terça-feira, 5 de março de 2024

Tornozelo, meu calcanhar de Aquiles!

Crédito: Internet / Reprodução.

por LÚCIA SENNA | Escritora e Cantora | Cronista do Mundo Botafogo

Há uma batalha travada dentro do meu corpo neste carnaval. Enquanto minha alma carnavalesca anseia por folia e diversão, meu pé parece ter declarado guerra contra a alegria festiva. Já não é a primeira vez que o pé me deixa na mão. Sendo mais específica, quebrei o osso do tornozelo e me vejo presa a uma bota ortopédica às vésperas do carnaval. Dizem as más línguas que só quebrei o tornozelo pra não dar o braço a torcer. Confesso que a observação me deixa um tantinho vaidosa pelo poder da minha própria teimosia. Sim, talvez aja um grão de verdade nisso.

 Mas, voltemos para o que de fato interessa:    

Ele, o vilão dessa história, é um sujeito estranho e insensível, dono de uma personalidade teimosa e mal-humorada, fazendo questão de sabotar qualquer tentativa de diversão. Sempre foi preguiçoso, avesso aos festejos de Momo e, no momento, se porta como uma diva acidentada, desfrutando do conforto do ar condicionado do quarto, trepado em vários travesseiros, curtindo essa inesperada pausa pré-carnaval e com ar de puro deboche, sugere-me enfeitar a bota ortopédica com adereços festivos ou improvisar uma fantasia de pirata com moletas. Esse sujeito é mesmo extremamente arrogante!     

Triste mesmo é perceber que me encontro em um verdadeiro duelo épico com meu próprio tornozelo. Quem diria que aquele ingrato seria capaz de tal desfeita. Aqui estou eu, doída de tristeza por não poder participar das festividades e ele, o grande culpado, simplesmente não se importa. Eu, que sempre o tratei como uma verdadeira estrela de cinema, com cremes esfoliantes, hidratantes de luxo, massagens dignas de SPA cinco estrelas, o que recebo em troca?

Não, minha gente, é decepcionante constatar que um velho companheiro de vida, possa ser tão indiferente à nossa relação. Deveríamos ser como irmãos, já que estamos unidos por uma história compartilhada desde o momento que demos os primeiros passos. No entanto, ao invés de demonstrar gratidão e lealdade, ele parece preocupar-se apenas consigo mesmo. Nem percebe que procuro carregar o peso do mundo sobre os ombros só pra não sobrecarrega-lo.

Será que é pedir demais que ele reconheça nossa conexão e faça um esforço pra colaborar? Bobagem minha acreditar nessa possibilidade. Não há como convencer um tornozelo tão cheio de si, adotando atitudes de oposição obstinada, a participar da folia. Ele sabe melhor do que ninguém o quanto gosto de carnaval. Ainda assim, já me tirou da festa algumas vezes. Começo a pensar que deve haver alguma razão muito séria por trás de tanta rabugice.

Volto no tempo com a intenção de rever nossa longa história. Estou com 15 anos, preparando-me para uma festa e já o vejo sabotando meus planos de um jeito muito peculiar. No início, uma leve sensação de desconforto, evoluindo para um inchaço doloroso, impedindo-me de dançar como gostaria. Atribuía o fato a um azar inexplicável. Jamais poderia supor que meu tornozelo estivesse conspirando contra mim. Mas, a verdade é que, estranhamente, isso aconteceu inúmeras vezes.    

Retorno dessa viagem com uma teoria absurda em minha mente inquisitiva: e se ele estiver agindo por ciúmes? Pode soar ridículo, eu sei, mas à medida que mergulho fundo nessa ideia, ela começa a fazer algum sentido. Afinal, sempre tive uma alma festiva, agitada, energética. Já ele, o avesso disso: tímido, sonolento, sem atrativos físicos e nenhum traquejo social.

E tudo começa a ganhar contornos ainda mais claros ao lembrar-me que ele age de forma especialmente problemática, toda vez que estou me divertindo, rindo alto e até mesmo flertando com alguém. Ele logo protesta, inchando e doendo, só pra chamar atenção. Eis aí uma revelação surpreendente e de certa forma, engraçada. Nunca imaginei que um simples membro do corpo pudesse ter sentimentos tão humanos e, ao mesmo tempo, tão irracionais.

Amigas solidárias chegam carregadas de superstições, simpatias e quilos de cristais energizantes que vão deixar o ingrato em ponto de bala, pronto pra sambar. “Vingança, dizem elas, é prato que se come frio”. E, antes que iniciem os elaborados rituais de cura, informo, diante de olhares incrédulos, que já não sinto mais o mesmo entusiasmo em relação ao carnaval.

A questão é que descobri ser o tornozelo meu ponto fraco, vulnerável e assim como o lendário calcanhar de Aquiles, ele se revela como sendo minha própria vulnerabilidade, uma lembrança constante de que até os mais fortes, tem seus pontos fracos. A hora, portanto, é a de deixar as festas de lado para cuidar adequadamente dele.  

As amigas, confusas e sem entender muito bem o que estou dizendo, me olham com expressões que oscilam entre o espanto e a perplexidade. E entre risos nervosos, uma delas exclama: “Espera aí, você está falando sério sobre esse tal de Aquiles, aquele cara saradão? Eu achava que era somente um personagem de filme de ação!”  

“Ah, sim, querida, esse mesmo! Mas olha, se eu fosse vocês, ficaria de olho nos calcanhares também. Nunca se sabe quando eles vão se revelar e começar a desligar os superpoderes de todas nós.”

39 comentários:

Anónimo disse...

Adorei. Lúcia, você com seu humor maravilhoso, consegue criar uma história fantástica da sua relação com o seu próprio tornozelo. Ah, amiga. ... legal demais. Bjssss, Carmem.

Anónimo disse...

Lúcia e seus finais imprevisíveis, fazendo com que nós, leitores, fiquemos ansiosos pelos desfechos inimagináveis!
Guilherme.

Anónimo disse...

Você, Lúcia, nos diverte pra valer.Muito espirituosa essa nossa cronista! Em um mundo tão problemático e violento, o que todos nós precisamos mesmo é de um momento para desligarmos de tudo e dar boas risadas.E é isso que as crônicas dela tem de sobra.

Anónimo disse...

Amiga, dizer que gostei muito da crônica é ser repetitiva. Só digo, então, que fiquei pra lá de surpresa com o tema de hoje kkkkk. Bom demais!!!!! Regina.

Anónimo disse...

Lúcia, só uma pergunta: depois daquela viagem tenebrosa com a Fera da Previsibilidade (kkkk) e, agora, fazer de um tornozelo quebrado, inchado e dolorido, tema da crônica de hoje, diz aí...Como consegues sempre tirar proveito das situações mais espinhosas e transformar em algo tão divertido, mesmo usando uma bota ortopédica? Aguardo resposta.
MACEDO

Anónimo disse...

Oi, Lúcia
Que titulo mais original KKKKKKK e que arremate delicioso. Do início ao final, show!
Parabéns pelo talento! Saiba que fazer rir é bem mais difícil do que fazer chorar.
Edson

Anónimo disse...

Acabei de ler a crônica com a minha mãe. Ela está com mais de 80 anos e se admirou de sua verve e inteligência. Perguntou-me onde você publica suas crônicas. Já dei a ela o caminho das pedras. Acabas de ganhar uma nova fã. Beijão, minha querida cronista predileta. ANA

Anónimo disse...

Muito bom, prima querida!Adoro teu jeito de escrever, transformando casos verídicos em uma elegante e gostosa piada! SLYVIA

Anónimo disse...

Depois da gotinha, simbolo da liberdade e da Tereza, presa nela mesma , vítima de suas neuroses, Lúcia nos traz uma relação totalmente inusitada qual seja , dela com seu proprio tornozelo.Quem poderia imaginar escrever sobre algo , a principio, tão maçante... Pois conseguiu fazer uma crônica que reputo uma das mais incríveis dentre tantas e tantas já aqui publicadas. GENIAL!!!!
Joaquim Alves.

Anónimo disse...

Hoje, só quero te parabenizar mais uma vez pela imaginação fértil, e através dela compartilhar com todos nós aqui do blog, sua admirável capacidade criativa. Um tornozelo que sofre de ciúmes é algo delicioso!!! kkkkkk ALVARO MONTEZ.

Lúcia Costa disse...

É uma relação antiga e problemática. Ciumento e possessivo como ele só...kkk.
Valeu, Carminha pelo retorno Beijão.

Lúcia Costa disse...

Ah, Guilherme...e como são difíceis bolar arremates interessantes. Quando me dizes que gostas deles, sinto- me verdadeiramente lisonjeada!
Obrigada, por mais esse retorno tão gentil.

Lúcia Costa disse...

Tens razão, amigo. Nada pode ser melhor do que uma boa risada. E se eu, de alguma forma, te faço sorrir com os meus escritos, fico feliz da vida.
Grande abraço,

Lúcia Costa disse...

Eu também kkkk.
Mas , obrigada a ficar dentro de casa, sem saber o que acontecia fora das paredes do quarto, o jeito foi mergulhar pra dentro de mim mesma e o tornozelo,no apagar das luzes,foi a salvação da lavoura. Beijo,Re.

Lúcia Costa disse...

Ah, Macedo...não me faça perguntas difíceis... kkk Sinceramente, acho que é repetitivo afirmar , mas não me ocorre te dar outra resposta que não seja a velha história de fazer limonada com os limoes que a vida nos impõe.
Será que respondi a tua pergunta? Espero que sim.
Abraços gloriosos.

Anónimo disse...

Confesso que a coisa é tão real que cheguei a ficar com muita raiva do teu tornozelo. Inclusive fui uma das amigas a te levar conforto com a minha sacola carregada de cristais, a título de me vingar do antipático e infiel tornozelo. Que loucura! eu, hein!!! Tua doce loucura, estava me levando junto.... KKKKKKKKKKK; Confesso ainda que amei a história. Beijão, da Leila.

Lúcia Costa disse...

Oi,Edson.
Concordo com a tua afirmação,embora eu seja uma chorona de marca maior.
Obrigada pelo comentário amigo de sempre. Valeu!
Abração.

Lúcia Costa disse...

Poxa,Ana! Ganhar uma fã é sempre motivo de grande alegria. Ela será muito bem-vinda aqui no blogue. Amei a novidade!
Beijos pras duas!!!!

Lúcia Costa disse...

Oi,minha prima !
Que alegria te encontrar aqui no blogue.Alegria ainda maior é ler teu comentário. Valeu, queridona ! 💋 💋 💋

Lúcia Costa disse...

Joaquim Alves, caríssimo leitor! Estou me sentindo lá nas alturas com esse teu depoimento.
Nem por um instante poderia imaginar que o meu tornozelo ainda pudesse , no apagar das luzes, me trazer tanta felicidade..
Muito obrigada pelos elogios. Eles me enchem de vontade de contar cada vez mais histórias e dividir aqui com vocês.
Muitíssimo obrigada!!!!

Anónimo disse...

Lúcia, digo e repito mais uma vez: és uma figurinha adorável.Tuas " sacadas" são hilárias, a conferir : " eu que sempre o tratei como uma verdadeira estrela de cinema, com cremes hidratantes, esfoliantes, massagens dignas de SPA 5 estrelas.... " não é fofo demais????
beijão da Letícia , fã number 0ne !!!!!

Anónimo disse...

Que delícia esse depoimento da ANA que demonstra como o partilhamento da arte de nossa querida Lúcia, encanta pessoas das mais variadas faixas etárias.Parabéns, amiga, por fazer com que suas crônicas despertem interesse por várias gerações.
CRISTINA NEMER!

Anónimo disse...

A crônica é a tua cara.Só em um ponto, não concordo : acho que não deverias ter deixado as festas de lado.Conhecendo como te conheço, acho que não merecias tamanho sacrifício. Esse " CARA" não era merecedor da tua angustia, pois carnaval pra ti sempre foi sagrado. De resto, tudo ok! Tua irmã Mariane !

Anónimo disse...

Espetacular! Você é mesmo muito criativa. O final é delicioso kkkkkkk
Raquel ( nora)

Anónimo disse...

Vou dizer uma coisa: a Lúcia é muito sedutora. sabe prender seus leitores do inicio até o final. Destaco o título e a imagem. Como passar batido e virar a página, vendo tanta engenhosidade não só no título como na imagem ?
Parabéns, Lúcia Senna e obrigado por instantes de plena e total descontração.
CELSO

lucia Senna disse...

Pois é, Alvaro... sempre me criou problemas, afastando-me das pessoas amigas, pois logo ficava inchadão, mal -humorado, um porre! KKKKK . Minha esperança é que depois dessa crônica, feita exclusivamente pra ele, fique mais satisfeito e me trate melhor. KKKK abração!

Lúcia Costa disse...

KKKKK, foi mesmo. Chegaste que era só cristal ! Acho que com jeitinho daria pra fazer uma outra crônica sobre vocês, amigas lindas e com um adorável quê de loucura. Beijocas !!!!

Lúcia Costa disse...

Obrigada, LÊ! adorei saber que és minha fã " number one". E porque me escondeste esse fato por tanto tempo? kkkk
Beijocas, figurinha!!!!

Lúcia Costa disse...

Cris, eu também fiquei muito feliz com esse depoimento da ANA e, agora, com o teu. Realmente é demasiadamente acalentador saber que pessoas das mais variadas idades curtem os meus textos. Beijocas, amiga!

Lúcia Costa disse...

Gostei do teu comentário, minha irmã. Ele é a tua cara! Sempre equilibrada e sensata nas tuas opiniões. Beijão!

Lúcia Costa disse...

Meu caríssimo leitor!
É muito bom perceber que ainda guardas na memória as crônicas da Gotinha e da Tereza , estabelecendo comparação com a de hoje. Poxa, isso me deixa altamente inspirada e agradecida! Não sei o que te dizer diante de comentários tão deliciosos.
Obrigada mais uma vez.
Abraços gloriosos!

Lúcia Costa disse...

Alô, Raquel!
Obrigada, queridona !
Posso confessar uma coisa ?
Também achei o final muito legal. Sei que autoelogio é algo a ser evitado. Mas é que passei um bom tempo sem saber como finalizar o texto. De repente, um estalo aconteceu. Corri para o computador e ...ah,que alívio. A ideia me pareceu gira, como diria o Ruy. Que bom,que fui aprovada também por ti
💋 💋 💋

Lúcia Costa disse...

Uau.....Que delícia de depoimento!!!!No entanto,é importante dar a César o que é de César. O que quero dizer com isso ? Bem...que a imagem foi escolha do Ruy . Ele tem escolhas sensacionais, o que muito engrandece o texto.
O Ruy é o máximo em tudo o que realiza,haja visto o próprio blogue,não é mesmo?
Obrigada,Celso, e um grande abraço.

Anónimo disse...

Bom dia, há tempos não acesso o blogue. Estava fora do Brasil. Ontem, depois de um longo e tenebroso inverno, voltei e tive a sorte de encontrar uma crônica sua. Lembro-me ainda perfeitamente de um comentário que fiz a priscas eras, e vou repeti-lo : tuas crônicas são variadas e coloridas que dá gosto de ler. Mal comparando,parecem caixas de lápis de mil cores, dos estojos da minha infância. Parabéns por me trazer a infância de volta. THADEU.

Anónimo disse...

Bom dia, Lúcia Senna!
Você é memo uma humorista nata. Não é de hoje que tenho lido as crônicas publicadas aqui no blog do RUY e nunca vi um traço sequer de desanimo, pessimismo ou mesmo abatimento nos textos. E olha que essa de hojetinha tudo pra ser. No entanto, tudo é transformado em alegria, imaginação , criatividade e energia positiva. Que alquimia é essa? Grande abraço do JOÃO MARTINI .

Lúcia Costa disse...

Que bom tê-lo de volta! Ah! João... que alquimia nada, kkkk´. É muito esforço mental , muito suor para que as coisas aconteçam. E os aplausos de vocês, caros leitores, são a minha maior recompensa. Não suma mais, por favor. Estarei esperando aqui nesse nosso MUNDO, tão diversificado e encantador. Grande abraço e feliz regresso.

Lúcia Costa disse...

Tua resposta, THADEU, é pura poesia. Lindo demais, a comparação das crônicas com os lapís de cores da tua infância. Obrigada pelo comentário tão cheio de ludicidade.
Abração!!!!

Anónimo disse...

Ah, Lucia! Esse seu tornozelo é, na verdade, muito manhoso! Um tornozelo de diva! Rebelde e cheio de atitudes!! E, de quebra, ainda rende divertidas crônicas!! Parabéns para ele!!
🤣🤣

Sol de Anlarec

Lúcia Costa disse...

Estás coberta de razão. Ele é mesmo muito rebelde. A partir da crônica, feita exclusivamente pra ele , já o sinto diferente, mais amigo, menos inchado e com a moral mais elevada. No fundo é um sujeito carente e ávido por atenções especiais. Minha esperança é que passe a ter atitudes mais sensatas em relação a mim. Estou levando fé. Vamos ver como ele ficará daqui pra frente...
Beijocas 💋

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