sábado, 7 de dezembro de 2013

Sabemos pouco

por João Saldanha
Jornal do Brasil, 20.09.1980

“Outro dia afirmávamos que muito poucos jogadores brasileiros sabiam o que taticamente estaria acontecendo nos campos de jogo durante uma partida, do ponto-de-vista prático. Claro que sempre souberam resolver com alta capacidade técnica e espírito de improvisação vários problemas. Mas também é verdade que andamos sendo envolvidos por equipes bem medíocres por falta de um pequeno conhecimento teórico.

A percepção de nossos homens e sua inteligência são bem-acentuadas. Mas que nossos times se enredam quando enfrentam táticas diferentes das que são empregadas aqui no Brasil, isto é muito comum. Falta-nos criar o ensinamento da teoria. A educação de nossos jogadores, para o bem e para o mal, é empírica, visual. Tudo que fazem em cima, nos times e escalões superiores, é repetido nos escalões inferiores.

E entre os jogadores com os quais lidei, indubitavelmente quatro deles se destacavam. Sabiam logo de cara o que estava acontecendo: o Ronald, o Zagalo, o Gerson e o Fontana. Lógico que outros, vários outros até, individualmente sabiam sair melhor. Mas estes quatro se destacaram nitidamente. Principalmente o Zagalo. Um simples olhar e já dava para saber o que se passava. O Fontana foi outro, mesmo no final da carreira, com os dois joelhos bombardeados. O Fontana sabia das coisas. Daí sua capacidade maior de dar ordens rápidas dentro de campo. As que vêm de fora, por vezes, não dão mais tempo. Em futebol deve ser mais ganhador o time que possuir os melhores jogadores. E se este time também domina as diferentes taticas empregadas terá mais facilidade ainda de fazer valer sua categoria. Nos tempos atuais, o alto nível de preparação física faz o campo encurtar e faz com que algumas táticas de marcação se tornem mais eficazes. Um time que não saiba sair do homem a homem com libero, se enreda fatalmente. Poderá livrar-se num outro jogo mas nem sempre nos 90 minutos porque o tempo é curto para arrumar as coisas. O mesmo quando um time fica com mais gente do que outro. Claro que o time de menos gente vai-se fechar. Qual a saída? Taticamente é a de abrir bem os pontas, bem avançados e mandar mais um para cima de um dos zagueiros de área. Mas em quanto tempo isto será solucionado? É realmente um problema difícil de resolver. Nossos jogadores não gostam de discutir teoria de futebol. Respondem com um: “Vamos lá meter os peitos e correr”. Ou então aquela solução pessoal, muitas vezes genial.

O Garrincha, sempre resolveu a questão do “libero” e a de seu marcador, driblando os dois. Mas quantos Garrinchas andam por aí? Devemos reconhecer que por várias causas (uma delas é que a última guerra já ficou longe) a habilidade dos jogadores está sendo vista por muitas outras partes. Não podemos ficar somente no empirismo. Já seria tempo de formação de cursos de ensinamento. As Escolinhas, além de selecionar garotos, têm o dever de ensinar sobre o jogo. De um modo geral, sabemos pouco.”

2 comentários:

Antonio Oswaldo Cruz disse...

Imprima-se e distribua-se à próxima comissão técnica e jogadores que permanecerão em 2014. Aliás, João Saldanha deveria ser leitura obrigatória a qualquer um que tenha pretensões de botar os pés em General Severiano.

Ruy Moura disse...

Nem mais, Antonio. Mas os homens parece que aprendem pouco com a sabedoria que o passado construiu. Pensam que o futebol nasceu depois da década de 1980...

Abraços Gloriosos!

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