos mundiais' a enunciada pelo amigo é uma sob as quais mais me apoio. Penso que o critério de classificação/apontamento para o torneio devesse ser um dos se não o mais relevante, e este não se fez presente nas edições da Pequena Copa do Mundo. Neste âmbito, até o 'nosso' Teresa Herrera de 1996 - por razões que já numerei anteriormente aqui e noutros espaços - é muito mais próximo de um Mundial, e até mesmo um embrião do Mundial da FIFA, do que aqueles torneios dos anos 60/70 disputados na Venezuela.

Quanto a 1931: Penso que os Beneméritos do associativo e mesmo o novo presidente podiam capitanear uma campanha de reconhecimento deste título nacional, claro que com a anuência da SAF, feito o Galo conseguiu no título deles de 1937 - que foi a edição seguinte à do 'nosso'. Até mesmo para prestígio e capital político do Textor junto à CBF, esta solicitação poderia ser usada como contrapartida para determinados apoios à votações. É o sistema, enfim.

Dinafogo disse...

Boa tarde, amigos do blog. Eu particularmente enxergo que, nos primórdios do nosso futebol, houve muita dificuldade para organizarmos campeonatos devido ao amadorismo existente nas federações e em alguns clubes do país, juntamente com a falta de estruturas sólidas que pudessem manter a periodicidade e o bom funcionamento dos certames. Naqueles tempos, eram os clubes que se organizavam, pois, como disse acima, eram raras as federações profissionalizadas. Como o Ruy mencionou, as disputas eram realizadas para arrecadar dólares e ganhar visibilidade pelo mundo afora. Não era como hoje, em que a objetividade dos clubes se resume à conquista de taças, e os jogadores atuam para cumprir contratos e ganhar dinheiro, mantendo quase nenhum vínculo de paixão com as instituições.

Apesar disso, não devemos agir como muitas pessoas, incluindo jornalistas, que cometem anacronismo e desdenham dos atletas e clubes que venceram essas competições e se orgulham delas. Afinal, esses jogadores vivenciaram o que estava disponível na época, e era impossível prever que, anos depois, essas competições teriam sua importância reduzida.

Acho que a CBF, os clubes e as federações deveriam realizar uma ação conjunta para a valorização, o reconhecimento e a organização das memórias e histórias desses campeonatos, mesmo que isso não torne algumas competições títulos oficiais. Muitos clubes, como Atlético-MG, Botafogo, Palmeiras, Santos, entre outros, tiveram conquistas que foram tratadas com muito respeito em suas épocas, porque o futebol não nasceu nos anos 90 ou em 1981, como alguns preferem acreditar.

Quanto ao título de 1931, acho válido que seja reconhecido como título nacional. Sou do pensamento de que reconhecer um título como oficial não significa necessariamente torná-lo equivalente aos títulos que temos hoje. Por exemplo, o Flamengo considera a Copa dos Campeões como um título em sua sala de troféus, apesar de a competição não existir mais. No futuro, outros títulos podem perder importância e serem tratados com desdém pelas novas gerações.

Dinafogo disse...

Para vocês verem que o nosso futebol ainda sofre com a falta de organização, mesmo no século XXI, basta lembrar que, no ano 2000, tivemos dois campeões mundiais: Corinthians e Boca Juniors. Recentemente, a FIFA reformulou o Mundial de Clubes e criou o chamado Super Mundial.

A CONMEBOL e a CBF são entidades pouco confiáveis, e o nosso calendário é extremamente preocupante. Além disso, os campeonatos estaduais estão cada vez mais esvaziados e sem sentido.

Fico me perguntando quando, enfim, alcançaremos a solidez e a profissionalização definitiva.

Dinafogo disse...

BFR Números, fico feliz que goste dos meus textos. Eu não tinha essa perspectiva sobre as taças, mas, pensando bem, até que faz sentido. Honestamente, eu aceitaria com bom grado a Copa do Brasil em forma de Taça Brasil na galeria do Glorioso, pois já passamos tanta raiva com essa competição que seria um alívio saber que já a conquistamos em um passado longínquo, embora eu reconheça que o Brasileirão tenha mais peso.

Vejo, por exemplo, clubes como Grêmio e Cruzeiro, que possuem muitas Copas do Brasil, mas não têm o mesmo reconhecimento do Brasileirão, onde os times de maior torcida têm mais títulos. Acredito que a cota de TV desigual, sob a alegação de que possuem mais torcida, teve um impacto significativo nisso, principalmente na manutenção de elencos. Enquanto isso, os vencedores da Copa do Brasil triunfaram em jogos duros no mata-mata, aproveitando-se do fator casa e de patrocinadores sólidos, como BMG e Banrisul.

Ruy Moura disse...

Em resposta a BFR Números e Dinafogo.

Nos primórdios do futebol não havia torneios, nem busca de dólares. Os torneios começaram sobretudo a partir do início da década de 1940 com o profissionalismo. Amadorismo, sim, havia muito, tanto nos clubes como nas federações, que já existiam nos primórdios e organizavam (com muito amadorismo, claro) os campeonatos de forma oficial, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. O que houve foi uma luta, a partir de 1933, pelo profissionalismo, e geraram-se duas federações paralelas (e não só no futebol, mas também noutros desportos), tendo o Botafogo optado por ficar na federação oficial e não na liga 'pirata'. O assunto foi resolvido com a vitória do profissionalismo e o início de mais torneios fora de portas, no Brasil e no exterior.

O Botafogo devia bater-se pelo título de 1931.

Também concordo que o Teresa Herrera é muito mais mundial do que os Torneios de Caracas, Paris ou Genebra. Tais torneios foram importantes à época e deviam ser os clubes a tratá-los com carinho nas suas salas de troféus, destacando aqueles que foram mais importantes devido à qualidade dos adversários. Devem ser tratados como tal: torneios com cariz não oficial, mas significativos à época. Uma das hipóteses seria, por exemplo, nas salas de troféus, os troféus mais significativos serem acompanhados de um placar destacando a sua importância através de informações relevantes, reunindo-os em vitrinas especiais dedicadas a tais competições.

Ainda sobre o amadorismo: passamos ao profissionalismo, mas o amadorismo e o oportunismo nefasto tem estado quase desde sempre na Confederação, nas Federações e nos Clubes. Só isso justifica que o melhor futebol do mundo, baseado sobretudo em atletas de craveira excepcional, e não em planejamento profissional, tenha chegado onde chegou nos dias de hoje por obra e graça dos dirigentes. nacionais e estaduais.

Abraços Gloriosos.

O otorrino não me deu ouvidos

[Aos leitores interessados informa-se que as crônicas de Lúcia Senna no Mundo Botafogo foram publicadas em livro intitulado 'No embalo...