Irreverente,
sim. Mas Garrincha sempre quis a vitória tanto quanto os dribles. Sem ele, o
Brasil não teria a metade das glórias que alcançou em sua história.
por
Edson Rossi
Dizer o quê de quem fez a torcida
gritar pela primeira vez olé dentro
de um estádio de futebol? E nem era a torcida do time dele, o Botafogo, mas sim
mexicanos que assistiam a uma de suas exibições pelo mundo. O jogo valia por um
desses torneios caça-níqueis aos quais o time carioca era convidado. O
adversário do Botafogo era o River Plate, da Argentina – o jogo terminou
empatado por 1x1. O adversário de Garrincha era apenas o lateral Vairo, que, de
tão humilhado em campo, acabou substituído. Num dos dribles, o ponta parou,
encarou o inimigo e partiu para o cruzamento, como se não houvesse ninguém por
ali. Os torcedores soltaram o primeiro olé, expressão até então típica de touradas.
“Não há nada o que fazer, é impossível”, sentenciou Vairo ao sair do gramado.
João Saldanha, técnico do Botafogo na época, notou que o argentino estava
feliz.
Não havia mesmo nada a fazer diante de
Garrincha. Assim como não há como defini-lo senão dizendo que Mané arrebentava.
Era imprevisível e dono de um futebol que jamais se enquadrou a esquemas
táticos, características que lhe renderam uma das mais incorretas famas dentro
do futebol nacional, a de que preferia o drible ao gol, a inconseqüência à
vitória. Seu amor pelo espetáculo não significou, em momento algum, que Mané
não fosse um atleta obcecado pela vitória. Era, sim. Em quase 13 anos no
Botafogo, em que conquistou os títulos cariocas de 1957, 1961 e 1962, fez 579
jogos (249 gols). Pela Seleção Brasileira jogou 50 vezes (13 gols) e perdeu
apenas uma – a última, na Copa de 1966, nos 3x1 para a Hungria. E quando jogou
ao lado de Pelé, o Brasil nunca foi derrotado. É isso mesmo: com Pelé e
Garrincha de camisa amarela, ou dava empate ou dava Brasil.
Uma das
pessoas que melhor entenderam Mané foi outro botafoguense histórico, o dublê de
cronista, jornalista e treinador João Saldanha. “Daqui a 400 anos, toda a vez
que falarem de futebol, terão de falar de Mané Garrincha”, resumiu Saldanha.
Nada mais justo para o ponta que ganhou lugar no time principal do Botafogo por
humilhar o lateral de Seleção Brasileira Nilton Santos num treino. “Se Mané não
estivesse no mesmo time que eu, dificilmente eu jogaria até os 38 anos e teria
sido titular numa Copa do Mundo aos 37”, admitia Nilton Santos, certo de que
todos os laterais esquerdos do país caiam no ostracismo ao enfrentar Garrincha.
Pane nos soviéticos.
Maior potência espacial do fim dos anos 50, a União
Soviética levava tão a sério a tecnologia que tinha conseguido alguns filmes de
jogos do Botafogo, além da ficha completa de Garrincha para parar o atacante do
Brasil na Copa de 1958. Deu dó. Na primeira bola, Mané cortou o zagueiro e
mandou a paulada na trave. Era a estreia dele numa Copa e, com míseros 60
segundos, começava a entrar em pane o arsenal tecnológico soviético, capaz de
pôr o primeiro homem no espaço, mas insuficiente para brecar Manoel Francisco
dos Santos.
Os estragos que fazia com a camisa
botafoguense ele repetia com a da Seleção Brasileira. Mané foi bicampeão
mundial e, para muitos, não fosse ele o Brasil teria saído da Copa do Chile, em
1962, muito mais cedo. Naquele mundial, Pelé machucou-se no segundo jogo e não
voltaria mais ao time. Pois Garrincha assumiu o comando da Seleção, fez quatro
gols – tornando-se um dos artilheiros do torneio – e voltou de Santiago com a
taça na bagagem. O jornal chileno “El Mercurio” resumiu o que foi a
participação dele na Copa com a manchete “De que planeta vem Garrincha?”
Em 1965, os problemas crônicos com os
joelhos já o impediam de jogar e Garrincha praticamente se despediu do
Botafogo. No ano seguinte foi para o Corinthians e depois para o Flamengo. Não
tinha mais, no entanto, a mesma ginga, o mesmo arranque. Dispensado, passou a
rodar atrás de clubes menores. Vestiu a camisa do Milionários, do Olaria e fez
vários jogos na várzea – nos quais ganhava algum dinheiro por partida. Sua
última apresentação com uma camisa 7 nas costas aconteceu de forma melancólica,
no Natal de 1982. Mané estava com 49 anos e jogou 20 minutos pelo Planaltina,
do distrito federal, contra um time sindical. Menos de um mês depois, no dia 20
de janeiro de 1983, morreu de crise depressiva e em função do porre que havia
tomado no Natal.
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