por FÁBIO AREIAS
Portal Extracampo
22/ março / 2020
Fevereiro de 1987.
Emil Pinheiro, bicheiro – ou corretor zoológico, como diziam as páginas de
jornais da época – assume a diretoria de futebol do Botafogo de Futebol e
Regatas. Uma figura serena, calma e de poucas palavras. Pouco entendia do
riscado, mas tinha algo fundamental ao clube: dinheiro.
O Botafogo de 1987
pouco lembrava o clube vencedor da época de Garrincha, Didi, Nilton Santos e
tantos outros craques. Amargava uma terrível fila de 19 anos sem títulos. O
último havia sido o Estadual de 1968. Passou a década de 1970 sem conquistas e
possivelmente os anos 1980 também seriam em branco. Faltavam alegrias, sobravam
dívidas.
Além da seca de
conquistas, em 1977, o clube ainda vendeu sua sede e estádio em General
Severiano para a mineradora Vale do Rio Doce e se mudou para o distante (e
quente) subúrbio, em Marechal Hermes. Uma estrutura precária em um ambiente
desolador. Nem os apelos do histórico dirigente Carlito Rocha impediram a
mudança. Mais um golpe na identidade botafoguense. Tu és o Glorioso, mas passou
por momentos terríveis. O Botafogo precisava muito mais de Emil do que o
contrário.
Segundo narra o
livro ‘21 depois de 21’, escrito pelos jornalistas Rafael Casé e Paulo Marcelo
Sampaio, Emil foi um visionário: comprou em 1959 um ponto do jogo do bicho na
Barra da Tijuca. Local isolado da cidade, mas com enorme potencial de
crescimento. Com o controle total dos pontos de bicho da região, ficou
milionário. Dinheiro que poderia ser usado na contratação de bons jogadores e
altos salários. O que não seria possível em condições normais para o clube
naquele momento.
Ainda de acordo
com o livro, o amor de Emil Pinheiro pelo Botafogo foi devido ao filho Ernesto,
que era botafoguense e havia morrido em um acidente de avião em 1978. A
promessa de dar um título como forma de homenagem ao filho falecido foi o que
fez Emil aceitar o desafio e não poupar esforços para alcançá-lo. “O Botafogo
foi uma coisa para ele se apegar depois da morte do filho”, afirma na obra o
radialista Walmir Luiz.
O sucesso não veio
logo de cara. Com pouca experiência, Emil contratou bons jogadores e outros nem
tanto. Caiu algumas vezes no conto de empresários que vendiam o novo Garrincha.
Trouxe também muitos jogadores. Segundos relatos, em 1988, o Botafogo treinava
com 44 atletas e em um ambiente de vaidade, pressão e falta de comprometimento.
Não poderia dar certo, mesmo com nomes consagrados como Éder Aleixo, Marinho e
Cláudio Adão. Mas aí chegou 1989.
O campeonato
estadual do Rio de Janeiro de 1989 foi a redenção para os botafoguenses. Se o
destino se mostrou tão traiçoeiro em anos anteriores, ele se redimiu (ao menos
em partes) naquele momento, com a conquista do tão aguardado título. Não
faltaram personagens e histórias: concentração em Friburgo, Valdir Espinosa,
campanha invicta, Galvão e Gottardo, gol do Maurício na decisão com a camisa 7,
vitória sobre o Flamengo, gandula Sonja, Nilton Santos nas arquibancadas… Teve
também Emil, que, enfim, cumprira sua promessa a Ernesto. Naquele Rio de
Janeiro de 1989, as estrelas brilharam na Terra. Não de forma solitária, mas
juntas em uma catarse coletiva
O que era
impossível tinha acontecido. Só que Emil era um contraventor. E, nas histórias,
o vilão não pode acabar bem. Em 1993, foi condenado junto com outros 13
bicheiros do Rio de Janeiro e preso por formação de quadrilha. Foi enxotado do
Botafogo e deixou o clube à míngua, sem jogadores e sem seu dinheiro. Acabaria
morrendo de Mal de Parkinson em 2001
Do ponto de vista
ético, não há como defender Emil. Mas também não há como negar sua importância
em um momento delicadíssimo da história do Botafogo. Os vilões também podem
fazer coisas boas. Poucos mocinhos poderiam entregar a alegria que esse
malfeitor ofereceu a milhões de pessoas. Acertou no 21. Deu Botafogo na cabeça!
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