
O Presidente brasileiro Luiz Inácio da Silva assina hoje, na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, o decreto com o cronograma de implantação do acordo ortográfico da língua portuguesa.
O acordo modifica as regras de acentuação e o emprego do hífen, exclui o uso do trema e inclui as letras w, k e y no alfabeto do idioma, entre outras inovações. Neste blogue, no artigo intitulado O Acordo Ortográfico: as principais mudanças incluído na etiqueta ‘CPLP’, especifica-se com mais pormenor estas mudanças das quais fui defensor incondicional.
Embora popularmente não seja um assunto de muito interesse, ele é realmente muito importante. A língua é o primeiro instrumento de um povo, e a forma como se estrutura determina os nossos modos de pensar, de sentir, de agir, de amar, de fazer a paz e a guerra. Um povo é, antes de tudo, a sua própria língua, razão pela qual os portugueses, os brasileiros, os angolanos, os cabo-verdianos, os são-tomenses, os guineenses, os moçambicanos, os timorenses e outros naturais de culturas regionais de índole lusófona (Galiza, Macau, Guiné Equatorial, Ilha Maurícia…) enquadradas geograficamente noutras culturas mais vastas, fazem parte de um mesmo modo de estar na vida.
A reforma ortográfica amplia a cooperação internacional entre os países de língua portuguesa ao fixar a grafia oficial única do idioma, facilitando o processo de intercâmbio cultural e científico. A futura criação do estatuto de cidadão lusófono constituirá o passo fundamental seguinte na ligação multifacetada destes povos.
A data de assinatura do acordo foi escolhida para o dia 29 de Setembro porque se celebra os 100 anos da morte do escritor Machado de Assis.
Machado de Assis, provavelmente o maior escritor brasileiro de todos os tempos, e um dos maiores escritores do mundo, era filho do mulato Francisco José de Assis, pintor de paredes e descendente de escravos com alforria, e de Maria Leopoldina Machado, lavadeira portuguesa da Ilha de São Miguel. Afro-descendente, Machado de Assis encarnou a miscenização desenvolvida entre os povos lusófonos e cresceu intelectualmente à custa de um labor pessoal notável.
Machado de Assis não teve acesso a cursos oficiais, mas empenhou-se em aprender e tornou-se um dos maiores intelectuais brasileiros. O exemplo de Machado de Assis é absolutamente notável (o qual tem paralelo com Fernando Pessoa), evidenciando que as pessoas dispostas à aprendizagem permanente são muito melhores do que os que não o fazem. Machado de Assis aprendeu fora da escola a falar francês, inglês e alemão ao ponto de traduzir para português, ainda enquanto jovem, o célebre romance ‘Os Trabalhadores do Mar’, de Victor Hugo. Traduziu também poemas da língua inglesa, tal como ‘O Corvo’, de Edgar Allan Poe.
Mas foi como romancista que Machado de Assis se eternizou. No Brasil, a sua obra mais apreciada é Dom Casmurro, mas, na Europa, e especialmente em Portugal, a preferência vai para as Memórias Póstumas de Brás Cubas que marca o início do realismo – Assis era admirador de Eça de Queiroz –, mas que ultrapassa realmente os limites do realismo, criando uma escola única.
Trata-se de um livro extremamente ousado, o qual é escrito por um defunto e inicia-se com uma dedicatória inusitada: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”.
A segunda fase da obra de Machado de Assis é verdadeiramente inovadora, porque Machado de Assis ultrapassou a designada ‘quarta parede’ e interpelou os próprios leitores. Não se trata apenas de filigrana ornamental, mas de inovação estrutural no modo de romancear. Complexa, mas não complicada, a obra de Machado de Assis é acessível ao cidadão comum e constitui uma ode à alegria e à ironia em toda a sua complexidade.
Nos seus últimos dias de vida Machado de Assis foi visitado por Euclides da Cunha (que morreu no ano seguinte, em 1909), escritor brasileiro casado com Anna Sólon da Cunha, a qual viria a apaixonar-se pelo jovem tenente Dilermando de Assis. Euclides da Cunha falava de um dos seus filhos ‘legítimos’ como “a espiga de milho no meio do cafezal”, querendo dizer que era o único loiro de uma família de tez morena e produto da relação entre a esposa e Dilermando. Entretanto, Anna foi viver com o tenente e Euclides da Cunha dispôs-se, então, a matá-lo na casa dele, mas Dilermando era um excelente atirador e, em defesa própria, matou Euclides, sendo absolvido em tribunal – mas nunca mais obteve legitimidade social.
Desta história, a verdadeira vítima foi o futebolista botafoguense Dinorah de Assis, campeão de 1910 e irmão de Dilermando, cuja história é narrada neste blogue, no artigo Dinorah de Assis, entre o drama e a glória na etiqueta ‘dramas’. Dinorah, ao pretender separar Euclides e o seu irmão, recebeu uma bala do revólver de Euclides, o qual se alojou na nuca. Dinorah jogou e foi campeão com a bala encravada na coluna, mas gradualmente tornou-se paralítico e acabou por se suicidar aos 31 anos de idade.
Mas Machado de Assis, que foi romancista, contista, poeta, teatrólogo e crítico literário, ainda conseguiu dedicar tempo livre a um desporto intelectual: o xadrez. Exímio jogador de xadrez, Machado de Assis formulou problemas enxadrísticos para diversos periódicos e participou do primeiro campeonato disputado no Brasil, ficando em terceiro lugar. O autor faz menção ao xadrez em muitas das suas obras, especialmente em Iaiá Garcia.
A eternidade de Machado de Assis como um dos maiores escritores brasileiros, da lusofonia e do mundo é fruto da sua notável capacidade de aprendizagem ao longo da vida!
O acordo modifica as regras de acentuação e o emprego do hífen, exclui o uso do trema e inclui as letras w, k e y no alfabeto do idioma, entre outras inovações. Neste blogue, no artigo intitulado O Acordo Ortográfico: as principais mudanças incluído na etiqueta ‘CPLP’, especifica-se com mais pormenor estas mudanças das quais fui defensor incondicional.
Embora popularmente não seja um assunto de muito interesse, ele é realmente muito importante. A língua é o primeiro instrumento de um povo, e a forma como se estrutura determina os nossos modos de pensar, de sentir, de agir, de amar, de fazer a paz e a guerra. Um povo é, antes de tudo, a sua própria língua, razão pela qual os portugueses, os brasileiros, os angolanos, os cabo-verdianos, os são-tomenses, os guineenses, os moçambicanos, os timorenses e outros naturais de culturas regionais de índole lusófona (Galiza, Macau, Guiné Equatorial, Ilha Maurícia…) enquadradas geograficamente noutras culturas mais vastas, fazem parte de um mesmo modo de estar na vida.
A reforma ortográfica amplia a cooperação internacional entre os países de língua portuguesa ao fixar a grafia oficial única do idioma, facilitando o processo de intercâmbio cultural e científico. A futura criação do estatuto de cidadão lusófono constituirá o passo fundamental seguinte na ligação multifacetada destes povos.
A data de assinatura do acordo foi escolhida para o dia 29 de Setembro porque se celebra os 100 anos da morte do escritor Machado de Assis.
Machado de Assis, provavelmente o maior escritor brasileiro de todos os tempos, e um dos maiores escritores do mundo, era filho do mulato Francisco José de Assis, pintor de paredes e descendente de escravos com alforria, e de Maria Leopoldina Machado, lavadeira portuguesa da Ilha de São Miguel. Afro-descendente, Machado de Assis encarnou a miscenização desenvolvida entre os povos lusófonos e cresceu intelectualmente à custa de um labor pessoal notável.
Machado de Assis não teve acesso a cursos oficiais, mas empenhou-se em aprender e tornou-se um dos maiores intelectuais brasileiros. O exemplo de Machado de Assis é absolutamente notável (o qual tem paralelo com Fernando Pessoa), evidenciando que as pessoas dispostas à aprendizagem permanente são muito melhores do que os que não o fazem. Machado de Assis aprendeu fora da escola a falar francês, inglês e alemão ao ponto de traduzir para português, ainda enquanto jovem, o célebre romance ‘Os Trabalhadores do Mar’, de Victor Hugo. Traduziu também poemas da língua inglesa, tal como ‘O Corvo’, de Edgar Allan Poe.
Mas foi como romancista que Machado de Assis se eternizou. No Brasil, a sua obra mais apreciada é Dom Casmurro, mas, na Europa, e especialmente em Portugal, a preferência vai para as Memórias Póstumas de Brás Cubas que marca o início do realismo – Assis era admirador de Eça de Queiroz –, mas que ultrapassa realmente os limites do realismo, criando uma escola única.
Trata-se de um livro extremamente ousado, o qual é escrito por um defunto e inicia-se com uma dedicatória inusitada: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”.
A segunda fase da obra de Machado de Assis é verdadeiramente inovadora, porque Machado de Assis ultrapassou a designada ‘quarta parede’ e interpelou os próprios leitores. Não se trata apenas de filigrana ornamental, mas de inovação estrutural no modo de romancear. Complexa, mas não complicada, a obra de Machado de Assis é acessível ao cidadão comum e constitui uma ode à alegria e à ironia em toda a sua complexidade.
Nos seus últimos dias de vida Machado de Assis foi visitado por Euclides da Cunha (que morreu no ano seguinte, em 1909), escritor brasileiro casado com Anna Sólon da Cunha, a qual viria a apaixonar-se pelo jovem tenente Dilermando de Assis. Euclides da Cunha falava de um dos seus filhos ‘legítimos’ como “a espiga de milho no meio do cafezal”, querendo dizer que era o único loiro de uma família de tez morena e produto da relação entre a esposa e Dilermando. Entretanto, Anna foi viver com o tenente e Euclides da Cunha dispôs-se, então, a matá-lo na casa dele, mas Dilermando era um excelente atirador e, em defesa própria, matou Euclides, sendo absolvido em tribunal – mas nunca mais obteve legitimidade social.
Desta história, a verdadeira vítima foi o futebolista botafoguense Dinorah de Assis, campeão de 1910 e irmão de Dilermando, cuja história é narrada neste blogue, no artigo Dinorah de Assis, entre o drama e a glória na etiqueta ‘dramas’. Dinorah, ao pretender separar Euclides e o seu irmão, recebeu uma bala do revólver de Euclides, o qual se alojou na nuca. Dinorah jogou e foi campeão com a bala encravada na coluna, mas gradualmente tornou-se paralítico e acabou por se suicidar aos 31 anos de idade.
Mas Machado de Assis, que foi romancista, contista, poeta, teatrólogo e crítico literário, ainda conseguiu dedicar tempo livre a um desporto intelectual: o xadrez. Exímio jogador de xadrez, Machado de Assis formulou problemas enxadrísticos para diversos periódicos e participou do primeiro campeonato disputado no Brasil, ficando em terceiro lugar. O autor faz menção ao xadrez em muitas das suas obras, especialmente em Iaiá Garcia.
A eternidade de Machado de Assis como um dos maiores escritores brasileiros, da lusofonia e do mundo é fruto da sua notável capacidade de aprendizagem ao longo da vida!
4 comentários:
Rui, desculpe a brincadeira (de repente, imprópria), mas é até piada que o nosso presidente Lula assine um documento tratando da "reforma" ortográfica, né?
Justo ele...
E eu pergunto: A procuração para assinar em nome do "presidente" está com quem? Afinal, o Lula não sabe assinar...
a menos que aceitem uma carinha feliz ou uma árvore e sol (sorrindo) como forma de assinatura!
Ê, Brasilzão!rs!
Só isso mesmo para fazer sorrir neste momento conturbado do GLORIOSO!
Abs e SA!!!
machado de assis o gênio.
Amigo Rodrigo, permita-me não comentar.
Saudações Gloriosas!
Era mesmo genial, amigo! Um caso especial da literatura brasileira e mundial!
Saudações Gloriosas!
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