domingo, 28 de fevereiro de 2010

Retrato em branco e preto


por Marcos Caetano, para o ESPN.com.br

O espírito do botafoguense, que anda batendo nas portas do céu por conta do título da Taça Guanabara, se parece muito com o do seu co-irmão paulista, o Santos – também em estado de plena euforia com seu esquadrão de meninos atrevidos e talentosos. Ambos são alvinegros, ambos viveram sua época mais gloriosa com os grandes esquadrões do passado, ambos levaram muito tempo até chegar ao primeiro título brasileiro (na fase moderna do torneio, que começou oficialmente em 1971), ambos rejeitam a pecha de times de massa, ainda que tenham grandes torcidas, e ambos passaram por períodos extremamente difíceis nas últimas décadas. Dessa forma, chega a não parecer coincidência que ambos brilhem atualmente nos campeonatos de seus estados.

Apesar de ter figurado com maior ou menor intensidade na obra de autores consagrados como Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues, João Cabral de Mello Neto, Eduardo Galeano e até Albert Camus – que, aliás, foi goleiro –, o futebol ainda é um assunto tabu quando se discute literatura. Há quem diga que é impossível abordar um tema tão popular com textos de alto nível, da mesma maneira que não é incomum encontrar críticas aos cronistas esportivos que injetam doses de erudição em suas análises do velho esporte bretão. Quem discorda de tudo isso ficará maravilhado com “Botafogo – Entre o Céu e o Inferno”, livro de Sérgio Augusto. Com análises precisas como um lançamento do Gérson, conhecimentos enciclopédicos dignos de um Nilton Santos, a picardia dos dribles de Garrincha e a sofisticação de um Didi conduzindo a bola pela meia-cancha, Sérgio Augusto concebeu uma obra capaz de agradar até mesmo quem não torce pelo Botafogo – inclusive aqueles três ou quatro brasileiros que não gostam de futebol.

Em brilhante prefácio da obra de Sérgio Augusto, o fanático botafoguense João Moreira Salles chamou a atenção dos leitores para uma frase do autor, que resume perfeitamente a filosofia alvinegra: “Torcer por time de massa é como ler apenas best seller”. Meu guru literário Sérgio Augusto leu muita coisa – e felizmente pouquíssimos best sellers. Graças a isso, seu estilo é elegante e apaixonado, sem deixar de lado a informação bem pesquisada e, acima de tudo, o bom-humor. Sérgio tem razão: ser Botafogo não é para qualquer um. O mesmo vale para o Santos.

O botafoguense é aquele sujeito que não precisa do apoio moral da maioria, como o flamenguista; que não pretende ser arquiinimigo e contraponto do clube mais popular da cidade, como o vascaíno; e, ainda que sem flertar com o populismo, não se considera de elite a ponto de ser Fluminense. O torcedor alvinegro é, portanto, essencialmente diferente dos demais. A mesmíssima avaliação pode ser feita sobre o torcedor santista em relação aos rivais. Substitua-se o Flamengo pelo Corinthians, o Vasco pelo Palmeiras, o Fluminense pelo São Paulo – e a relação dos clubes cariocas estará espelhada, com pequenos ajustes, na realidade paulista.

São torcidas diferentes porque, ao longo da história, construíram uma relação muito especial com o sofrimento. Um sofrimento que invariavelmente vem embalado na nostalgia dos times inesquecíveis, quase invencíveis, que conquistaram os corações dos torcedores excursionando mundo afora nos anos 60 – e que, todos sabemos, jamais poderão ser reeditados. Times dos quais mesmo quem não tem idade para ter visto em ação, morre de saudades. O Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha: escretes que fizeram a gente pensar que, assim como ocorre com os filmes franceses e as boas fotografias, o futebol parece ser algo feito para ser apreciado em preto e branco.

26 de Fevereiro de 2010.

Fonte:
http://espnbrasil.terra.com.br/futebol/noticia/105445_RETRATO+EM+BRANCO+E+PRETO

2 comentários:

Lorismario disse...

Caro Rui. Você sabia que o autor do texto é flamenguista? Tem gente boa em todas as partes. Loris

Ruy Moura disse...

Há exceções para confirmar a regra, meu amigo. Flamenguistas desportistas são pouquíssimos. Mesmo as pessoas seranas e simpáticas transtornam-se quando falam do clube cathartiforme. É uma tristeza intelectual.

Mas claro que o meu amigo Miguel Gonzalez é uma dessas exceções. É tão isento que os amigos rubro-negros lhe questionam a filiação clubista...

Abraços Gloriosos!

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