quarta-feira, 23 de abril de 2014

Jefferson versus Seedorf: quem tinha/tem razão?

Nossa relação [de Jefferson com Seedorf] era muito profissional. Até uma vez eu disse o seguinte: ninguém era obrigado a jantar na casa de ninguém, mas tinha que ter o respeito. O Seedorf chegou aqui no Botafogo e revolucionou. Pela postura, profissionalismo dele. Claro que a cobrança dele em certos momentos era muito forte. Mas é um cara chato para o bem. É que às vezes ele tentou mudar as coisas muito rápido. Acho que em três, quatro meses ele tentou mudar coisas que duraria talvez anos. Então acho que nisso que ele pecou. Mas com certeza ele acrescentou muito pro Botafogo, o Botafogo cresceu muito com a chegada dele. Claro que a gente peneirava muita coisa, mas ele acrescentou bastante.” – Jefferson, goleiro do Botafogo.

Comentário do Mundo Botafogo:

Aprecio muito o profissional Jefferson – o único craque do Botafogo que ombreava com Seedorf –, mas não sou fã da pessoa Jefferson – não obstante ele ser socialmente correto. Jefferson não só utiliza lugares comuns na sua linguagem como está profundamente errado em parte das suas apreciações, especialmente no que respeita a Seedorf. Era justamente Seedorf que estava absolutamente correto.

Seedorf sabia que ou se mudava rapidamente de postura ou nunca mais se mudaria. Isto é, em vez de ser coisa para mudar em anos, ele sabia que tinha que ser coisa para mudar em meses – sob pena de não ser mudada. O que Jefferson e os seus colegas claramente preguiçosos e sem vontade precisavam era de um balde de profissionalismo pela cabeça abaixo. Assim como outros dois baldes de profissionalismo se faziam sentir: um balde enfiado na cabeça do líder frouxo da comissão técnica e outro balde enfiado na cabeça do omisso e submisso presidente. O que Seedorf quis fazer – e realmente fez, embora ‘à força’ – foi introduzir profissionalismo no Botafogo. Profissionalismo nos seus líderes, no seu treinador e auxiliares, nos seus jogadores. Se estivermos à espera anos para mudar as coisas, como sugere Jefferson, não mudaremos nada.

E, contudo, nesta mesma semana, Jefferson afirmou que “temos, realmente, que mudar de atitude”. Ora, não era isso que Seedorf andava à procura para os atletas do Botafogo sem perda de tempo inútil? E não é isso mesmo que Jefferson criticou em Seedorf para logo em seguida reconhecer que o time tem que mudar de atitude? Em que ficamos?

Se estivermos anos à espera para mudar as coisas, como sugeriu Jefferson, como poderá ele pretender que o time “mude realmente de atitude”?

A prova mais cabal é que a diretoria não mudou nada em cinco anos e Seedorf conseguiu, em um ano, fazer o que durante 17 anos a incompetência e a falta de profissionalismo não conseguiram: acesso à Taça Libertadores. De tal modo se esforçou em mudar tudo para melhor que até chegou ao ponto de criticar a própria torcida do Botafogo – obviamente numa perspetiva positiva de ‘ligação’ da torcida ao time. E ligou-se, embora eu não tenha gostado dessa crítica de Seedorf. As assistências de público na Libertadores mostraram exatamente isso: os últimos reflexos de um Seedorf exigente que levou o Botafogo à Libertadores e apostava na ligação torcida-time, que os senhores Assumpção e Húngaro destruíram completamente em apenas três meses numa gestão sem rei nem roque onde os atletas fazem o que muito bem entendem. Dentro e fora de campo.

Bastou Seedorf sair para que a pressão desaparecesse e o time fizesse a figura que fez no Campeonato Carioca e na Taça Libertadores, estampando um Botafogo que tornou a ser a cara do seu incapaz presidente e do equivocado Eduardo Húngaro ao decidir ser treinador de futebol. E não venham dizer que é um problema de salários, porque esse problema já existia no tempo de Seedorf. A diferença é que Seedorf liderou os protestos dos jogadores justamente para contê-los e – como disse recentemente Mancini – exigindo que a dignidade estivesse à frente do dinheiro. E conseguiu manter o time jogando pela dignidade.

O que se passou realmente foi o confronto de duas mentalidades futebolísticas: a europeia e a sul-americana. A mentalidade europeia tem pouco ou nada a ver com a mentalidade sul-americana, e a verdade é que a mentalidade europeia recriou o futebol, modernizou-o e encheu os estádios de adeptos, estruturando equipas ao mais alto nível, de tal modo que nenhuma equipa sul-americana se compara aos 15 ou 20 melhores clubes europeus da atualidade – de acordo com todas as estatísticas produzidas atualmente. Enquanto a Liga dos Campeões é vista em todos os países do mundo por milhões e milhões de pessoas, e constitui a mais importante competição mundial de futebol de clubes, a Taça Libertadores é algo absolutamente abandonado nas prateleiras das televisões por esse mundo afora.

Foi o profissionalismo de Seedorf que nos levou à Libertadores. Foi por ele esbracejar dentro de campo com os jogadores e fora de campo também com o próprio treinador, que o Botafogo mudou durante uns meses – o que bastou para chegar à Taça Libertadores da América. Foi por ele manter uma relação “muito profissional” – como disse Jefferson ao referir-se à relação entre ambos – com todos os jogadores, comissão técnica e diretoria, que foi possível ganhar o respeito de todos e impor “imperativamente” as atitudes certas para o crescimento do time do Botafogo. Mas parece que a relação “muito profissional” não se dá com os jogadores do Botafogo, que certamente gostam mais de relações descomprometidas, tal como preferem o ‘rachão’, que é tecnicamente inútil, ao treino propriamente dito.

Seedorf saiu do Botafogo justamente devido a ser bloqueado por jogadores de hábitos pessoais muito ‘cadenciados’ e pouca produção profissional em campo, e por um presidente que Seedorf percebeu ser absolutamente incompetente para um projeto sério e capaz. Seedorf, o homem que mudou o Botafogo durante um ano, infelizmente não deixou legado, porque como o próprio Jefferson afirmou, “ele queria mudar tudo em meses e aí foi exagerado” – e nenhum jogador guardou os seus ensinamentos, porque só muda quem quer mudar, e estes jogadores só mudaram, contra vontade própria, enquanto foram pressionados e cobrados por Seedorf. Aliás, é típico dos medíocres: funcionam de maneira aceitável quando pressionados por um líder forte; deixam de funcionar quando o líder se afasta. Dito de outro modo à maneira proverbial portuguesa: “patrão fora, dia santo na loja”.

Como o patrão nº 1 – Assumpção – esteve sempre fora desde que assumiu funções para arruinar o Botafogo, e a/s diretoria/s que se perfilam como candidatas ao comando do Botafogo parece que nada irão acrescentar, então teremos um Botafogo medíocre por muitos e muitos anos. À espera que os anos mudem as coisas…

6 comentários:

Rodrigo Federman disse...

perfeito, Rui! O Jefferson como suposto "líder" de grupo é um excelente goleiro. E nada além disso. O Botafogo perdeu uma grande chance de dar um significativo passo a frente enquanto esteve com o Seedorf. Muito disso, por causa, inclusive, do boicote do Jefferson e demais acomodados.
Abs e SA!!!

Gil disse...

Rui,

E essa distância entre Sul Americanos e Europeus fica cada dia mais abissal!
Incrível como brasileiros não respeitam os direitos dos outros e o fazem e elogiam quando estão na Europa ou em qualquer país desenvolvido!
Incrível como não respeitam leis e o fazem quando estão no primeiro mundo!
Você não tem noção de como as pessoas do bem estão em pânico com os acontecimentos por essas terras. É um verdadeiro desmando e falta de exemplos e de autoridade pelos poderes constituídos!

Quanto ao Botafogo é o que você tão bem, mais uma vez, escreveu! Reflexo de tudo isso, além da péssima e incompetente presidência do Maurício Assumpção e de todos que tem o poder de mudar e não o fazem.

Jefferson reflete muito bem o que o brasileiro pensa e faz, ou seja, o discurso e pensamento são de mudanças, porém a atitude em fazer e aceitar é muito diferente, pois ameaça o conforto de cada um. Mudanças sem sacrifícios sabemos que nunca ocorreram e não ocorrerão!

Permita transcrever uma frase de uma felicidade ímpar em um publicação que o Marcelo postou no Fogo Eterno sobre a nossa torcida e que tem sido o melhor que temos esse ano:

“Time sem torcida? Nada disso. Torcida sem time, isso sim”.


Pobre do atual Botafogo!
Pobre de nós, Torcedores!


Abs e Sds, Botafoguenses!!!

Ruy Moura disse...

Muito bem lembrado, Rodrigo. O Jefferson foi um dos que bloqueou Seedorf publicamente e o fez ser menos interveniente. A partir daí o Botafogo começou a cair... Mas o fôlego do Seedorf ainda nos levou à Libertadores. Juntamente com Loco Abreu sõ os dois grandes craques do Botafogo/século XXI.

Abraços Gloriosos.

Ruy Moura disse...

Grande frase do Marcelo, Gil. Como diz o Rodrigo, como líder do grupo ele é um excelente... goleiro. Em vez de se ter aliado a Seedorf, formando uma dupla de respeito, ficou enciumado e bloqueou a mudança.

Com essa mentalidade num atleta do nível do Jefferson, significa que os clubes brasileiros não sairão da sua mediania durante muitos e muitos anos. Porque evidentemente que o Mundial de Clubes representa muito pouco e os europeus não se interessam por tal título. A maior competição do mundo de clubes é, disparadamente, a Liga dos Campeões Europeus.

Abraços Gloriosos.

Unknown disse...

Belo texto amigo, a chancela pra isso tudo foi dada pelo dentista ao tomarmos de 4 a 0 para o flamengo: tenho orgulho desse grupo! Precisa dizer mais?

Ruy Moura disse...

Pois é, até parece que ele se orgulha especialmente quando perdemos para os catarthiformes...

Abraços Gloriosos.

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