quinta-feira, 5 de março de 2009

Gafe à italiana


por Gerson Soares
A espirituosidade de Mané não tinha limites e muito menos ele demonstrava preocupação com o fato sobre qual seria a sua vítima. Por isso era considerado pelos psicólogos um retardado mental. Também, pudera! Uma de suas brincadeiras preferidas era de prender os braços dos companheiros para trás e com voz de policial bravo, boca colada ao ouvido da vítima, dizer:

- “Teje preso!” “Teje solto!”

Numa dessas caças às vítimas, durante os treinos da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1958, Mané deixou perplexos os companheiros que almoçavam com ele na concentração do Hotel das Paineiras, no Silvestre: Mané pegou os braços do chefe da delegação brasileira, Paulo Machado de Carvalho, e soltou aquela voz cavernosa no ouvido do todo-poderoso doutor:

- “Teje preso!” “Teje solto!”

Paulo Machado de Carvalho desenvencilhou-se, virou-se numa atitude clara de que não havia gostado nada daquela demonstração de intimidade e houve tensão de todos que assistiam à cena. Tudo indicava que o brincalhão seria no mínimo repreendido para valer. Mas ao perceber do que, e de quem, se tratava, o chefe da delegação apenas sorriu. Alívio geral no refeitório.

Mané era assim mesmo. Nunca deixou de ser criança e muito menos de se divertir com suas brincadeiras inocentes.

Minutos antes de uma partida, em 1963, contra o Racing, bicampeão francês, Mané foi advertido pelo técnico Zezé Moreyra de que o lateral-esquerdo que teria pela frente era um meio calvo, que já o marcara três anos antes e não o deixara jogar.

Mané fez gato e sapato do homem. Driblou-o uma vez, duas, três, quatro, cinco vezes. O banco de reservas ficava muito próximo à linha lateral do campo. E foi perto do banco que o meio calvo caíra depois de mais um drible. A cada drible, Mané perguntava a Zezé:

- “É esse mesmo o carequinha que não me deixou jogar?”

Zezé, irritado com o pouco caso de seu craque com o adversário, tentava arrancar os poucos cabelos que ainda lhe restavam.

Em 1969, Elza e Mané Garrincha receberam vários telefonemas ameaçadores, de pessoas ainda inconformadas com a união dos dois. Essas pessoas pediam para ambos falarem menos sobre tudo o que estavam passando, já que era grande a pressão. Para que evitassem algo trágico, algumas dessas pessoas até os aconselharam a saírem por algum tempo do país.

De Início, eles desconsideraram. Até que numa noite os vidros e a parede da sala foram metralhados. Elza e Mané Garrincha decidiram se auto-exilaram na Itália. Claro que nós, os filhos, fomos juntos.

Fomos recepcionados por algumas personalidades que lá estavam, como Chico Buarque e Juca Chaves. Mesmo assim, Mané, já ambientado aos costumes Italianos, não perdeu o bom humor nem sua espirituosidade. Nada alterava a sua personalidade.

Nós, crianças, fomos vítimas de algumas de suas brincadeiras, tipo desafiar nossa masculinidade e coragem, dizendo que o mais forte seria aquele que conseguisse ficar mais tempo descalço com os pés no gelo. Quase morremos de pneumonia.

Elza, pelo menos dessa vez, não perdoou e lhe deu um senhor puxão de orelhas, mandou que ele tomasse jeito na vida.

Mané tentou. Então, foi treinar no Bari, time da Segunda Divisão italiana, para apurar a forma. Meu irmão João Carlos, o Carlinhos, um craque, também treinou e, por incrível que possa parecer, tinha um olheiro na arquibancada. Depois do treino, Carlinhos recebeu um convite para jogar pelo América do Rio de Janeiro.

Nesse dia, ao sairmos do treino, resolvemos entrar num bar na Via Venetto. Mané pediu sua Grappa, uma espécie de aguardente. Numa mesa ao lado, seis pessoas bebiam vinho e conversavam baixinho. Mané não perdeu tempo. Imaginou que não entendiam nosso idioma e começou a mexer com o grupo.

Dizia que um deles tinha a cara do goleiro Manga, cheia de buracos; que o outro tinha a cabeça redonda e grande como a de Quarentinha; um, de cabelos muito bem penteados, era bicha, segundo Mané. Meu irmão e eu apenas sorríamos com o deboche e com a cara de surpresa do pessoal da mesa ao lado.

Mané pegou um cigarro e, sem fósforos, interpelou um dos homens da mesa:

- “Ô, bicha! Tem fogo?”

O homem respondeu:

- “Claro, Garrincha! É uma honra sair de Madureira e encontrar você aqui, na Itália. Mas bicha, cabeça de Quarentinha e cara de Manga tem a sua vovózinha.”

Mané não teve como se desculpar. Mas não perdeu a pose. Como o grupo de brasileiros era de boa gente, sentou-se à nossa mesa. E todos beberam até tarde da noite.
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Fonte: www.sosserve.com.br 

5 comentários:

snoopy em p/b disse...

SENSACIONAL!!!
GARRINCHA ETERNO!!!

Ruy Moura disse...

Abraços, Snoopy. Gostou do Botafogo no Bezerrão?...

Abraços Gloriosos!

Fernando Lôpo disse...

Rui, essas histórias de Gérson Soares são ótimas. Chegaram a ser publicadas no Jornal dos Sports.

Ruy Moura disse...

Pois é, Fernando. São histórias engraçadíssimas. E até mesmo tragicómicas algumas, porque o Mané fazia coisas que, às vezes, eram irresponsáveis... Tudo porque adorava brincar, já que há outro tipo de irresponsáveis - os de má-fé, e isso o Mané não tinha.

Abraços Gloriosos!

snoopy em p/b disse...

oi, rui!
gostei sim.
há detalhes e imagens no meu blog.

sds. botafoguenses!!!

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