sexta-feira, 15 de maio de 2020

Didi: personalidade única do futebol mundial (III)

“Didi: a trajetória da folha-seca no futebol de marca brasileira” – artigo científico de Luiz Henrique de Toledo do qual o Mundo Botafogo selecionou alguns excertos.

por LUIZ HENRIQUE DE TOLEDO
Antropólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), formado pela Universidade de São Paulo (graduação em Ciências Sociais-1988, Mestrado em Antropologia-1994, Doutorado em Antropologia-2000 e pós doutorado-2018)

[EXCERTO SOBRE A FOLHA-SECA (Toledo, pp. 79-81)]

Folha-seca significava, além de trajetória quase improvável imposta à bola, um gol certo. Quem a fazia de um modo todo particular era Valdir Pereira, mais conhecido por Didi, um dos maiores nomes da primeira conquista brasileira de uma copa do mundo de futebol, em 1958, na Suécia. Chute considerado um tanto quanto insolente, sobretudo do ponto de vista indignado dos adversários, fazia a bola descrever no ar um percurso sinuoso – uma meia parábola, como afirmam alguns –, obviamente intencional, uma vez que ela não raramente chegava às redes, de mansinho. A dedicação e os significados simbólicos dados aos chutes de Didi são tamanhos que, volta e meia, comportam descrições pormenorizadas, definições precisas, tais como:

Uma dolorosa contusão no tornozelo da perna esquerda levou este jogador detalhista à utilização, não do peito do pé ou de faces interior e exterior, mas de sua extremidade, batendo na bola com a superfície do dedo maior e dois artelhos. Com isso, a dor não se manifestava, e nascia a bola-de-efeito tanto para o passe curto e de longa distância como, sobretudo, para a cobrança do tiro livre com barreira – a famosa “folha seca”. (Ostermann & Cabral, 1970.)

Ou

um jeito venenoso de bater faltas. A bola subia, despretensiosa. Ao chegar perto do gol, tomava outra direção, caindo longe dos braços dos goleiros, lembrando o movimento de uma “folha seca” caindo de uma árvore. (www.futbrasil.com)

Ou ainda, em prosas mais alegóricas:

Didi reinventava a geometria euclideana [...] passes esquivos e dissimulados como o olhar de Capitu. (Armando Nogueira, O Estado de S. Paulo, 16 mai. de 1993.)

Chutando de longe, enganava o goleiro [...]: batia na bola com o lado do pé e ela saía girando e girando voava, dava cambalhotas e mudava de rumo como uma folha seca perdida no vento, até que se metia entre as traves, no ângulo onde o goleiro não esperava. (Galeano, 1997, p. 120.)

E mais,

[...] a bola descreve uma trajetória elíptica de semi-boomerang, enganando o goleiro. (Leite Lopes, 1997, p. 72.)

E, por fim, nas palavras do próprio jogador:

Eu levei uma pancada no tornozelo, um carrinho que tocou meu pé apoiado. Inchou na mesma hora. Botaram éter, e tal, e eu terminei o jogo. Mas fiquei quinze dias fazendo exames, pra ver se tinha infecção. Não acharam nada e eu não ficava bom. Aí eu comecei a bater na bola “cortando”, e não sentia. Comecei a fazer peso. Amarrei um paralelepípedo com arame, coloquei um paninho pra não ferir o pé e fiquei suspendendo, com a ponta dos dedos. Fiquei com isso aqui forte [aponta a parte superior dos dedos, logo abaixo do peito do pé], mas perdia as unhas a cada três meses. E eu jogava com a chuteira 40, embora calçasse 41, para o pé ficar bem coladinho.1 Eu colocava a chuteira antes de entrar no gramado, amarrava ali mesmo. Não usava tornozeleira nem faixa, só meia e chuteira. E dava um laço de sapato, comum. Eu pegava na bola “cortando”, e ela passava a barreira e caía. Quer dizer, a única preocupação era tocar certo pra que a bola passasse da barreira. Se passasse, era só levantar os braços, ela ia lá no cantinho. (Revista Bundas, nº 61, ago. 2000.)

A folha-seca foi um ato quase solitário marcado pela habilidade individual de uma técnica corporal repetida, treinada inúmeras vezes, revelando na mesma proporção uma considerável dose de improviso, recurso que tal procedimento exigia cada vez que Didi o realizava. Mas também uma habilidade socialmente muito valorizada por toda uma coletividade, fazendo dela uma experiência mais transcendente.

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