por Roberto Porto
Abatido psicologicamente com a venda da histórica sede de General Severiano para a Vale do Rio Doce, em 1976, o Botafogo chegou ao ano da graça de 1977 carecido de afirmação. O que fazer diante da verdadeira catástrofe que se abatera sobre o clube? Marechal Hermes, com todo o respeito, assemelhava-se a um desterro ou degredo. Suas arquibancadas de madeira, sustentadas por complicada trapizonga tubular, não atraíam o torcedor, que se sentia psicologicamente arrasado. Pode-se dizer que os eternos inimigos do glorioso alvinegro babavam de satisfação e alegria. Para completar o quadro de indigência, a pensão de dona Carlota, nas proximidades do novo estádio, não recebia pela comida que fornecia.
Diante do quadro desolador, o presidente Charles Borer (1929-2001) tentou reverter o quadro de decrepitude reforçando o elenco. O fato é que, trocando e comprando, de repente o Botafogo viu-se transformado numa espécie de refúgio de jogadores talentosos, famosos e problemáticos misturados aos poucos que as divisões de base tinham revelado. Como num passe de mágica, de uma hora para outra passaram a desfilar com a camisa da Estrela Solitária nada menos do que Perivaldo, Manfrini, Mário Sérgio, Renê, Rodrigues Neto, Gil, Dé, Ubirajara Alcântara e Paulo César Lima, que se juntaram a Osmar, Ademir Vicente, Luisinho Rangel, Bráulio e outros.
Foi então que num belo domingo de sol e clássico no Maracanã, o repórter-radiofônico Deni Menezes encontrava-se à espera do ônibus que conduzia a delegação alvinegra. Dotado de rara sensibilidade e extrema ironia, Deni, em determinado momento, abriu o microfone e chamou o comando da jornada esportiva:
– Atenção, José Carlos: acaba de chegar ao Maracanã o Time do Camburão…
Pelo que me recordo, a Rádio Nacional quase saiu do ar, tantas as gargalhadas que a informação provocou. Hoje, vários anos passados, a espirituosa rapaziada que integra as transmissões de futebol ainda tem dúvidas: qual terá sido a melhor invenção de Denis Menezes? O Time do Camburão ou Zandonaide, o Garoto do Caramanchão?
É possível que atualmente a realidade tenha se misturado ao folclore e nem mesmo os mais apaixonados torcedores do Botafogo saibam a verdadeira e histórica formação do autêntico Time do Camburão (na foto, uma das escalações do Camburão). É provável que os mais bem dotados de memória escalem a equipe com Zé Carlos, Perivaldo da Pituba, Osmar, Renê e Rodrigues Neto; Luisinho Rangel, Manfrini e Paulo César; Gil, Dé e Mário Sérgio. Na verdade, a essa altura do campeonato o que importa não é exatamente o fato e sim a versão do fato. E o Time do Camburão passou a integrar o a história do Maracanã como aquele que reuniu o maior número de nômades que o futebol brasileiro tem notícia. Pelo menos até os dias atuais.
Quando a situação parecia incontornável, Charles Borer decidiu enquadrar o Time do Camburão. Simplesmente contratou o delegado Luiz Mariano, ex-São Cristóvão, para técnico, e nada menos do que o Homem de Ouro Hélio Vígio para preparador físico. Mas o panorama não mudou. Os jogadores, alegres e eternamente bem-humorados, porque o presidente passou a lhes pagar em dia os salários, acabaram atraindo os dois integrantes da então feroz polícia civil carioca para seu lado. Os treinos em Marechal Hermes eram uma festa. E como os repórteres consagrados lá não tinham coragem de aparecer, só os mais jovens e estagiários levavam as notícias para as redações ou as transmitiam, sussurrando, por telefone. Informação virou sinônimo de delação.
Mas, a rigor, o que fez de notório o Time do Camburão?
Ao que consta, nada de mais. Pelo que estou informado, os ânimos só ficavam ligeiramente exaltados nas enfadonhas viagens de ônibus para Campos e Volta Redonda. Para matar o tempo, única e exclusivamente o tempo, é bom que se frise, alguns jogadores viajavam armados. E tal qual nos filmes de caubói do cinema americano, quando a caravana alvinegra passava por uma pequena cidade, da janela do coletivo os jogadores disparavam seus trabucos para o alto, numa espécie de saudação às comunidades.
Qualquer semelhança com os homens do faroeste americano, Jesse James (1847-1882), Butch Cassidy (1866-1908) e Sundance Kid (1867-1908), deverá ser debitada na conta da mera invenção ou coincidência.
11 comentários:
Apesar da grande admiração que tenho pelo Roberto Porto, não entendo a sua pouca estima em relação ao time de 77/78. Este time ficou 52 partidas invictas (31 vitórias, 21 empates) durante o BR77 e até o jogo contra o Grêmio no BR78, quando foi batido por 3x0. Tínha dois jogadores da Seleção de 78, e mais Paulo César, injustamente não convocado e ainda Mendonça e Nilson Dias. Se todos os Botafogos tivessem aquele nível, não teríamos amargado tanto atrás dos rivais. Só mesmo o tricolor Denis Menezes para depreciar o alvinegro, como lhe era costumeiro.
Um abraço.
Creio que todos estimamos o R. Porto, mas isso não significa concordarmos com ele, certo? Eu não concordo com grande parte das suas observações, mas o texto do 'time do camburão' era inevitável fazer parte do Mundo Botafogo.
Sobre o Botafogo, praticamente os únicos textos que não publico são os do Nelson Rodrigues. O que ele escrevia sobre nós evidenciava - umas vezes claramente outras subrepticiamente - que odiava o nosso clube... [rendeu-se ao Garrincha porque era 'património nacional', só por isso]
Abraços Gloriosos
Bom dia.
Não só o Nélson Rodrigues como também Mário Filho, ambos detestavam o Botafogo.
As primeiras providências deles eram excluir alguns campeonatos do clube de General Severiano.
Saudações Alvinegras
Sinceramente, não sei o que Mário Filho sentia acerca de nós. Terá feito parelha com o NS sobre nós, como diz, mas também é dele o texto mais autenticamente aproximado ao que foi a génese do Botafogo e, em grande parte, o que ainda somos hoje.
Abraços Gloriosos!
Seus seguidores anulam jogos do Botafogo que nunca foram, incluem jogos-treino e também amistoso (jogo que não vale ponto, que não vale troféu) de nosso 2° quadro/time junto com o primeiro. Retiram alguns campeonatos do Botafogo, etc. Pesquise e verás.
Saudações Alvinegras.
Refere-se a que 'seguidores'?... Do M. Filho e do N. Rodrigues?
Abraços Gloriosos!
De ambos, não todos, porém a grande maioria.
Até em S. Paulo tem aqueles que dizem que uma determinada taça (de 1968) é de segunda linha. Vi escrito por um corinthiano e por um palmeirense.
Saudações Alvinegras.
Caro amigo, tudo normal... Se eles assim não falassem não haveria imbecis, não é?... Não havendo imbecis o mundo seria todo botafoguense... e isso seria monótono...
Abraços Gloriosos!
Ah! o PC é um deles:
É bom frisar que este time, o do camburão, ficou 52 jogos invicto, sendo 42 por campeonatos brasileiros, os de 1977/1978 que foram disputados subsequentemente.
Exato,amigo. é uma das equipes mais estranhas e sensacionais do Botafogo!
Abraços Gloriosos.
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