quinta-feira, 21 de março de 2013

Woody Allen é Botafogo!


Arnaldo Bloch, jornalista e escritor
Jornal ‘O Globo’, 13.10.2012

“Se eu sou um gênio, Rembrandt é o quê?” A frase, uma de suas preferidas em entrevistas, não é citada em “Woody Allen – Um documentário”, de Robert B. Weide, que esteve em cartaz no Festival do Rio. Mas é a síntese do que o filme revela: Allen vê sua obra como um conjunto medíocre, irregular, lotado de cenas que não funcionam, com raros achados artisticamente felizes.

Sua estratégia, ele confessa, é, sempre foi, fazer um filme atrás de outro na esperança de que, a cada três ou quatro temporadas, um deles caia no gosto do público ou da crítica, pois ambicionar à convergência é como acreditar num truque de mágica. Ou em vida após a morte. Ou em Deus.

Não importa que a ‘Time’ o tenha alçado a gênio da comédia nos anos 1970. Não importa que Scorcese veja o advento de uma revolução no cinema americano a partir de ‘Manhattan’. Não importa que cada ator o tenha como a uma divindade. Não importa. Pois ele mesmo, o autor, não enxerga essa grandeza. São, só, circunstâncias.

Quem acha que é só gênero vá assistir ao filme (vai ter repescagem) e deixe-se vencer pela argumentação de Allen. É um documentário feito sob medida não só para os fãs, que vão conhecê-lo mais e enfrentar algumas desilusões de tiete, mas, sobretudo, para quem odeia o cinema do judeu baixote de óculos.

Ele sabe direitinho o que conquistou e se diz sem motivos para reclamar. Realizou seus sonhos de menino: ser ator, filmar, ter controle sobre o conteúdo, ousar sempre que quisesse e tocar clarineta. Aceitou e aceita os fracassos às vezes fulgurantes como preço natural a pagar pela liberdade criadora e pelo direito a um ritmo de produção em série, obsessivo.

Mesmo quando esteve na lona, forças ocultas e algum cash o fizeram emergir. Hoje, prefeituras do mundo inteiro se digladiam por uma vaga nos seus “filmes de cidade”, que o tornaram um popstar globalizado après-la-lettre.

De bónus, casou com lindas mulheres e conseguiu a proeza de sobreviver artisticamente, psicologicamente e, para muitos, até moralmente ao escândalo de trair uma delas com a própria enteada e, depois, desposá-la e adotar filhos, formando uma família tradicional.

História que, nunca é de mais repetir, se ajustaria bem a uma comédia dramática a seu modo: sua vida, de fato, com os devidos ajustes de tom e se tempo, é como a de seus personagens.

Allen nunca deixou de sê-los, todos.

Nada disso significa que ele tenha grande apreço artístico pelo resultado. É um autor de tragédias frustrado que até hoje persegue as luzes e sombras de Bergman, Fellini, Shakespeare e os russos sob sua lente essencialmente americana, romântica, em permanente estado de guerra com o pessimismo da herança judaica, com auxílio luxuoso da psicanálise (como sistema de pensamento e como sistema de anedotas incessantes fornecidas pelo freudismo de massa).

Ele sabe que muitas das suas anedotas estão datadas. E que algumas delas sempre foram datadas e são tão rasteiras quanto seus momentos menos inspirados no stand up, quando só o público não via seu constrangimento com o material que usava para ganhar fama.

Acha-se um cineasta obreiro, industrioso mais que industrial, que tem altos e baixos, como a maioria, inclusive entre os supostos ‘gênios’ declarados que habitam o Sistema do Cinema. Ele sente-se como um desses equívocos. Sabe que não é Rembrandt.

Sua diferença para a média humana consiste no fato de que essa constatação não o fere: se sobrevive ao Universo em expansão e à existência sem sentido, que mal há em isolar cinco bolas antes de fazer um gol?

Woddy Allen gosta de NF mas é Botafogo, mesmo sem sabê-lo. Só um espírito alvinegro teria aversão ao Oscar. Allen crê em filmes preferidos, mas não num “melhor filme”.

Transformar a apreciação de arte num sistema de índices e hierarquias é algo, para ele, que desafia a lógica e mata o subjetivo. A excelência conferida por um Oscar é irreal. Como um tapete vermelho em Cannes:

“Ninguém em sua vida cotidiana veste um smoking e pousa para cem fotógrafos histéricos num tapete vermelho. Isso simplesmente não é real”, ele diz, num dos grandes momentos do filme.

A certa altura um fã se aproxima.
- Germany loves you.

Ele finge ouvifr o nome de uma mulher.
- Who? Gemma?

O alemão, com pureza corrige: “o país”.
- Ah, o país! Mas o país inteiro?

O tiete confirma, Allen replica:
- Isso é muita gente, não é?

A cena termina com o silêncio do fã, autômato desconstruído pelo golpe socrático do comediante. O fã, repetidor de scripts é como somos, todos, quase o tempo todo: figuras irreais e tristemente cômicas.

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