[Paulo
Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas, interpretando os protagonistas pelos
quais assina; as crônicas publicadas no Mundo Botafogo são uma gentileza do
autor.]
por Otacílio Batista do Nascimento, o Tarzan*
Quem me trouxe a novidade foi João Ignácio Müller. Médico competente,
gostava de brigas e polêmica. Muita polêmica. A torcida do Botafogo fizera uma
adaptação de uma música do Sidney Magal. Apesar de cantar bem, Jim andava sem
muito fôlego. Antes de subir aos céus, Jim passara muito tempo deitado. Isso
afetara os seus pulmões. Mas isso não impediu que ele cantarolasse o hit das
arquibancadas. “Fogo, eu te amo! Fogo, eu te amo meu amor! Fogo eu te amo! O
meu sangue ferve por você”. Achei a ideia até boa. Mas até hoje não entendo
como abreviaram o nome do Glorioso. Fogo, dito assim, simplesmente, parece
grito de socorro aos bombeiros. Comigo não era assim; me lembro até de um
entrevero com um torcedor por conta desse grito de guerra. Magrinho, teimava em
gritar “Fooooogo! Fooooogo!”, insistia Jorge Maumau. Um dia me enchi dele e ele
se encheu do meu pulso forte. Foi com uns amigos assistir o jogo atrás do gol.
E assim nascia o Poder Jovem. Mas como o meio era o fim, logo logo fizemos as
pazes.
Fui
morar em Belo Horizonte. Morri longe do Botafogo, mas a tempo de assistir, pela
TV Manchete, o fim do jejum, em 1989. Com a chegada de João Ignácio Müller e,
dois anos antes, do Luiz Mendes e do Guilherme Arinos, voltei a acompanhar meu
clube de coração. Por aqui há uma grande vantagem. Do alto vemos o jogo e não
precisa se gastar nada. Poxa, até hoje me perguntam por aqui como conseguia
tanto dinheiro para comprar morteiros que soltávamos quando o time entrava em
campo. O que gasto com meu clube recebo em dobro, multiplicado. Mais vale uma
satisfação de uma vitória do que dinheiro juntado. Não sei bem o que me deu. O
que sei é que bateu uma saudade danada. E, como naquelas caravanas que
organizava em jogos fora do Rio de Janeiro, me planejei. O Luis Mendes Junior,
recém-chegado por aqui, me vê arrumando as trouxas: morteiros, cabeção de nego.
Rapaz, você não vai conseguir entrar com nada disso, me alerta. O Maracanã deve
ter virado programa de classe média alta. Não se vê mais banguelas, homens do
povo, pobres, arrisca Saldanha.
Muitos estranharam um jogo na terça. Oldemário, sempre bem informado – é
chefe de redação do Diário de Pedro – esclareceu que as partidas da
Libertadores acontecem de terça a quinta. Ainda bem que era jogo de uma torcida
só. Sem riscos para arrumar alguma confusão. Confusão mesmo só quando tentei
entrar com os morteiros, Quem mandou não seguir o conselho do filho do Luiz
Mendes? Quase parei no Gecrim. Só não fui preso porque me desmaterializei. Só
reapareci num camarote. Do meu lado, o embaixador Luiz Felipe Lampreia não
disfarçava o nervosismo. Abandonara a frieza diplomática. Pra matar o tempo,
mexia a toda hora no celular. A cada erro de passe lá vinha ele com o
saudosismo. Meu pai, disse ele, me levava a jogos, até no exterior. Que goleiro
é esse, perguntei. A cada chute contra nossa meta, um milagre. Ufa! Acabou: 1 a
0 nos rosinhas do independiente del valle. Com a rapidez comum aos fantasmas,
fui o primeiro a alcançar a rua. Pra beber uma cachaça que aliviaria minha
tensão. E pra soltar os morteiros que eu deixara malocado no pé de uma
amendoeira.
* Otacílio Batista do Nascimento foi, nos anos 60, chefe da torcida do
Botafogo.
Nota do editor:
O texto acima mistura um pouco de realidade e muita ficção.
Bibliografia:
2 comentários:
Realmente muita ficção. Tenho quase todo roteiro deste que foi pioneiro do Norte de Minas pra conquistar os corações dos cariocas. Otacílio Batista levou uma vida de altos e baixos. Até morrer voltando de sua terra, Grão Mogol.
É uma lenda,uma das maiores lendas do Botafogo!
Abraços Gloriosos.
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