sexta-feira, 22 de maio de 2009

Estrela Solitária


por Flávio Carneiro

Numa crônica recente, intitulada “Esse nosso amor”, [o botafoguense Arthur] Dapieve comenta o espetáculo dantesco que teve como palco o Estádio dos Aflitos (o nome do estádio: ironia do destino?), em Recife, na partida Botafogo e Náutico pelo campeonato brasileiro. Aliás, você por favor me responda, caro leitor: algum jogador do seu time já foi preso em pleno gramado e levado à força por policiais pelo meio da torcida adversária? E caso isso tenha acontecido, o presidente do seu time foi atrás do jogador para protegê-lo e acabou preso também, como naquele jogo? Duvido.

Nessa crônica, Dapieve escreve: "tenho dois amigos jornalistas paulistas e são-paulinos que trabalharam no Rio de Janeiro durante algum tempo. Ambos se tornaram botafoguenses porque se assombraram com a nossa incrível concentração dramática. Eles dizem que em um ano de Botafogo acontece o suficiente para encher cinco anos do São Paulo. Sem os títulos, infelizmente".

Imprevisível

Se torcer para um time de futebol é sempre uma aventura, torcer para o Botafogo é um pouco mais do que isso. Nunca se sabe como vai acabar a partida, se é que vai acabar. Aliás, não se sabe exatamente nem como é que vai começar. Quer um exemplo? Essa aconteceu comigo. Em 1996, o time estava disputando a Taça Teresa Herrera, na Espanha, e ia jogar contra o Juventus, da Itália. Só consegui chegar em casa no início do segundo tempo e quando liguei a televisão vi o Juventus com sua camisa tradicional (com listras verticais, brancas e pretas) e o adversário (supostamente o Botafogo) de camisa azul!

Levei um tempo até entender aquilo. Parecia outro time. Mas não, lá estava o figuraça Túlio Maravilha, na sua vistosa camisa cor de anil. O que aconteceu: o árbitro achou que as camisas do Juventus e do Botafogo eram parecidas e fez um sorteio para ver quem mudava. O Botafogo foi o escolhido. Como não tinha levado uniforme reserva, pegou emprestadas as camisas do... La Coruña!

Agora me responda com sinceridade: é normal isso? E o Botafogo ainda foi o campeão do torneio! A valer a superstição - outro traço típico da torcida botafoguense - o time só deveria jogar de camisa azul, ou pelo menos só deveria disputar outras vezes esse torneio com camisa dessa cor.

Por curiosidade, resolvi investigar se isso já havia acontecido antes. Claro que não me surpreendi quando descobri que sim, várias vezes.

Alguns exemplos. Contra o Americano de Campos, em 1923, o time usou - repare bem - o segundo uniforme do Andarahy Athletico Club! Cor da camisa? Verde! Dez anos depois, mesma confusão de uniforme e o Botafogo novamente joga com camisas emprestadas, agora contra o Engenho de Dentro, entrando em campo com camisas vermelhas (dessa vez sequer se tem registro de quem emprestou o uniforme).

Em 1968, em pleno Maracanã (portanto com mando de campo naquela partida), o time entra com a tradicional camisa listrada, o Grêmio também (com a sua de cores preta, branca e azul) e quem é que vai mudar de uniforme? Adivinha. O Botafogo pega emprestadas as camisas azuis da Adeg (a associação desportiva do antigo estado da Guanabara).

Já na década de 70, o episódio se repete. O estádio é o mesmo Maracanã, o jogo é contra o Paissandu, de Belém. A Adeg agora virou Suderj, quer dizer, o nome é diferente mas a função continua a mesma: emprestar camisa para o Botafogo - dessa feita, amarelas!

Nave louca

Talvez por isso, por essa absoluta imprevisibilidade, o Botafogo seja, até prova em contrário, o time que mais combina com quem lida com literatura. Se você, meu amigo ou minha amiga, é poeta, contista, romancista ou exerce a crítica literária e ainda não tem time, não se acanhe: as portas estão abertas. Entre, aperte os cintos e se prepare para embarcar na nave louca!

Não era assim que pensava, por exemplo, o Paulo Mendes Campos? É dele a frase: "Enfim, senhoras e senhores, o Botafogo é um tanto tantã (que nem eu). E a insígnia de meu coração é também (literatura) uma estrela solitária".

E o Vinicius de Moraes? Diz ele que escolheu torcer pelo alvinegro por um muito nobre motivo: alguns nomes de ruas do bairro de Botafogo. Nomes sublimes, sugerindo belas senhoras: Bambina, Mariana, Clarisse.

Dizem que o poeta, em seus tempos de diplomata, conheceu em Los Angeles o magnata Mr. Buster, arquimilionário que se espantou quando o brasileiro decidiu abandonar o poder e a grana que lhe oferecia o cargo e voltar para o Rio. Mais tarde, Vinicius escreveria um poema criticando a vida de luxo de Mr. Buster e afirmando os motivos de sua decisão. Entre eles: torcer para o Botafogo.

E aí estão escritores contemporâneos que não me deixam mentir. De estilos e gerações variados, eles se espalham pelo país e até pelo exterior, como a Adriana Lisboa, botafoguense por herança paterna, materna e o que mais possa existir, e que hoje espalha a glória do clube no país em que futebol se chama soccer.

Agora, nem a Adriana nem o Luis Fernando Verissimo têm manias de torcedor, o que é digno de nota em se tratando de botafoguenses. Quer dizer, o Verissimo só não gosta de falar durante o jogo, mas o Verissimo não querer falar não chega a ser, convenhamos, uma grande novidade. O que é diferente, no caso, é que ele também não gosta que falem com ele enquanto o Botafogo (ou o seu Internacional) está jogando.

De manias o Jorge Viveiros de Castro diz que se livrou, depois de tantos anos e várias mandingas fracassadas. Tudo bem que continua roendo unha, xingando juiz, mandando algum jogador para aquele lugar, coisas assim, normais. Agora, mania não tem mais não. Cansou. Quer dizer, dia desses ele foi flagrado assistindo a um jogo do Botafogo, na televisão, encostado na parede e plantando bananeira. Jorge explicou que era apenas um exercício de ioga, para amenizar a tensão. Sei.

Estratégias

Fernando Molica é um botafoguense autêntico, o que equivale a dizer que não regula muito bem da bola (com o perdão do trocadilho). Repetir (ou não) determinada camisa, rezar para que, depois de um primeiro tempo ruim, algo o obrigue a mudar de lugar no estádio (não pode ser por vontade própria, tem que acontecer alguma coisa), variar (ou não) de amigos na arquibancada, pedir aos céus para ver, no dia do jogo, alguém com a camisa do Botafogo antes que apareça alguém com a camisa do adversário são algumas de suas, digamos, estratégias.

O historiador Raul Milliet Filho, autor de Vida que segue: João Saldanha e as Copas de 1996 e 1970, não gosta de ver jogo do Botafogo na televisão. Diz que prefere o estádio porque dali pode ter uma ampla visão do campo e analisar taticamente a partida. "Na televisão você o lance, mas não vê o jogo", justifica. Tudo bem, mas que pode haver algo estranho por trás disso, pode. Para alguém que jamais cruza as pernas quando está vendo jogo do Botafogo, tudo é possível.

Essas histórias todas levam a crer que, se dependesse de manias, o Botafogo seria campeão mundial todos os anos, com folga. E por que não é? Porque se trata de tolice, mera superstição, dirá você, leitor incrédulo. Pois tenho outra hipótese para a explicação do fenômeno: uma esquisitice atrapalha a outra. Isso mesmo, uma está anulando a outra. E são tantas que, claro, nos perdemos.

Faço aqui, portanto, nesse momento histórico, uma proposta que pode devolver ao alvinegro seus dias de glória: uma uniformização das manias. Se estão aí a querer uniformizar a língua portuguesa, que façamos também isso, nós que na história já trocamos tantas vezes de uniforme: uma gramática das manias botafoguenses. Sentar bem no meio do sofá: certo ou errado? Vestir a meia do avesso na véspera do clássico: certo ou errado? Entrar de lado na catraca do Maracanã: certo ou errado? Quem sabe funciona.

Fonte:
http://rascunho.rpc.com.br/

13 comentários:

Fernando Lôpo disse...

Muito bacana o texto, Rui. Gostaria de contribuir apenas com uma pequenina correção sobre o episódio de 1996, do uso da camisa do La Coruña.

A versão que ficou foi a de que o Botafogo não levou 2º uniforme. levou sim, era uma camisa preta com detalhes nos ombros, mas arrogante a Juventus recusou, disse que confundia. Sendo que cansamos de usar aquela camisa aqui no Brasil contra clubes de camisa listrada.

Há uma imagem do Botafogo de camisa preta, jogadores na beira do campo, o impasse e a troca de camisas.

Pena eu não achar um vídeo disso. Se achar, ponho aqui.

Abraços.

Ruy Moura disse...

Que cenas!... Este nosso Botafogo - sem querer ajuizar como bom ou como mau - é um caso sério de coisas únicas... E quando vejo coisas como um jogador, em duas finais sucessivas, fazer gol contra, só posso concluir que o Botafogo é mesmo um caso especial - porque isso deve ser caso único em todo o mundo.

Há pessoas que não gostam que se diga que há coisas que só acontecenm ao Botafogo. Não discuto essa opinião, respeito-a. Mas concordo inteiramente com o nosso poeta botafoguense Schmidt quando disse: "o Botafogo tem a vocação do erro".

Abraços Gloriosos!

andré rj disse...

Belíssimo texto, Rui!! Ser Botafogo é diferente mesmo e nos orgulhamos disso.
Fernando, exatamente, me lembro do time entrando em campo com a camisa preta com listras nos ombros. Ainda éramos patrocinados pela Pepsi. Nessa turnê pela europa pós título de 95, ainda vencemos os torneios de Valência (derrotando este time por 3x1 na final) e da Rússia (se não me engano ao bater o Dínamo de Kiev)

Saudações

André Lira

Impasse Livre disse...

O botafogo é dramático como uma intensa novela mexicana, é cômico como os trapalhões e romântico como os filmes de fred astaire... enfim, o botafogo é único e inigualável, mesmo aos olhos de um vascaíno como eu1 abs, belo post Ruy

Gil disse...

Rui,

SALVE O MEU, O SEU, O NOSSO BOTAFOGO!!!

Gostei da sugestão de padronizarmos as manias, quem sabe as conquistas voltem. (kkk)

Abs e Sds, BOTAFOGUENSES!!!

Ruy Moura disse...

André, realmente a excursão de 1996 foi o máximo porque obteve 100% dos objectivos: vencemos a Copa Nippon Ham (Osaka), em jogo único, derrotando o Cerezo Osaka por 3x1; vencemos o Torneio Presidente da Rússia derrotando o Auxerre por 3x1 e empatando com o Valência por 1x1; vencemos o Teresa Herrera batendoi o Deportivo por 2x1 e empatando por 4x4 com a Juventus, a qual vencemos nas penalidades.

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Bem visto, Leandro: cómico, dramático e romântico. O pior é que precisa de atualização, porque 'cómico', 'dramático' e 'romântico' são classificações do século XX...

Desejo que o meu Botafogo consiga futurar sem olhar para trás...

Abraços Alvinegros!

Ruy Moura disse...

Pois é, Gil, Será que mania padronizada nos inspiraria para arrumar um padrão de jogo para a equipa atual?... Tá precisando tanto...

Abraços Gloriosos!

Malu Cabral disse...

Salve, Rui!
Lindo texto...
A cada dia mais me orgulho em ser Botafogo!
Beijo grande!

Ruy Moura disse...

Verdade, Malu!

Beijos gloriosos!

Anónimo disse...

Boa noite, Rui!

Talvez mais um jogo em que o Botafogo não utilizou a sua camisa, a gloriosa alvinegra.

A notícia não foi confirmada após o jogo.

BOTAFOGO 1 x 3 ALIANZA LIMA

Data: 08 / 01 / 1966

Local: Estádio Nacional (Lima)

Árbitro: Enrique Montez

Competição: Amistoso

Botafogo: Manga, Joel, Zé Carlos, Paulistinha e Rildo (Dimas); Marcos e Gérson; Jairzinho, Sicupira, Bianchini (Roberto) e Afonsinho. Técnico: Admildo Chirol

Alianza Lima: Bazan, De La Veja e Lavalle; Guzmán, Barreto e Grimaldo; Martinez, Zegarra, Pedro “Perico” León, Rostaing e Valle. Técnico: Jayme de Almeida

Gols: Pedro “Perico” León (2), aos 3’ e 21’ (1° tempo); Pedro “Perico” León, aos 13’ e Jairzinho, aos 22’ (2° tempo)

Obs: 1) Segundo o “Jornal dos Sports” e o “Correio da Manhã” (de 08-01), o Botafogo vai jogar com a camisa amarela de treino. Porém após a partida não foi confirmada a informação pelos periódicos; 2) Pedro “Perico” León e Jairzinho foram expulsos.

Fontes: Correio da Manhã, Jornal dos Sports e O Globo


Saudações Botafoguenses.

Ruy Moura disse...

Obrigado pela informação, companheiro! Fica o registro de mais esse jogo a acrescentar às informações de Flávio Carneiro.

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Uma retificação no time do Alianza Lima: De La Veja por De La Vega. Ok? Obrigado.

BOTAFOGO 1 x 3 ALIANZA LIMA

Data – 08 / 01 / 1966

Local – Estádio Nacional (Lima)

Árbitro – Enrique Montez

Competição – Amistoso

Botafogo – Manga, Joel, Zé Carlos, Paulistinha e Rildo (Dimas); Marcos e Gérson; Jairzinho, Sicupira, Bianchini (Roberto) e Afonsinho. Técnico: Admildo Chirol

Alianza Lima – Bazán, De La Vega e Lavalle; Guzmán, Barreto e Grimaldo; Martinez, Zegarra, Pedro “Perico” León, Rostaing e Valle. Técnico: Jayme de Almeida

Gols – Pedro “Perico” León (2), aos 3’ e 21’ (1° tempo); Pedro “Perico” León, aos 13’ e Jairzinho, aos 22’ (2° tempo)

Obs: 1) Segundo o “Jornal dos Sports” e o “Correio da Manhã” (de 08-01), o Botafogo vai jogar com a camisa amarela de treino. Porém após a partida não foi confirmada a informação pelos periódicos; 2) Pedro “Perico” León e Jairzinho foram expulsos.

Fontes: Correio da Manhã, Jornal dos Sports e O Globo

Saudações Botafoguenses.

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