por Rafael Luís e Nicolau Araújo da Redação de O Povo
03/Agosto/2009
O Ceará perdeu na madrugada de ontem o mais antigo atleta da galeria de ídolos de Porangabuçu. Aos 94 anos, faleceu de infecção generalizada o ex-goleiro Adhemar Nunes Freire, o Pintado. O ex-atleta alvinegro foi sepultado com a bandeira do clube, no fim da tarde, no cemitério São João Batista, no Centro.
Nascido no mesmo ano da fundação do Ceará Sporting Club (1914), Pintado defendeu o Vovô entre as décadas de 30 e 40, sendo campeão em 31, 32 e 48, e sempre se orgulhou em ser torcedor alvinegro, mesmo quando se transferiu para o futebol carioca, onde defendeu Madureira e Botafogo – sagrou-se campeão carioca em 1935 pelo time de General Severiano. Professor de inglês, chegou a ocupar o cargo de diretor em algumas escolas de Fortaleza.

Campeão pelo Ceará Sporting Club em 1932: em pé – Ari Catunda, Afonsinho, Pirulito, Poeta, Nilo e Lira; agachados – Mundico, Liminha, Pintado, Viana, Farnum e Dandão.
Recentemente, lutava contra o câncer e há três anos passou a sofrer do mal de Alzheimer. Segundo a família, a última entrevista de Pintado foi concedida ao O POVO, em 2006. O relato, inédito, é publicado hoje:
O POVO – O senhor chegou a jogar numa época em que ainda não havia o profissionalismo, que só veio na década de 1930. Naquela época, o futebol cearense era muito diferente de hoje?
Pintado – Era tudo muito amador. Não há mais futebol como naquela época. Você jogava porque gostava. Muitos atletas saíam dos colégios, como foi o meu caso. Jogava pelo time da escola (Marista Cearense), sempre como goleiro. Hoje, o futebol perdeu aquela graça, é tudo muito profissional, sério demais.
OP – O senhor recebia salários dos clubes?
Pintado – Eu recebia dinheiro para jogar. Não era como é hoje, mas dava para me manter.
OP – A maioria dos jogadores de hoje vem de famílias pobres. Como era antigamente?
Pintado – Os jogadores vinham de origem variada, mas havia muitos de classe alta. Estes vinham dos colégios. Os outros não, começavam a jogar na rua e depois passavam para os clubes.
OP – Qual o motivo do seu apelido?
Pintado – Me deram por causa das minhas sardas.
OP – O senhor chegou a jogar quando ainda nem existia o PV, inaugurado em 1941. Jogar no campo do Prado era muito diferente?
Pintado – No Prado era muito empoeirado. Antes dos jogos, molhavam o campo com uma mangueira para que a gente pudesse jogar. Melhorava e não ficava lama não.
OP – Entre as décadas de 1930 e 1940 já havia a rivalidade entre Ceará e Fortaleza?
Pintado – O Maguary é que era o principal rival do Ceará até parar (em 1945, voltando depois entre os anos de 1972 e 1975 e neste ano). Era o mesmo que acontece hoje entre Ceará e Fortaleza. O Maguary era o time dos ricos e a rivalidade com o Ceará, que era popular.
OP – Mas chegava a haver brigas ou algo próximo disso, como vemos hoje?
Pintado – Não. Havia desentendimentos, rixas, mas nada muito sério. De qualquer forma, a gente sempre evitava participar desses acontecimentos. A gente procurava manter uma certa distância daquilo que acontecia entre torcedores e dirigentes adversários.
OP – O senhor chegou a jogar fora do estado, no Rio de Janeiro. O futebol lá era mais avançado do que aqui?
Pintado – Eu fui para o Rio de Janeiro e joguei no Botafogo e no Madureira. O futebol, lá, era mais avançado, tinha muitos bons jogadores.
OP – O senhor torcia para algum clube?
Pintado – Eu sempre torci Botafogo. Aqui, sou Ceará.
OP – O senhor possui 91 anos (na entrevista realizada em 2006), sendo apenas três meses mais novo que o Ceará. Como é a sua relação com o clube, do qual é considerado um dos maiores jogadores da história?
Pintado – Nasci no ano que surgiu o Ceará: 1914. É muito bom saber que joguei no time que torço. Sempre gostei muito do Ceará e é um prazer fazer história nele.
OP – Impressiona o fato de que, observando suas fotos nas equipes do Ceará mesmo na década de 1930, o senhor mantém uma fisionomia muito próxima de quando ainda era jogador.
Pintado – Eu praticava outros esportes além de futebol, sempre gostei. Tem até uma história curiosa. Eu tinha uma casa na praia, próximo ao (Clube dos) Diários (encerrou suas atividades na avenida Beira Mar em 2003), e, uma vez, quando estava andando na areia, salvei a vida de um homem que vi se afogando. Sempre gostei de nadar, de praticar esportes.
OP – O senhor ainda acompanha futebol?
Pintado – Fui a estádios poucas vezes.
***
Notas complementares do Mundo Botafogo:
1) Pintado foi o goleiro reserva do titular Alberto no campeonato carioca de 1935 (o do tetra), jogando contra o Bangu no dia 24/11/1935, tendo o Botafogo ganho por 6x4, com gols de Russinho (4), Canali e Martim [não há foto com ele na equipa]. Nesse jogo o Botafogo alinhou com Alberto (Pintado), Albino (Otacílio) e Nariz; Afonso, Luciano e Canali; Álvaro, Leônidas, Martin, Russinho e Patesko. [Fonte: Alceu Castro (1951): O Futebol no Botafogo (1904-1950), Rio de Janeiro, Gráfica Milone]
2) Pintado também foi campeão carioca juvenil em 1935 (FMD) pelo Botafogo. A equipa que empatou por 1x1 com o Vasco da Gama, conquistando o título, alinhou assim: Pintado, Olívio e Melado; Carlinhos, Maninho e Valladão; Aldo, Nílson, Lino, Napolitano e Vivi. O gol foi de Nílson. [Fonte: Jornal dos Sports]
Obrigado, Pintado!
Fontes
Acervo e pesquisa de Rui Moura
Acervo e pesquisa de Pedro Varanda
Artigo: http://www.opovo.com.br/opovo/esportes/898465.html
03/Agosto/2009
O Ceará perdeu na madrugada de ontem o mais antigo atleta da galeria de ídolos de Porangabuçu. Aos 94 anos, faleceu de infecção generalizada o ex-goleiro Adhemar Nunes Freire, o Pintado. O ex-atleta alvinegro foi sepultado com a bandeira do clube, no fim da tarde, no cemitério São João Batista, no Centro.
Nascido no mesmo ano da fundação do Ceará Sporting Club (1914), Pintado defendeu o Vovô entre as décadas de 30 e 40, sendo campeão em 31, 32 e 48, e sempre se orgulhou em ser torcedor alvinegro, mesmo quando se transferiu para o futebol carioca, onde defendeu Madureira e Botafogo – sagrou-se campeão carioca em 1935 pelo time de General Severiano. Professor de inglês, chegou a ocupar o cargo de diretor em algumas escolas de Fortaleza.

Campeão pelo Ceará Sporting Club em 1932: em pé – Ari Catunda, Afonsinho, Pirulito, Poeta, Nilo e Lira; agachados – Mundico, Liminha, Pintado, Viana, Farnum e Dandão.
Recentemente, lutava contra o câncer e há três anos passou a sofrer do mal de Alzheimer. Segundo a família, a última entrevista de Pintado foi concedida ao O POVO, em 2006. O relato, inédito, é publicado hoje:
O POVO – O senhor chegou a jogar numa época em que ainda não havia o profissionalismo, que só veio na década de 1930. Naquela época, o futebol cearense era muito diferente de hoje?
Pintado – Era tudo muito amador. Não há mais futebol como naquela época. Você jogava porque gostava. Muitos atletas saíam dos colégios, como foi o meu caso. Jogava pelo time da escola (Marista Cearense), sempre como goleiro. Hoje, o futebol perdeu aquela graça, é tudo muito profissional, sério demais.
OP – O senhor recebia salários dos clubes?
Pintado – Eu recebia dinheiro para jogar. Não era como é hoje, mas dava para me manter.
OP – A maioria dos jogadores de hoje vem de famílias pobres. Como era antigamente?
Pintado – Os jogadores vinham de origem variada, mas havia muitos de classe alta. Estes vinham dos colégios. Os outros não, começavam a jogar na rua e depois passavam para os clubes.
OP – Qual o motivo do seu apelido?
Pintado – Me deram por causa das minhas sardas.
OP – O senhor chegou a jogar quando ainda nem existia o PV, inaugurado em 1941. Jogar no campo do Prado era muito diferente?
Pintado – No Prado era muito empoeirado. Antes dos jogos, molhavam o campo com uma mangueira para que a gente pudesse jogar. Melhorava e não ficava lama não.
OP – Entre as décadas de 1930 e 1940 já havia a rivalidade entre Ceará e Fortaleza?
Pintado – O Maguary é que era o principal rival do Ceará até parar (em 1945, voltando depois entre os anos de 1972 e 1975 e neste ano). Era o mesmo que acontece hoje entre Ceará e Fortaleza. O Maguary era o time dos ricos e a rivalidade com o Ceará, que era popular.
OP – Mas chegava a haver brigas ou algo próximo disso, como vemos hoje?
Pintado – Não. Havia desentendimentos, rixas, mas nada muito sério. De qualquer forma, a gente sempre evitava participar desses acontecimentos. A gente procurava manter uma certa distância daquilo que acontecia entre torcedores e dirigentes adversários.
OP – O senhor chegou a jogar fora do estado, no Rio de Janeiro. O futebol lá era mais avançado do que aqui?
Pintado – Eu fui para o Rio de Janeiro e joguei no Botafogo e no Madureira. O futebol, lá, era mais avançado, tinha muitos bons jogadores.
OP – O senhor torcia para algum clube?
Pintado – Eu sempre torci Botafogo. Aqui, sou Ceará.
OP – O senhor possui 91 anos (na entrevista realizada em 2006), sendo apenas três meses mais novo que o Ceará. Como é a sua relação com o clube, do qual é considerado um dos maiores jogadores da história?
Pintado – Nasci no ano que surgiu o Ceará: 1914. É muito bom saber que joguei no time que torço. Sempre gostei muito do Ceará e é um prazer fazer história nele.
OP – Impressiona o fato de que, observando suas fotos nas equipes do Ceará mesmo na década de 1930, o senhor mantém uma fisionomia muito próxima de quando ainda era jogador.
Pintado – Eu praticava outros esportes além de futebol, sempre gostei. Tem até uma história curiosa. Eu tinha uma casa na praia, próximo ao (Clube dos) Diários (encerrou suas atividades na avenida Beira Mar em 2003), e, uma vez, quando estava andando na areia, salvei a vida de um homem que vi se afogando. Sempre gostei de nadar, de praticar esportes.
OP – O senhor ainda acompanha futebol?
Pintado – Fui a estádios poucas vezes.
***
Notas complementares do Mundo Botafogo:
1) Pintado foi o goleiro reserva do titular Alberto no campeonato carioca de 1935 (o do tetra), jogando contra o Bangu no dia 24/11/1935, tendo o Botafogo ganho por 6x4, com gols de Russinho (4), Canali e Martim [não há foto com ele na equipa]. Nesse jogo o Botafogo alinhou com Alberto (Pintado), Albino (Otacílio) e Nariz; Afonso, Luciano e Canali; Álvaro, Leônidas, Martin, Russinho e Patesko. [Fonte: Alceu Castro (1951): O Futebol no Botafogo (1904-1950), Rio de Janeiro, Gráfica Milone]
2) Pintado também foi campeão carioca juvenil em 1935 (FMD) pelo Botafogo. A equipa que empatou por 1x1 com o Vasco da Gama, conquistando o título, alinhou assim: Pintado, Olívio e Melado; Carlinhos, Maninho e Valladão; Aldo, Nílson, Lino, Napolitano e Vivi. O gol foi de Nílson. [Fonte: Jornal dos Sports]
Obrigado, Pintado!
Fontes
Acervo e pesquisa de Rui Moura
Acervo e pesquisa de Pedro Varanda
Artigo: http://www.opovo.com.br/opovo/esportes/898465.html
3 comentários:
Sensacional. Dessa eu não fazia ideia. Muito boa a matéria.
Tem mais gente importante aí nessa faixa etária que anda esquecida e ninguém faz nada. Depois só lembram quando a pessoa sobe, mas aí já é tarde.
Abraços.
Pois e, Fernando. Sempre que consigo localizar estas coisas publico.
Abraços Gloriosos!
saudades eternas do meu avô(Ademar Nunes Freire/Pintado)... de:Guilherme Marques Freire Filho.
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