por WOJCIECH BOROWA / DAYHAN | Colaborador polonês do Mundo Botafogo
Página pessoal www.facebook.com/GarrinchaPL
Das pesquisas que tenho realizado sobre o fenomenal Garrincha,
provavelmente o texto seguinte terá sido a primeira publicação sobre Garrincha
na imprensa polonesa.
O artigo tem o título original ‘Garrincha pássaro tropical’ e foi escrito pelo
jornalista de imprensa Grzegorz Aleksandrowicz. A publicação no jornal
desportivo diário ‘Przegląd Sportowy’ (‘Revista do Esporte’ / ‘Review Sports’) data de 26 de junho de 1958 (dois dias após a semifinal contra a França).
Eis as traduções em português e inglês do texto original polonês (utilizando
o tradutor online):
GARRINCHA PÁSSARO
TROPICAL
«’Eu nunca tinha visto um jogador deste calibre como Garrincha’– disse o
treinador soviético Kaczalin, após a URSS perder por 0x2 para o Brasil. E o
técnico francês Lucien Troupel, do Lyon, comparou as surpreendentes corridas do
brasileiro ao trocar a marcha de um carro da primeira para a última sem nenhuma
transição.
E pensar que, ainda há pouco tempo, este magnífico jogador não teria
sido visto em jogos do campeonato porque foi levado para a Suécia como reserva.
Ao que parece, o capitão da seleção brasileira, o lateral-esquerdo e
multitalentoso Nilton Santos, ao saber que Garrincha seria preterido na
escalação para a partida contra a União Soviética, passou uma noite em claro e
ameaçou voltar imediatamente para o Brasil. O gordo técnico brasileiro Feola
acabou cedendo à pressão geral de jornalistas, repórteres, fotojornalistas,
radialistas e torcedores, decidindo escalar o fenomenal jogador.
Por que Feola não gosta de Garrincha? Ele o acusa de falta de cultura,
de modos, de educação, de resmungar indiferente durante as discussões sobre
táticas de jogo e de total embotamento para entender os conselhos que lhe eram
dados.
‘Garrincha’ é um dos muitos pássaros tropicais brasileiros, parecido com
um beija-flor colorido. O verdadeiro nome do fenómeno brasileiro é Manoel
Francisco Santos. Mas no Brasil há tantos Santos (quatro só na seleção
brasileira: Gilmar, Nilton, Djalma e Garrincha) que foi preciso buscar um
apelido. Aos 17 anos, o nosso herói gostava de caçar pássaros com o nome de
Garrincha na sua cidade natal, onde começou a sua carreira futebolística. Os
seus colegas de equipa deram-lhe esta alcunha.
Garrincha era e continua sendo um sujeito comum. Mora a 60 km da cidade
de Petrópolis, no povoado serrano de Pau Grande, com algumas centenas de
habitantes, onde, graças aos seus ganhos com o futebol, já comprou um terreno e
uma casa. Ele é um mestiço de pele escura e, apesar de ter 24 anos, é pai de
quatro filhas. A sua aparência é caracterizada por pernas impiedosamente
torcidas, que se assemelham literalmente a um arco. Médicos ortopedistas
afirmaram na época que Garrincha estava incapacitado de jogar futebol e que
deveria ser operado. Felizmente, o médico do clube Botafogo, Dr. Gosling, se
opôs a isso e, pelo visto, fez bem, pois quem sabe se a operação teria privado
o brasileiro da agilidade de seu talento para o drible.
Garrincha é um semi analfabeto. Mal sabe ler e escrever. Não tem a menor
intenção de aprender. Está satisfeito com seu destino. Ama a sua aldeia natal e
não pensa na vida noutro lugar. Tem uma disposição extraordinariamente
desportiva: nunca revida os pontapés ou golpes que lhe são infligidos pelo
adversário. Ao regressar com o seu clube Botafogo de uma digressão em Itália,
quando lhe perguntaram o que achava de Roma, respondeu: ‘Ah, foi lá que o nosso
treinador caiu das escadas do hotel!’
De passagem por Paris, os companheiros de Garrincha compravam perfumes
para suas mulheres, pagando de 3 a 4 mil francos por frasco (cerca de 8
dólares). Garrincha comprou os mesmos perfumes em Zurique e declarou com
orgulho: Paguei apenas 50 francos. Claro, eram francos suíços, e seu
equivalente é... 12 dólares.
Quando estreou há alguns anos no Rio de Janeiro, foi apresentado aos jogadores
mais famosos da cidade: ‘Eu não os conheço’ - disse ele ao mencionar os nomes
de Didi, Nilton, Santos e outras celebridades.
Antes de partir para a Europa, foi convocado, juntamente com a equipa,
para uma conversa mais longa com a Federação de Futebol. Depois de sair da
sala, perguntou a Zagalo e Vavá: ‘Quem era aquele tipo que me fez tantas
perguntas?’ O ´tipo’ era Feola, o treinador.
Um dia, o gerente de uma praia de luxo no Rio, um fã apaixonado do clube
Botafogo, onde Garrincha jogava, disse-lhe: ‘Garrincha, eu te admiro, admiro o
seu jogo, e gostaria de fazer uma coisa legal para você. Peça o que quiser, não
vou recusar nada’. Garrincha respondeu: ‘Na minha aldeia, vive um rapaz que
assobia lindamente. Não poderia contratá-lo para o cabaré da praia?’
A pequena estação de trem de Pau Grande fica bem longe da casa onde
Garrincha mora. Devido à altura considerável, o trem anda muito devagar, e
Garrincha costuma saltar enquanto ele ainda está em movimento para chegar mais
cedo em casa. Os moradores de Pau Grande fizeram um abaixo-assinado no
Ministério das Comunicações para que o prédio da estação fique mais próximo da
casa do seu jogador preferido.
O treinador do Botafogo, Saldanha, costuma iniciar o briefing com os
seus jogadores: ‘para Garrincha e sua ala direita nada de instruções’ (para os
demais jogadores, instruções individuais e coletivas). Porque Garrincha, de
estatura mediana e porte atarracado, com a agilidade e a graça de um gato,
possui uma extraordinária capacidade natural de se orientar, um arranque
brilhante e aquela centelha de entusiasmo que indica o gênio do futebol. É
claro que Garrincha não é o único bom jogador do Brasil. Há outros, mas ele é
certamente um dos melhores e mais originais.
Relatado de Estocolmo por Your Grzegorz.»
*****
The first publication about Garrincha in Polish
by WOJCIECH BOROWA / DAYHAN | Polish contributor to Mundo Botafogo
Personal website www.facebook.com/GarrinchaPL
From the research I've been doing
on the phenomenal Garrincha, the following text was probably the first
publication on Garrincha in the Polish press.
The article is entitled ‘Garrincha
tropical bird’ and was written by press journalist Grzegorz Aleksandrowicz. It
was published in the daily sports newspaper ‘Przegląd Sportowy’ (‘Review Sports’)
on 26 June 1958 (two days after the semi-final against France).
Here are the Portuguese and
English translations of the original Polish text (using the online translator):
GARRINCHA TROPICAL BIRD
«’I had never seen a player of
this calibre as Garrincha’, said Soviet coach Kaczalin after the USSR lost 0-2
to Brazil. And Lyon's French coach Lucien Troupel likened the Brazilian's
amazing runs to shifting a car from first to last gear without any transition.
And to think that only a short
time ago, this magnificent player wouldn't have been seen in league matches
because he was taken to Sweden as a reserve. It seems that the captain of the
Brazilian national team, the left-back and multi-talented Nilton Santos, on
learning that Garrincha would be left out of the squad for the match against
the Soviet Union, spent a sleepless night and threatened to return to Brazil
immediately. The fat Brazilian coach Feola eventually gave in to the general
pressure from journalists, reporters, photojournalists, broadcasters and fans
and decided to field the phenomenal player.
Why doesn't Feola like Garrincha?
He accuses him of lacking culture, manners and education, of mumbling
indifferently during discussions about match tactics and of being completely
unable to understand the advice he was given.
'Garrincha' is one of Brazil's
many tropical birds, resembling a colourful hummingbird. The Brazilian
phenomenon's real name is Manoel Francisco Santos. But there are so many Santos
in Brazil (four in the national team alone: Gilmar, Nilton, Djalma and
Garrincha) that a nickname had to be found. At the age of 17, our hero liked to
hunt birds with the name Garrincha in his hometown, where he began his football
career. His team-mates gave him this nickname.
Garrincha was, and still is, an
ordinary bloke. He lives 60 kilometres from the city of Petrópolis, in the
mountain village of Pau Grande, with a few hundred inhabitants, where, thanks
to his football earnings, he has already bought a plot of land and a house. He
is a dark-skinned mestizo and, despite being 24, he is the father of four
daughters. His appearance is characterised by mercilessly twisted legs, which
literally resemble a bow. Orthopaedic doctors said at the time that Garrincha
was unable to play football and should have surgery. Fortunately, the doctor f
the Botafogo club, Dr. Gosling, opposed this and, as it turns out, did the
right thing, because who knows if the operation would have deprived the
Brazilian of the agility of his dribbling talent.
Garrincha is semi-illiterate. He
can barely read and write. He has no intention of learning. He is content with
his fate. He loves his home village and doesn't think about life elsewhere. He
has an extraordinarily sporting disposition: he never returns the kicks or
blows inflicted on him by his opponent. Returning with his club Botafogo from a
tour of Italy, when asked what he thought of Rome, he replied: ‘Ah, that's where
our coach fell down the hotel stairs!’
Whilst in Paris, Garrincha's
team-mates bought perfumes for their wives, paying between 3,000 and 4,000
francs per bottle (around 8 dollars). Garrincha bought the same perfumes in
Zurich and proudly declared: I only paid 50 francs. Of course, they were Swiss
francs, and their equivalent is... 12 dollars.
When he made his debut a few
years ago in Rio de Janeiro, he was introduced to the city's most famous
players: ‘I don't know them’, he said, mentioning the names of Didi, Nilton,
Santos and other celebrities.
Before leaving for Europe, he was
summoned, along with the team, for a longer conversation with the Football
Federation. After leaving the room, he asked Zagalo and Vavá: ‘Who was that guy
who asked me so many questions?’ The 'guy' was Feola, the coach.
One day, the manager of a luxury
beach in Rio, a passionate fan of the Botafogo club where Garrincha played,
said to him: ‘Garrincha, I admire you, I admire your game, and I'd like to do
something nice for you. Ask for anything you want, I won't turn anything down’.
Garrincha replied: ‘There's a boy in my village who whistles beautifully.
Couldn't you hire him for the cabaret on the beach?’.
The small railway station of Pau
Grande is a long way from the house where Garrincha lives. Due to its
considerable height, the train runs very slowly, and Garrincha often jumps off
while it's still moving to get home sooner. The residents of Pau Grande have
petitioned the Ministry of Communications to have the station building moved
closer to the home of their favourite player.
Botafogo coach Saldanha used to
start the briefing with his players: ‘For Garrincha and his right wing, no
instructions’ (for the other players, individual and collective instructions).
Because Garrincha, of medium height and stocky build, with the agility and
grace of a cat, possesses an extraordinary natural ability to orientate
himself, a brilliant start and that spark of enthusiasm that indicates
footballing genius. Of course, Garrincha isn't Brazil's only good player. There
are others, but he is certainly one of the best and most original.
Reported from Stockholm by Your
Grzegorz.»
4 comentários:
Tudo sobre o magistral driblador sempre me surpreende. Mas me surpreende mais ainda os treinadores brasileiros se preocupar com questões fira das 4 linhas. E é simplesmente inacreditável que o Garrincha só foi a copa do mundo pela recusa do Julinho Botelho de não querer tirar a vaga de quem jogava no Brasil. E mais incrível o Garrincha ter no inicio da copa como reserva l. Esse texto é sensacional. Abs e SB!
Thank You Ruy!
Coisas do futebol ainda amador na prática. Aliás, ainda hoje tem bastante de amador, porque muitos jogadores não se comportam realmente como profissionais e, em geral, muitos dirigentes também têm comportamentos amadores e outros tantos treinadores têm interesses laterais...
Abraços Gloriosos.
You're welcome, Wojtek!
Glorious Hugs.
Enviar um comentário