por Arnaldo Bloch
Jornal 'O Globo'
“E
ninguém cala / este nosso amoooooooor / e é por isso / que eu canto assim / é
por tio fogoooooo.
Faltam
cinco minutos para terminar o grande clássico, 2x0 para o São Paulo (com um
jogador a mais) estampado no novo e ilegível placar do Maracanã, o tricolor
paulista passando como rolo compressor, botando 5 cabeças na frente,
favoritismo alvinegro virando cinza.
E
eis que a torcida começa a cantar o hino B do glorioso (supracitado), ainda
virgem canção nascida nesta temporada, filhote de um cântico do Porto. Cantando
sem parar, emendando os versos, dal capa Fogão: a todo o peito a arquibancada
ovaciona a derrota indiscutível.
Nem
é daquelas exibições de gala que têm caracterizado o plantel de Cuca, nem
derrota de cabeça em pé, moral, nem festival de roubalheira para justificar.
Ao
contrário: o São Paulo dá show tático, aula de marcação, ópera de objetividade.
Tudo de ruim: Zé Roberto faz a maior falta, Dodô e André Lima navegam em
nulidades, Joílson não acerta uma, Túlio chuta a cara do adversário em jogada
perdida.
Mesmo
assim, a torcida vai à loucura, canta, corre pelas arquibancadas e, no ápice da
derrota, lá pelos 44, grita “olé” em uníssono a cada três passes certos.
“Olé”
a favor do perdedor em final de jogo perdido, e sem ironia, sem laivo de vaia,
sem revolta?
-
A torcida pirou digo atónito aos meus companheiros de arquiba e respectivas
mulheres e filhos, que, alheios à minha preocupação, pulam como índios
celebrando a nova caça.
Não
entendo nada daquilo, habituado que estou à cabeça baixa ao rarear o gás no
melhor da folia, e olha que anda rareando, Estadual, Copa do Brasil: “joga e
não ganha nada”, diz o coro dos secadores.
Resisto,
ao enxerga naquela euforia um patético espetáculo de fim de festa, de último
baile, gritos desesperado de adeus a uma ilusão, alegria preventiva à véspera
de sete anos de tristeza, dor-de-cotovelo disfarçada em histeria, reação
desmedida à frustração anunciada de mais um sonho a escorrer pelas mãos.
Mas
a festa continua e até as crianças sorriem espantando os maus presságios,
minimizando a tragédia, abrindo a mão do ódio e escolhendo o amor.
Estamos
lá, de pé, enchendo estádio, Engenhão nosso lá na esquina, dodoping não há-de ter sido nada, Zé Roberto pode ir-se às Arábias,
até Cuca pode sair, pis ninguém cala esse orgulho de ser Botafogo, e dane-se o
resultado, dane-se a liderança, dane-se o destino, somos por ti, na vitória ou
na derrota.
E
vejo enfim a luz: cego aos sinais do tempo, diagnosticara como doença de alma
sintomas que na verdade eram de saúde, de libertação, resultante histórica de
um êxodo sofrido, convergência de vidas, conjunção de experiências e valores,
marcha final de maturidade, salvação de um povo, cura de uma nação.
****************
Na
madrugada seguinte à festiva derrota vejo, em VT, o PC Vasconcelos (em debate
pré-jogo do qual participa também o Dapieve), dizer que a nova geração
alvinegra, a que não viu o jejum de 21 anos, é isenta dessas nóias típicas da
“geração do meio, da qual eu e Dapi fazemos parte. “Do meio” por estar
ensanduichada entre as gerações que viram Heleno, Garrincha, Didi, e essa nova
que, nascida da metade dos 80 para cá, viu (ou sentiu) a conquista de 89, a
cravada no Fla, o despacho no Santos, os estaduais.
Será
que o Botafogo virou mesmo um “time normal”? Se isto é verdade é motivo de
júbilo mas também de luto: “normal” é chato.
****************
Perguntam-me
se Arnaldo Branco é heterogéneo meu. Não. Arnaldo Branco, quadrinista de
primeira, é criador do genial Capitão Presença, autor do blog “Mau-humor” –
onde sói exercer direito (e quiçá dever) de me espinafrar – e colunista da
rezcém criada revista carioca “Zé Pereira”. E eu: reles xará.
Nota de Mundo Botafogo:
O belíssimo artigo de
Arnaldo Bloch data da época em que ‘Cuca’ era enaltecido como treinador do
Glorioso. Para mim, ‘Cuca’ era uma espécie de ‘garotão’ dos treinadores, muito
artístico nas jogadas de ataque e muito desastrado na organização da defesa.
Talvez nunca como nessa época o Botafogo tenha sofrido tantos gols (por
exemplo, 2x2, 3x3, 4x4, 5x3) e desiludido tanto quando parecia chegar à
praia e morria a três metros dela. E ‘Cuca’ evidenciava o seu semblante trágico
e pessimista que inspirou o ‘chororô’, emocionalmente legítimo mas
racionalmente inoportuno.
Escrevi em tempo útil
que ‘Cuca’ deveria sair do Botafogo, após o seu esquema tático que levou à
desclassificação para o River Plate, a sua demissão e a sua reentrada contra
todas as normas da racionalidade e, finalmente, a anunciada eliminação da Copa
do Brasil por um Corinthians abaixo da média. Disse, à época, que era o melhor
para o Botafogo perante um imaturo técnico que provavelmente poderia regressar
após alguns anos de amadurecimento. Creio que hoje, após um claro amadurecimento
forjado em desilusões que não esperava ocorrerem, ele, a torcida botafoguense e
o time fariam, finalmente, o trio perfeito. Cinco anos depois penso que ele
está apto para o Botafogo, tal como previ. Eu arriscaria votar nele para
treinador – o que não se coloca hoje porque quer ele quer Oswaldo Oliveira
parecem estar de pedra e cal nas suas equipas.
Estas notas vêm a
propósito do excelente artigo de Arnaldo Bloch que refere que a torcida pirou,
tal era a sua alegria mesmo perante a derrota para o São Paulo. Era o tempo em
que a torcida estava rendida ao alegre futebol de ataque introduzido por
‘Cuca’, quando tudo de bom se atribuía ao treinador, sem uma única crítica, e
tudo de mau era atribuído aos atletas – injustamente, porque se contra o River
Plate chamaram a equipa de ‘saltos altos’, a verdade é que foi a estratégia de
recuo tático de ‘Cuca’, a ganhar por 2x1, que fez a virada do placar a favor
dos argentinos por 4x2 – apenas um entre muitos erros táticos que fez ao longo
do tempo.
Estas linhas pretendem,
pois, reorientar o texto de Bloch para o contexto de grande reverência da
torcida a Alexis Stival – o ‘Cuca’ – e sublinhar que os ataques feitos aos
atletas, quer no jogo contra o River Plate quer no texto de Arnaldo Bloch,
deveriam, sobretudo, incluir o técnico. Não se deve, segundo os interesses de
cada qual, “dar uma no cravo e outra na ferradura”, isto é, o líder é sempre o
maior responsável pelo que ocorre com a sua equipa em todas as circunstâncias,
e o líder do time era ‘Cuca’. Mas, simultaneamente, esse texto, enquadrado no
contexto que referi, evidencia a importância dos símbolos e dos ídolos – e
‘Cuca’ era um símbolo e um ídolo capaz de ser minimizado na derrota, maximizado
na vitória e motor de alegria permanente na vitória e na derrota, não obstante
o seu perfil fatalista. Tal como ocorreu num passado recente com Loco Abreu e
atualmente com Seedorf, que conseguiram reanimar uma torcida desejosa de
simbologia e de ídolos, mesmo quando essa mesma torcida recebe ataques frontais
do técnico Oswaldo de Oliveira – o tal que afastou Loco Abreu e não queria
Seedorf na equipa devido à sua idade. Há quem nunca aprenda…
Por isso Arnaldo Bloch
pode ficar bem descansado quanto à nossa ‘normalidade’, porque na verdade não
queremos ser uns ‘chatos’. E não somos. Somos gente de liberdade e
criatividade. Ou não seríamos torcedores de um clube em que há coisas que só
lhe acontecem a ele.
2 comentários:
Rui,
Somos torcedores de um time que tem uma ESTRELA como símbolo!
Somos torcedores de um time que tem o escudo mais lindo do Mundo!
Somos diferenciados!
Abs e Sds, Botafoguenses!!!
Gil, tradicionalmente, as camadas sociais mais populares aderem ao Flamengo ou ao Vasco. Uma certa elite endinheirada é característica do Fluminense. O Botafogo agregou sempre os torcedores mais intelectuais e exigentes com o clube. Somos, sem dúvida, diferenciados.
Porém, para que esse traço permaneça depois de nós é necessário que o clube saiba atrair famílias com potencial intelectual de modo a que os seus filhos adiram ao Glorioso da Estrela Solitária e mantenham a tradição.
A caracterização 'grosseira' que fiz não é minha, mas de estudos de mestrado que consultei, um dos quais é da autoria de uma flamenguista.
Abraços Gloriosos!
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