por FRANCISCO PEDRO
DO COUTO
[O MB manteve a
ortografia da época]
«A legenda viva de craque, temperamental,
genial, genioso, quase um Valentino do futebol – de um homem que vivei
intensamente até ao fim.
Ano de 1954, treino
do Botafogo: alguns torcedores na arquibancada e um homem com uma toalha no
pescoço, falando sòzinho, parecendo viver o treino como se fôsse uma grande
partida de futebol. De repente, enfia a toalha no rosto e chora durante alguns
minutos. Em seguida, sai do estádio e procura um táxi. O homem era Heleno de
Freitas, um dos maiores jogadores de todos os tempos, o ídolo elegante de sua
geração.
Heleno já estava
afastado do campo há três anos, o seu futebol já era para todos uma coisa
remota – menos para êle. Sai pelo portão da Venceslau Braz e um de seus amigos,
Marcelo Soares de Moura, passa num automóvel. Marcelo era amigo de Heleno desde
os tempos de ginásio no São Bento, mas custa a reconhecer no ar cansado e
envelhecido do homem na calçada o grande jogador de um passado muito recente.
Só um momento depois tem a certeza: era mesmo Heleno. Ao dar a carona, Marcelo
constata que o rapaz abatido e solitário no seu lado só tinha do homem dos
automóveis último tipo o orgulho. Não era mais o center-forward que deslumbrara
as platéias de tôda a América do Sul, nem era mais o monstro sagrado do
futebol. Longe da bola e do gramado, seu temperamento difícil o afastava dos
amigos. Tornou-se insuportável.
Naquele dia de 1954,
dentro do carro, Marcelo pergunta: “Aonde vai, Heleno?” E Heleno, grave: “Vamos
ao Hotel Paissandu. Preciso falar como Zezé Moreira”. Zezé era o técnico da
Seleção Nacional, concentrada no Hotel Paissandu para as eliminatórias da Copa
do Mundo. “Vou dizer ao Zezé que não tenho gostado do nosso time, e que, se êle
precisar de mim para comandar o ataque, estou às ordens, êle pode contar
comigo”. Dentro do carro, Marcelo olhou oblíqua e disfarçadamente para Heleno.
Viu nos seus olhos a expressão da irrealidade, e teve a certeza de que êle já
não pensava direito. Estava há mais de três anos sem jogar, e ninguém assim
poderia pensar sequer em integrar qualquer time, quanto mais uma Seleção. O
éter destruíra Heleno.
Fôra no Rio, em 1951,
a última partida de Heleno. Ou a sua última tentativa de jogar. Numa tarde
chuvosa de sábado, vestiu a camisa do América, na única vez em que pisou o
Maracanã. Era um jôgo contra o São Cristóvão, o América era bastante superior,
devia ganhar fácil. A escalação de Heleno, no entanto, provocou uma reação
extremamente contrária nos companheiros. O time todo o sabotou e, em
represália, entregou o jôgo. O São Cristóvão fêz 3x0 no primeiro tempo e Heleno
não voltou para o segundo. Pegou sua roupa e abandonou o estádio. Nunca mais
jogaria.
As novas gerações que
vão aos estádios não podem sequer ter uma idéia do jogador que era Heleno de
Freitas. Em todos os setores da atividade humana há sempre aquêles que estão
muito à frente de seu próprio tempo. Era êste, exatamente, o caso de Heleno.
Perfeito na cabeçada, chutando òtimamente com os dois pés, impecável ao matar
uma bola, segurança e perfeição absoluta nos passes, êle não era o
center-forward característico de sua época – não era apenas um tanque.
Heleno, hoje, seria
um craque extraordinário do futebol moderno, porque já no seu tempo, em que
ninguém pensava atribuir tal função a um atacante, Heleno atacava e defendia,
armava e finalizava. No coração do jogador havia a vontade de participar de
tudo, de viver tudo intensamente, até o fim, como jogador, em 1951. Mas morreu
melancòlicamente, em 1959, num sanatório em Barbacena, Minas.»
4 comentários:
Um dos maiores ídolos do futebol de Botafogo e nunca venceu um título pelo seu amado clube. Triste fim desse grande craque, cujo testemunho de um primo, que tinha idade para ser meu pai o viu jogando. Abs e SB!
O fim foi triste, mas o percurso de vida foi espetacular. Na verdade sigo um lema - que apliquei quando a minha 2ª mulher faleceu (dolorosamente) aos 40 anos - que é: "Não pergunte com uma pessoa faleceu, mas sim como viveu". E ela, como Heleno, viveu intensamente.
Melhor do que uma vida curta intensa, só mesmo uma vida longa intensa.
Acredito plenamente que o testemunho do seu primo tenha sido o de ter visto jogar um atleta acima do seu tempo.
Abraços Gloriosos.
Meu primo, botafoguense e ex conselheiro do Botafogo, inclusive na gestão Emil Pinheiro disse que o que o Heleno de Freitas fazia em campo era inacreditável. Uma das coisas mais espetaculares eram as cabeçadas que ele executava na linha da grande área, que pareciam verdadeiros chutes. Meu primo, cujo nome era Carlos Ferreira da Rosa (não tinha o Di Sabbato, pois era o nome da mãe e essa não acrescentou ao seu nome) eu gostaria que ele tivesse visto o Botafogo campeão da LA, pois era um apaixonado pelo Botafogo. Morreu aos 91 anos em 2022. Abs e SB!
Sim, segundo li era exímio nas cabeçadas. E chutava com ambos os pés. Um iluminado do futebol. E um carisma brutal.
Uma pena que o seu primo não tenha vivido aproximadamente mais 2 anos. Partia com uma cereja no bolo da sua vida.
Abraços Gloriosos.
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