sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Futebol do Botafogo 1951-1960, de Carlos Ferreira Vilarinho


Alceu Mendes de Oliveira Castro é considerado por muitos como ‘mestre’, porque o seu grande amor ao Botafogo fê-lo anotar pormenorizadamente os resultados dos jogos de futebol do Glorioso e os acontecimentos mais importantes de ordem ‘política’ que atravessaram o Botafogo na 1ª metade do século XX, bem como as suas lutas contra federações, mídia e até clubes adversários.

Mestre Alceu dividiu o seu livro por anos civis e descreveu em cada ano o que de mais importante acontecera ao Glorioso, bem como uma síntese dos resultados dos jogos, dos marcadores dos gols e das equipas escaladas.

O autor cobriu magistralmente o Botafogo de 1904 a 1950 numa obra esgotadíssima e que somente se encontra em segunda mão em sebos, e a preços elevados. A família nunca concordou com uma reedição e somente alguns privilegiados possuem a obra, entre os quais felizmente me encontro eu.

Sempre senti a falta da continuidade da obra de Mestre Alceu, até que recebo a gentileza de Carlos Vilarinho que me brindou com o envio do seu recente livro, acompanhado de uma dedicatória: ‘O Futebol do Botafogo 1951-1960’.

Li de ponta a ponta: é a almejada continuidade da obra de Alceu Mendes de Oliveira Castro. Carlos Vilarinho adotou o mesmo modelo e mesclou as descrições dos jogos com os acontecimentos mais importantes do Botafogo e acrescentou, aqui e ali, subitamente, ligações ao que acontecia no país em termos políticos. No final de cada capítulo dedicado ao ano civil, Vilarinho incluiu as sínteses dos jogos do Glorioso em cada ano.

No conjunto saiu uma obra imprescindível, cuja 1ª edição cobre a vida do Glorioso entre 1951 e 1960. Vilarinho já tem mais duas edições na forja: 1961-65 e 1966-1970.

Numa linguagem tipicamente anglo-saxónica, de parágrafos sucintos e significantes, Vilarinho imprime uma dinâmica fortíssima à narração, porque a leitura envolve o leitor na própria narração. E com a mesma facilidade que envolve o leitor nas jogadas, Vilarinho muda subitamente de registro entre um jogo de quarta-feira e outro de domingo, narrando episódios de assuntos que estão a ser geridos pelo Botafogo ou outros novos acontecimentos de gestão, não poucas vezes relacionados a acontecimentos políticos do país.

É assim que, de uma forma aparentemente aleatória, mesclando a descrição dos jogos com a narração dos acontecimentos e com a pontuação de ocorrências no país, Vilarinho consegue manter um ritmo fortíssimo de leitura com mudanças frequentes de registros que levam o leitor de um lado a outro e varrem da leitura qualquer hipótese de descrições entediantes e repetitivas.

Além do mais, Vilarinho está dentro do livro: o seu envolvimento é total e toma partido. Partido sobre as ocorrências políticas, partido sobre os atos de gestão, partido sobre as jogadas e os resultados, usando sempre um adjetivo muito significante para catalogar o resultado das partidas. Isto é, Vilarinho não é consensual, não pode ser consensual. E essa não consensualidade certamente causará alguns desagrados entre alguns dos leitores que foram protagonistas reais das histórias narradas. Mas Vilarinho não cede um milímetro ao cinismo, à hipocrisia, ao apaziguamento; não é consensual, mas pretende justamente não sê-lo, assumindo a sua ‘individualidade coletiva’ sem qualquer condescendência ao ‘politicamente correto’. O autor é um investigador rigoroso, que pesquisou intensivamente os acontecimentos, mas não fica à margem deles: protagoniza-os como botafoguense apaixonado e dá-lhes uma coerência feita de emoções e razões.

Efetivamente, Vilarinho não é um botafoguense que só tece loas e jamais faz críticas negativas, pelo contrário: ele adjetiva, ele toma partido, ele avalia à luz da sua própria ideologia. Porque todos sabemos que não há livro algum fora de uma ideologia: o caminho que se escolhe para um livro, seja ele qual for, é ideológico; as obras que se pretendem despidas de ideologia, são embustes de uma ideologia bem definida. Vilarinho sabe, obviamente, que o real nunca se apresenta tal como é, que o real é construído num escrutínio que alcança muito mais do que a vista e por cada um de nós na interação com o Outro, e o Botafogo não é o real em si mesmo, mas sim um significante em mutação que carrega consigo opções e decisões de inúmeras gerações de botafoguenses que foram moldando um clube recheado de personalidade e ideologia própria – não um clube restrito a uma simples história cronológica que pontua os seus heróis e os seus mártires, como todas as histórias cronológicas de todas as nações, que na sua saga sempre elogiosa escondem o que não lhes convém e adulteram o que lhes interessa, mas uma história ciência, uma história analítica, uma história que constrói o real com todos os seus protagonistas e lhes dá a força da emoção e da crença num destino escolhido.

É desse modo profundo e interativo que Vilarinho nos descreve e analisa os acontecimentos, dentro e fora de campo.

“E o Botafogo ainda perderia quatro chances preciosas para virar. Paciência!”

“Escandalizado e sem outros afazeres o senador (…) foi à tribuna insurgir-se contra a revisão [da tabela de preços do Maracanã]. O Jornal dos Sports chamou-o de “sentinela”. O circo tinha de ser barato. Já o pão, não. Uma garrafa de cerveja custava 4,50 cruzeiros (dentro do Maracanã: 8,00). Um pão com mortadela? Quatro cruzeiros.”

“Garrincha prefere servir a Cañete, que vem na corrida e atira um canhonaço, vencendo Ary: 1x0. Um gol espetacular!”

“Você é Flamengo! Você é ladrão! Você não é homem!”

“O terror se abaterá sobre os partidários da…”

“Zizinho cobra e Lucas cabeceia sem chances, mas Joselias falha clamorosamente: 3x3. Triste!”

“A Rádio Globo foi atacada. Exemplares do jornal O Globo foram empilhados e incendiados nas ruas. Os carros da reportagem desse jornal foram virados.”

“Seguiu a linha demagógica dos que jogavam nas costas dos clubes a responsabilidade pelo custo de vida.”

“O apito atravessou o caminho do Botafogo.”

“Longe das arquibancadas o povo comemorava a consumação da sensacional vitória sobre as forças golpistas.”

“Garrincha manda Zagalo sentar na bola.”

“No tumulto, o bando do Barcelona apoderou-se da súmula e só a devolveu após o juiz expulsar todos os botafoguenses.”

 “Este cai para a direita e a bola entra à esquerda, mas batendo no seu pé esquerdo, sobe e cai atrás do gol. Inacreditável!”

“Dezenas de dirigentes de sindicatos operários foram presos pelo nazista Cecil Borer, chefe do setor trabalhista da DOPS.”

“Nos últimos minutos, o Real Madrid joga na defensiva, o que contribui para um domínio do Botafogo, que busca desesperadamente a vantagem, registrando-se dramáticas situações ante a meta madrilena.”

“Dino não mediu as palavras: Mas vejam vocês. Esse juiz chegou ontem, veio de longe e já é Flamengo. Assim, quem é que pode?”

“Vitória! Botafogo, cinquentão, outra vez, campeão!”

“Dali entrega de bandeja a Dino, vindo na carreira e colhendo de joelhos o couro: 5x1. Foi de encher os olhos!”

E ficamos a conhecer as mais variadas coisas sobre as quais Vilarinho discorre à velocidade da luz: os poemas de Nelson Cintra na sua coluna do Jornal dos Sports, as condecorações pessoais que Carlito Rocha rejeitou porque os ‘condecoradores’ haviam tratado mal o Botafogo, o partido político em que Garrincha era filiado e do qual fazia propaganda, as ‘jogadas’ da mídia e as lutas contra as transmissões de televisão sem cachê para os clubes, os bastidores das decisões do Glorioso, a ira de Zagalo contra Garrincha quando ainda vestia a camisa do Flamengo, os pormenores das garfadas dos juízes ao Botafogo, a confirmação de que Juscelino Kubitshek e Oscar Niemeyer eram botafoguenses, as revelações de um português apaixonado pelo Glorioso, as lutas contra o hino de Lamartine Babo em favor da preservação do verdadeiro hino oficial muito mais espetacular e engrandecedor, o sururu feito pelos catalães do Barcelona nosso freguês, o Real Madrid remetido à defesa defendendo um empate, as vitórias e as derrotas ao sabor da análise nua e crua e as expressões de tristeza e alegria sempre adjetivadas por Vilarinho.

Em suma, caríssimos leitores, um livro de não se ficar pelo desfolhar nos escaparates das livrarias: é comprar sem hesitação, ler acompanhado de um bom vinho generoso e fruir a intensidade de uma obra feita à medida do Glorioso, usando-a também com o instrumento de reflexão acerca dos destinos possíveis e desejáveis do clube que tanto amamos.

Algumas livrarias em que a obra está à venda: Livraria Saraiva, Livraria da Travessa, Livraria Siciliano, Livraria Folha Seca, Livraria Leonardo da Vinci, Livraria Cultura, Livraria Arlequim, Livraria Pontes, Livraria Livros na Internet. Também se vende nas lojas oficiais do Botafogo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Prezado Ruy,

Eu jamais conseguiria descrever o livro da maneira como você o fez. Eu apenas estudo e escrevo, sem uma intenção ou objetivo. Por isso, não tenho uma noção precisa da importância do livro. Mas uma coisa é certa: ficarei grato a você enquanto viver. Não escrevi o livro para defender teses acadêmicas. Os fatos são contados e falam por si mesmos, confirmando ou contrariando os nossos desejos de torcedor (e de militante político). Evidentemente, cada um seleciona os fatos de acordo com sua visão de mundo e seu engajamento, encadeando-os para argumentar, defendendo e atacando. É certo também que a escolha dos fatos (tanto quanto sua interpretação ao longo da narrativa) revela muita coisa do narrador. Como disse um mestre, "quem escreve se mostra".

Depois de tanto elogio, tomara que o leitor não se decepcione com o livro. Estou certo, por outro lado, que a narração dos jogos vai agradar bastante.

Permita-me chamar sua atenção para um pequeno erro de digitação (entre 1551 e 1960). Note outra coisa. Os clubes lutavam contra o televisamento direto dos jogos no Maracanã (mesmo pago) e o arrocho (tabelado) dos preços dos ingressos, primeiro porque afastavam o povo do estádio; segundo porque os levavam à falência.

Devo dizer também que o livro pode ser visto como um instrumento de propaganda e agitação a favor de uma determinada visão esportiva, justamente a defendida pelo Botafogo. Embora a narração não esteja subordinada a este ou aquele objetivo, ficaria satisfeito se os leitores (botafoguenses) passassem a conhecer a história concreta do seu Clube (que não deixa de refletir a história do Brasil). O livro é um documento histórico de uma facção esportiva. Portanto, não pretende obter o aplauso dos que odeiam o Botafogo.

Muito obrigado, mais uma vez.

Tudo de bom,

Carlos Vilarinho

Ruy Moura disse...

Meu estimado amigo, quem escreve é sempre um ideólogo, com ou sem consciência. Por isso seleciona os fatos à sua visão do mundo, mas faz mais: encadeia-os de uma forma específica, interpreta-os e conduz o leitor a determinados desideratos.

No meu caso concreto de leitor, o livro conquistou-me.

PS: Já emendei a gafe referida (1551 para 1951).

Abraços Gloriosos!

Gil disse...

Rui,

Agora chegou a minha vez de dizer que te invejo por teres a primeira obra de arte sobre o nosso Botafogo.
Já pesquisei e o livro do Alceu Mendes de Oliveira Castro é algo na casa de alguns mil reais, se encontrarmos!

Não deixarei passar essa oportunidade e agendei a compra do livro do Carlos Vilarinho.

Sempre fiz a comparação da história e jogos do Botafogo com a minha vida. Gosto disso e agora vou poder fazer com o nosso País e, melhor ainda, conhecer a política do clube.

Valeu Rui,
Valeu Carlos,

Abs e Sds, Botafoguenses!!!

Ruy Moura disse...

É isso que dizes, Gil. valor de mercado é de mil reais. E para mais não se encontra...

Abraços Gloriosos!

Gil disse...

Rui,

A última vez que pesquisei o livro do Alceu Castro, estava por R$ 1.700,00 (Um mil e setecentos reais).

Abs e Sds, Botafoguenses!!!

Ruy Moura disse...

Pois é, Gil, é caro. E aumenta à medida que escasseia mais nos sebos.

Abraços Gloriosos!

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