por CARLOS EDUARDO NOVAES | Colunista,
botafoguense
«São 9 horas 30m de
quarta-feira, 21 de junho – Estou sentado à máquina procurando um tema para a
crônica de amanhã (para mim) ou de hoje (para vocês, leitores). O contínuo do
jornal, como sempre, passará ao meio-dia, para levá-la à redação. Planejo
escrever sobre as viagens de Collor e Brizola à Europa (por que não foram
juntos? sairia mais barato) ou sobre a insistência com que Ulysses nega ser Governo
ou o decreto de Sarney sobre o novo mínimo (tudo pelo social!). Sei que o
fantasma da hiperinflação volta a rondar o País; sei que estamos mergulhando em
outra crise econômica; sei que a Caixa ainda não liberou o dinheiro para o Rio,
sei de muitas coisas, mas o que gostaria mesmo de saber é se o Botafogo vai
conquistar o título de campeão hoje à noite.
Quando vocês estiverem lendo este texto a
sorte já terá sido lançada: ou o Rio de Janeiro estará em festa, com o título,
mais esperado do que o retorno do País à eleição direta para Presidente ou os
botafoguenses terão permanecido com o grito de “é campeão” entalado na
garganta. Admito que não é lá muito jornalístico escrever sobre um fato que vai
ocorrer entre a redação do texto e sua publicação no jornal, mas que fazer? Não
consigo pensar em mais nada. Para mim o Josimar é muito mais importante do que
o Sarney. Tento visualizar as figuras de Color e Brizola e só “enxergo” o
Gottardo e o Mauro Galvão. Ulysses Guimarães virou o Emil Pinheiro (aliás o
dois têm o mesmo olhar de peixe morto).
Faltam 12 horas para o Botafogo entrar em
campo e já escuto o foguetório e os gritos da torcida vindos do Maracanã. O hino
do clube gira em minha cabeça comum disco quebrado. Viajo no tempo. Já que não
posso viajar para frente e saber o resultado do jogo (minha máquina do tempo
está quebrada), retorno a 1968, ano da última conquista. Eu tinha mais cabelos,
mais esperanças e se alguém, na ocasião, me dissesse que o Botafogo ficaria 21
anos sem um título estadual, mandaria internar num hospício.
As lembranças que recolho da época se
embaralham entre a euforia pelo campeonato e a tristeza pelo AI-5, que selou a
ditadura militar no País. Hoje, confrontando a trajetória do clube com a do
País, chego à mesma conclusão que alguns psicanalistas (botafoguenses): “o
Botafogo, como um valor real na materialização dos processos oníricos rejeitou
inconscientemente a possibilidade de ganhar um campeonato enquanto a falta de democracia
permanecesse como uma fonte de psiconeuroses”. Ou seja: o Botafogo recusou-se a
fazer bonito, num País que fazia feio. Agora, com o retorno às diretas para
Presidente, volta a brilhar uma luz no fim do túnel. Será da Estrela Solitária?
Às 10 horas 30m desisto de tentar escrever
sobre qualquer outra coisa que não seja o Botafogo. Pouco me importa o que
façam com Naji Nahas
[nota MB: empresário libanês criado no Egito
e radicado no Brasil desde 1969], desde que Criciúma acerte dentro do gol (terá acertado? pergunto a
vocês que já estão no dia seguinte). Tremo de emoção e expectativa e mal
consigo acertar os dedos nas teclas. Vinte anos só não é mais do que os 29 que
aguardamos para votar pra Presidente. O mastro da bandeira alvinegra já descansa
ao lado de minha mesa; redijo o texto envergando a camisa do clube e reluto em
passar tal informação preocupado com o juízo dos leitores, caso o Botafogo
tenha empatado ou perdido o jogo. O babaca do Moraes gastou emoção à toa, dirão
vocês. Sinto muito, mas estou sob os efeitos de uma descontrolada ressaca
alvinegra. Tudo à minha volta é preto e branco. A televisão, que nunca deu
defeito, sob meu olhar acabou de perder as cores. Tudo é preto e branco. Minha
diarista entrou assustada com a decoração do apartamento. Assustou-se, mais
ainda quando obriguei-a a vestir, também, a camisa do Botafogo. Ela relutou:
– Mas… mas doutor.
– Vista! – ordenei – vista e não discuta!
– Mas… eu sou Flamengo!
Sua confissão soou-me como uma punhalada nas
costas. Quer dizer que tenho um inimigo dentro de casa e não sabia? Senti-me
como um judeu alemão servido por uma empregada da Gestapo. Pensei em
despedi-la, mas lembrei-me que detesto cozinha. Quem vai lavar os copos e os
pratos depois da comemoração? Sim, no entanto é preciso ter cuidado. Se o
Botafogo ganhar, ela vai querer me envenenar. Tranquei-a na cozinha, à chave, e
passamos a conversar através da porta.
– Caso o Botafogo vença – disse-lhe –
quinta-feira você não precisa vir.
– E se der empate, doutor? – perguntou ela do
outro lado.
– Tire sua folga na próxima segunda-feira.
– E se o Flamengo ganhar? – insistiu ela.
– Você vem – respondi incisivo – mas vai
ficar de bico fechado.
Será que hoje, quinta-feira, estarei encharcado
de alegria, lavando copos e pratos na cozinha?»
2 comentários:
Muito boa crônica. Quando ainda existia o Jornal do Brasil eu não deixava de ler suas crônicas. O Carlos Eduardo Novais começou sua carreira no jornal fazendo prognósticos da antiga loteria esportiva que tinha 13 jogos. Acontece que, seus prognósticos eram tão hilários que acabou se tornando um cronista com um humor bastante inteligente, além de escrever dois livros muito divertidos, um deles sobre a vida política do país, muito engraçado. Abs e SB!
Foi a primeira vez que o li. Não sabia desses interessantes pormenores. A crônica é bastante engraçada.
Abraços Gloriosos.
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