quinta-feira, 7 de maio de 2009

Nilton Santos em preto e branco

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por António Falcão
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Para todos, Nílton dos Reis Santos ia longe, pois aos 14 anos era ídolo na carioca Ilha do Governador, onde nasceu em 16 de Maio de 1925. Mas - para ajudar ao pai, Pedro, pescador, e à mãe, Josélia, servente de escola - largou a ponta-esquerda da equipe adulta de Flexeiras, recanto humilde e nome do time do bairro. E foi ser garçom na cantina de um hangar norte-americano instalado na Ilha do Governador durante a II Guerra Mundial. Por extensão, Nílton também largou os estudos na terceira série do primeiro grau.

E em 1945, como recruta da Aeronáutica de 1,84 m de altura, ele gozava de regalias, pois era o meia-armador da equipe do quartel. Daí, assim que Nílton saiu da farda, o major Honório - goleador do time da caserna graças aos seus passes - levou-o ao Botafogo. E no campo alvinegro (atual estádio Nílton Santos), em General Severiano, o futebol do ilhéu convenceu ao técnico Zezé Moreira e ao presidente do clube, Carlito Rocha. Antes, Nílton fora ao Fluminense, mas, tímido diante de craques como Rodrigues e Ademir Menezes, desistiu e voltou à Ilha. Outra vez, jogando pela Aeronáutica, o São Cristóvão quis contratá-lo. Todavia, o seu protetor - major Honório (depois, brigadeiro) - aconselhou-o a não assinar contrato com time pequeno.


No Botafogo, Nílton Santos só estreou na equipe profissional em Março de 1948. E não no ataque, como queria, mas na lateral-direita, a pedido do presidente Carlito Rocha. O clube, já sem o magistral Heleno de Freitas, nesse ano seria campeão do Rio - título que não via desde 1935 -, com Nílton sendo o destaque da temporada. Em campo, pelo fino trato de bola, o ilhéu introduziu um novo estilo de ala: saber atacar - coisa que, hoje, raros laterais fazem com êxito. Depois, temporão, ele só se insinuou como craque aos 23 anos. E sem jamais ter sido juvenil, o que é raríssimo. Assim, quando venceu pela seleção brasileira o certame sul-americano de 1949, ninguém estranhou. Nem em 1950, ganhando o nacional de seleções estaduais pelo escrete carioca. E as Copas Rio Branco e Oswaldo Cruz de 1956, 1961 e 1962 pelo País. Ou sendo o suplente de Augusto naquela Copa do Mundo perdida no Brasil, em pleno Maracanã.

Nesses selecionados, Nílton Santos via o técnico Flávio Costa implicar com a sua chuteira de bico mole. E, calado, ouviu desse dono do futebol brasileiro de então: "Beque meu joga com chuteira de bico duro e não dribla" - aí, pensou o ilhéu, viva Bigode do carrinho! E Nílton ironizaria depois: "Só que eu, por não gostar de jogar na defesa, não aprendi a dar de bico. Por isso, fiquei na reserva com o protesto do Zizinho". Entretanto, a partir do campeonato pan-americano de 1952 - ganho pelo Brasil -, o botafoguense seria o titular do escrete brasileiro até 1962, com e sem Flávio Costa.


Em 1953, dois marcos para ele: a chegada de Garrincha ao Botafogo e o casamento com Abigail. O primeiro lhe deu alegrias, foi o seu compadre e amigo, "veio para nos ensinar a simplicidade... doar-se..., ser amado e sentido... É assim que eu prefiro vê-lo e é assim que o sinto" - disse do amigo no livro "Minha Bola, Minha Vida". O casamento dera-lhe o filho Carlos Eduardo. Em 1954, na Copa do Mundo na Suíça, Nílton viu o Brasil perdido, ignaro e patrioteiro no vestiário - vinguem os mortes de Pistóia! (uma referência à cidade italiana onde os soldados brasileiros lutaram na II Guerra Mundial). Ou, no túnel, sendo obrigado a beijar a bandeira: "Quem não o fizesse, seria estigmatizado pelo grupo, era comunista" - diz Nílton Santos nas memórias. Esse fiasco suíço sumiu em 1955, vencendo a Copa O´Higgins (idem em 1959 e 1961).

A seguir, ele ganhou a Taça do Atlântico (idem em 1960) e voltou com o escrete à Europa. Em 1957, ele quis Zizinho no Botafogo, mas o clube - porque Ziza chutara Biriba, um cão mascote do time - descartou e o Mestre foi para o São Paulo. Nesse ano, o alvinegro carioca teve João Saldanha como técnico, um supertime e o título. Foi aí que o radialista Waldir Amaral batizou Nílton Santos de "Enciclopédia do Futebol" - o cognome justo para o melhor lateral-esquerdo do século, assim reconhecido pela FIFA, em 1998.

Mas o seu auge foi vencer a Copa do Mundo na Suécia e ser visto como o melhor na sua posição desse certame, em 1958. No Chile, quatro anos adiante, o bicampeonato pelo Brasil. Ainda em 1962, o Botafogo repetiu o título carioca e venceu o torneio Rio-São Paulo - este, também em 1964, data em que o País perdeu a liberdade em um golpe de estado. E, no fim do ano, o Brasil também perdeu o prazer de assistir Nílton Santos atuando, pois ele decidira perdurar as chuteiras. Ao todo, o Enciclopédia do Futebol fez 729 jogos pelo Botafogo e 84 no selecionado brasileiro; com 11 gols assinalados pelo clube e 3 pelo escrete nacional.

No povo, a esperança que ele levasse a carreira adiante, indo além dos 40 anos. Porém, Nílton, que desde 1962 era quarto zagueiro, descobriu que a direção do Botafogo não retribuía a lealdade que ele tivera com o time ao firmar contratos em branco. E que isso era pretexto para conter o salário de outros jogadores. Depois, o Enciclopédia viu com tristeza Garrincha, no ocaso, ser maltratado no alvinegro que ajudara a construir. Aí disse basta antes que o seu contrato expirasse em Abril de 1965. Um cartola ainda rogou para ele ficar, recebendo por mês, como se jogasse. E, indignado, o artista se valeu do pedido doando os salários aos mais humildes funcionários do Botafogo, clube ao qual - "com espírito de amador", como escreveu em preto e branco - Nílton serviu, única e profissionalmente, por quase 18 anos.


Antes de sair das canchas, ele se arranjou no governo, gerindo os estádios do Rio de Janeiro. Depois, participaria de um órgão de apoio aos atletas, através do qual ajudara vários ex-craques. E na ex-Legião Brasileira de Assistência (LBA) decidiu ensinar futebol às crianças, desenvolvendo projetos de educação na periferia do Rio. Em contrapartida, o Enciclopédia aprendeu com a molecada a crua realidade social do País. Tanto que um menino lhe revelara em tom de gratidão: "Professor, quando parar um parente seu na avenida Brasil, em dia de chuva, mande falar no seu nome que a gente livra ele" - livra de ser assaltado, claro.

Nessa tarefa de trabalhar com crianças, Nílton assessorou prefeituras e entidades aptas a instalar escolinhas de futebol. Por isso, ele foi viver em Brasília, onde soube que no Estado de Tocantins, ao Norte do Brasil, um moderno estádio também estampa o seu nome. Mas, antes dessa lida com as crianças, Nílton Santos foi também técnico profissional dos Galícia e Vitória baianos, Bonsucesso carioca, São Paulo gaúcho e Taguatinga brasiliense. Além de ser duas vezes diretor de futebol do Botafogo carioca - na primeira, tendo Tim (para Zizinho, o melhor técnico brasileiro) como treinador. Afora o que fez, em 1980 Nílton pôs uma loja de material esportivo e, desastrado no comércio, quase faliu.

Tudo isso sem se afastar da segunda mulher, dos filhos - um deles do primeiro casamento - e da netinha Hanna, que faz dele o que ele fazia com a bola: o que quer... De melhor, o ex-lateral-esquerdo botafoguense ouve e fala bem dos amigos - isso lhe amolece a alma de cabelos brancos. Ou, comovido, quando ele lê que o finado jornalista Sandro Moreyra acresceu - faz tempo - ao título do disco Ella Fitzgerald interpreta Cole Porter: "com a mesma facilidade com que Nílton Santos joga futebol".

Fonte
http://www.contrapie.com/vercronicas.asp?ID=1975&idioma=3
[in António Falcão, "Os Artistas do Futebol Brasileiro"]

3 comentários:

Fernando Lôpo disse...

A história que eu conheço da não ida do Nílton pro flu é umn pouco diferente. Quando Nilton chegou em Laranjeiras, havia uma catraca, que ele nunca tinha visto. Quando olhou aquilo, deu meia-volta e não entrou no clube.

Grande Nílton!!

Ruy Moura disse...

Fernando, há tantas versões sobre certas coisas quenunca saberemos como aconteceram realmente.

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Rui,
Nilton dos Reis Santos, será este o nome correto de Nílton Santos?
Sendo filho de Pedro Luiz dos Santos e Josélia Costa dos Santos.

Saudações Alvinegras.

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