sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A família botafoguense


por Nelson Marzullo Tangerini
Escritor e poeta botafoguense

José Pinto da Costa, natural de Valença do Minho, Portugal, veio para o Brasil com 6 anos de idade [Nota do editor do Mundo Botafogo: trata-se de um português botafoguense do início do século XX].

Veio para trabalhar com os tios, donos da Casa Pinto, na Rua Buenos Aires, no centro do Rio de Janeiro. Estes prometeram a sua mãe que lhe dariam trabalho e estudo. José, primo do ator português Jaime Costa, porém, não passou de um simples vendedor de móveis. Seus tios jamais se preocuparam em lhe dar instrução.

Para nossa família, José, o lusitano que torcia ardorosamente pelo Botafogo, e que todos nós chamávamos de Dindinho, foi um santo, aquele cidadão sem diplomas, humilde e sábio que nos converteu a todos, Maurício Marzullo e Maurício Jorge Saturno Marzullo, Dinorah Marzullo, Nestor Tangerini (que um dia torceu pelo América do Rio por causa de seu amigo Lamartine Babo), Nirton, Nirson e Nelson Tangerini em botafoguenses.

Posteriormente, vieram Alexandre, Leonardo e Leandro Marzullo Barcelos, convertidos pelo pai, Amadeu José Ferreira Barcelos, marido de Marisa, pelo avô Maurício e pelo tio Maurício Jorge.

Falava-me da história do Elektra Football Club, fundado em 1904, dos dois Botafogos (futebol e regatas) que se uniram, dos grandes mitos Heleno de Freitas e Mimi Sodré, dos grande jogos, das grandes jogadas, do campeão desde 1910 e do tetracampeonato histórico.

Casado em segundas núpcias com a atriz Antônia de Oliveira Soares Marzullo, minha avó, mãe de três gloriosos filhos, Maurício, Dinah (minha mãe) e Dinorah, José não deixou descendentes biológicos, mais foi um verdadeiro pai e avô para todos nós, que formamos uma família botafoguense.

O primeiro a ser convertido em botafoguense foi Maurício Marzullo, advogado e poeta. Maurício me contou que foi com José que assistiu pela primeira vez a um jogo do Alvinegro de General Severiano. O glorioso, que não pode perder para ninguém, como diz seu hino, composto por Lamartine babo, foi goleado pelo América por 11x1. Maurício ficou meio frustrado e atormentado com a chuva de gols do Diabo; e José, que tinha em mente converter o garoto em mais um torcedor do Clube da Estrela Solitária, imagino, deve ter pensado que pela cabeça do enteado tivesse passado a idéia de mudar de clube [Nota do editor de Mundo Botafogo: mas um verdadeiro botafoguense não se intimida por levar uma goleada de dois dígitos]. O tempo foi passando, vitórias e grandes estrelas foram vindo e Maurício foi se apaixonando definitivamente pelo clube, que, um dia, projetou grandes estrelas como Mimi Sodré, Heleno de Freitas, lenda viva do futebol carioca, aquele que morreu delirando e pensando no clube, o Demônio das Pernas Tortas ou Alegria do povo Garrincha, a Enciclopédia do Futebol Nilton Santos, o seguro goleiro Manga, o Folha Seca Didi, Amarildo, Zagallo, João Saldanha, O Imperador Jairzinho, O Arteia Waltencir, O Canhotinha de Ouro Gérson, etc.

[O editor do Mundo Botafogo suprimiu deste espaço o poema introduzido pelo autor do texto, reproduzindo o poema autonomamente noutra publicação devido à sua enorme valia estética e poética]

José, que, vindo para o Brasil, aos 6 anos, deixava para trás a sua mãezinha, pedia que minha mãe lesse as cartas que sua mãe querida lhe enviara de Portugal. Tinha-as todas guardadas, numa caixa. Um dia, José juntou dinheiro para visitar a mãe, já muito idosa. Talvez se vissem pela última vez. Mas José foi roubado e seu sonho não pôde ser concretizado. Nunca mais se viram. Sua mãe veio a falecer. Dinah era uma voz feminina a ler e reler as cartas de sua mãe. Sentado em sua cama, o Zequinha fechava os olhos e chorava copiosamente. A saudade lusitana o torturava.

– “Como me arrependo de deixar meus filhos irem para o Brasil!” – lamentava ela.

Quando estive em Portugal, em 2002, acompanhando o escritor Edgar Rodrigues, fiz questão de ir ao Minho. Queria fazer a viagem que meu avô não fez. De lá, telefonei para minha mãe e lhe disse:

– “Olá, mãe, sou eu, Nelson, seu filho. Estou na terra do Zé, no Minho. Daqui vejo a Espanha.”

[Nota final do editor do Mundo Botafogo: após a leitura deste texto, haverá alguma dúvida sobre o sentimento da universalidade botafoguense?...]

Foto: o português botafoguense José Pinto da Costa / foto de Nirton Tangerini.
Fonte: http://nelsonmarzullotangerini.blogspot.com

5 comentários:

Gil disse...

Rui,

É impressionante como as histórias de vidas se misturam com a do nosso BOTAFOGO ou a do BOTAFOGO se misturam as nossas!

E VIVA O NOSSO BOTAFOGO!

Abs e Sds, BOTAFOGUENSES!!!

Ruy Moura disse...

É verdade, Gil. Os meus amigos portugueses espantam-se do modo como o Botafogo está entranhado na minha vida. Estou sempre falando dele, tecendo loas, vestindo camisas, sofrendo dias de mau humor ou de profunda alegria. Creio que se há algo de realmente original dito pelo Roberto Porto foi quando afirmou que o BFR é a maior paixão imaterial da sua vida. Quanto a mim, É MESMO!

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Rui,

O Carlos Vilarinho reproduziu uma matéria do Jornal dos Sports(1956) no Canal Botafogo, cujo título é "O Português Covertido". É a coluna do dia 23/07/2009. Se vc não leu, vale a pena.

Patrick Dias

Ruy Moura disse...

Conheço sim, Patrick. E muito lhe agradeço a sua nota. Mas depois do Vilarinho (que conheci pessoalmente em 2009) ter defendido de forma tão arrepiante Maurício Assumpção e as suas diatribes, mais a mais tratando-se de um militante político de esquerda, não mais o reproduzirei sob nenhuma forma no Mundo Botafogo.

Mas lhe agradeço que continue a chamar-me a atenção para outras notas que possa incluir no blogue. Obrigado, Patrick.

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Patrick, peço-lhe que compreenda o meu comentário, porque na verdade fiquei tão profundamente chocado com a crónica "assumpcionista" do Vilarinho que nunca mais acedi ao Canal Botafogo até hoje. E não o farei enquanto ele for colunista. Ele tem direito a escrever o que escreveu - não contesto - mas eu tenho direito a não frequentar espaços que considero não servirem o verdadeiro "botafoguismo".

Abraços Gloriosos!

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