quinta-feira, 10 de junho de 2021

Garrincha e seus três clássicos ‘Joãos’: Altair, do Fluminense (IX)


por RUY MOURA

editor do Mundo Botafogo

Altair Gomes de Figueiredo nasceu em Niterói a 22 de janeiro de 1938, tendo atuado como lateral esquerdo e zagueiro. Atualmente com 83 anos de idade, Altair era um lateral de boa técnica e jogava com lealdade, sendo um marcador que raramente perdia uma bola dividida, apesar de ser magro e ter apenas 1,73m de altura e 59kg.

Altair foi revelado nas categorias de base do Manufatora de Niterói, chegou ao Fluminense em 1955 para atuar como quarto-zagueiro, mas havendo apenas uma vaga na defesa aceitou trocar de posição e firmar-se como um dos mais importantes laterais do tricolor. Jogou 542 partidas pelo clube, conquistou dois títulos Rio-São Paulo e três títulos de campeão carioca, entre outros. Foi convocado para a Copa do Mundo de 1962, mas não chegou a jogar porque era reserva do ‘Enciclopédia do Futebol’, Nilton Santos, e para a Copa de 1966.

A primeira grande cena de outras extraordinárias que se sucederam entre Garrincha e Altair ocorreu durante a decisão do campeonato carioca de 1957 quando o Botafogo impôs ao Fluminense a maior goleada de uma decisão de campeonato carioca.

Nesse jogo Altair marca Garrincha, bola pra cá, bola pra lá, Garrincha passa a bola por entre as pernas do tricolor, Altair tenta voltar e recuperar-se, mas Garrincha, com um toque subtil, mete a bola novamente por entre as pernas do tricolor e Altair, com ‘sangue nos olhos’, vai pra cima de Garrincha meio enraivecido, que novamente o dribla. O estádio fervilha de emoções e, a dado momento, a bola escapou de Garrincha pela lateral, mas Altair nem quis saber, queria a bola, queria a desforra dos dois últimos minutos em que o Anjo das Pernas tortas o humilhara perante 177 mil espectadores. E após a bola sair continuou querendo tirá-la de Garrincha. Tratava-se de um duelo pessoal e os dois permaneceram lutando por mais de um minuto fora de campo com o estádio estupefato e os árbitros boquiabertos com tão formidável cena, enquanto driblava Altair uma, duas, três, quatro, cinco vezes fora de campo sempre com Altair lutando em vão contra o destino de ser ‘joão’. Subitamente, Altair ergueu a mão em direção ao treinador e auto-substituiu-se vergado ao divino futebol de Garrincha.

Mais tarde, embora Altair fosse correto com Garrincha, nos treinos que antecederam a Copa do Mundo de 1962 ele ‘bateu’ em Garrincha, por conta da disputa com Rildo e Ivan, ambos do Botafogo, para a vaga de reserva de Nilton Santos. Altair atribui a essa cena a sua convocação. Eis a sua narração:

– “Eu dei uma pancada no Garrincha, que ele voou por cima de uma cerca de mais ou menos um a um metro e meio e foi cair lá dentro do mato, num barranco de uns cinco a seis metros. Quando eu olhei, ele estava paradão. Eu disse para mim mesmo, matei o Garrincha. […] Quando trouxeram o Garrincha todo sujo de mato, vi que ele estava bem. O Aimoré virou-se para mim e disse: “Você não pode fazer uma coisa dessa”. Respondi que daquele momento em diante, iria meter a pancada em qualquer um que aparecesse na ponta direita. […] Com aquela pancada assinei meu passaporte”.

Porém, a cena que verdadeiramente imortalizou o confronto da dupla ocorreu a 27 de março de 1960, durante um disputado Clássico Vovô, pelo Torneio Rio-São Paulo. A invenção do fair play, o famoso ‘jogo limpo’ apregoado pela FIFA e pelos apreciadores de bom futebol, ocorreu nesse inesquecível dia de março no estádio do Maracanã por inspiração de... Mané Garrincha!

Pinheiro (do Fluminense) disputou uma bola com Quarentinha (do Botafogo) no início do segundo tempo e caiu com uma distensão muscular. A bola sobrou para Garrincha, que invadiu a área e podia fazer o gol. Mas o que fez o imprevisível Garrincha nesse momento que se tornou sublime? Vendo Pinheiro caído, e como se fizesse a coisa mais natural do mundo, atirou tranquilamente a bola para fora a fim de Pinheiro ser assistido, e apesar de estar no meio do incêndio das paixões de um clássico.

Na tribuna, o jornalista tricolor Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues, empolgou-se com a cena e exclamou: - "É o Gandhi do futebol!".

O lance já teria sido belo e eterno por si mesmo, mas não parou aí. O tricolor Altair, encarregado da cobrança do lateral, compreendeu que tinha que retribuir e simplesmente deixou a bola saltitar. E a bola foi do Botafogo. Todos no estádio aplaudiram o fabuloso lance.

Garrincha, o 'Charles Chaplin' da bola, e seu coadjuvante Altair tinham acabado de fazer história novamente e o jogo terminou 2 a 2. Talvez o empate tenha sido ajustado para um jogo onde não houve perdedores, mas garbosos e galhardos atletas.

Após pendurar as chuteiras, Altair foi técnico interino do Fluminense por várias vezes e, fora do futebol, foi proprietário de casa lotérica e desenvolveu vários projetos sociais com garotos de baixa renda em sua terra natal, Niterói. Depois a vida deu uma reviravolta com o falecimento da esposa, da filha e de diagnóstico do mal de Alzheimer.

O mal de Alzheimer levou a memória recente de Altair, mas as disputas com Garrincha, e sobretudo os acontecimentos de 27 de março de 1960, marcarão para sempre a memória do futebol carioca.

Fontes principais: http://mundobotafogo.blogspot.com/2010/11/garrincha-e-o-fair-play.html?q=altair; https://pt.wikipedia.org/wiki/Altair_Gomes_de_Figueiredo; http://nelsondantas.blogspot.com/2009/01/garrincha-e-altair-os-inventores-do.html;

http://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/3901040/altair-um-idolo-esquecido-e-abandonado


2 comentários:

Sergio disse...

Que tempos em que o futebol era uma disputa entre homens e não moleques como muitos que vemos hoje em dia aqui no país. Infelizmente o buraco em que se meteu o nosso futebol é muito fundo, e o mais grave, falta muito para chegar no final. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Saudosos tempos do grande futebol brasileiro, Sergio!

De grandes craques como Garrincha, Pelé, Didi, Tostão, Jairzinho, Zico e tantos outros, sobrou Neymar, e mesmo esse é um moleque que atirou fora uma carreira potencialmente de topo em favor de birras pessoais e de vida noturna farta. Lamentável tão infindável tombo do topo até abaixo do chão.

Abraços Gloriosos.

Valerá a pena ver de novo?

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