terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sem campo, sem sede e com 12 sócios pagantes em 1912!

O drama do Botafogo ao abandonar a Liga em 1911 não se ficou apenas por aí. O ano seguinte foi um verdadeiro calvário e confrontou o Botafogo com a eminência da sua extinção. Segundo uma testemunha privilegiada da época, o Botafogo “sobreviveu graças à dedicação fanática e ao heroísmo de um pequeno grupo de sócios, comandado pela figura inesquecível do abnegado Herman Palmeira, cuja residência (…) passou a servir de sede ao clube”. (Castro, 1951: 72).

Foi precisamente no drama do abandono da Liga e no calvário subsequente que o Botafogo formou a sua mística, a qual faz do botafoguense, como reconhece Mário Filho, um torcedor diferente dos outros, “dedicado até ao sacrifício ao pavilhão de seu clube, seja qual fôr a situação, esteja êle altaneiro no mastro da vitória, ou paire nos campos da desgraça” (Castro, 1951: 72).

Em 1911 o Botafogo aguentou-se bem, jogando com os clubes paulistas e retirando renda ao campeonato carioca. E foi precisamente na partida contra o Germânia que se estreou o extraordinário Carlos Martins da Rocha, o Carlito Rocha, jogando como goleiro dos segundos quadros na vitória de 2x0 sobre os paulistas. Porém, 1912 foi um ano terrível.

No final desse ano, o proprietário do terreno que constituiu o primeiro estádio do Botafogo, na rua Voluntários da Pátria, decidiu não renovar o aluguer e o clube ficou sem campo. Em menos de quase nada o Botafogo desligou-se da Liga, ficou sem campo e sem sede, sem dinheiro e sem presidente por renúncia ao cargo e reduzido a… 12 sócios pagantes! (depoimento de Flávio Ramos ao Boletim do Botafogo de Futebol e Regatas, Março de 1948)

Foi nestas circunstâncias que o Botafogo fundou, com clubes mais modestos, a Associação de Football do Rio de Janeiro, entidade registada na Federação Brasileira de Futebol. Nesse ano, jogando num modesto campo da Rua São Clemente, o Botafogo arrecadou o título contabilizando nove vitórias em dez partidas. Era o seu terceiro título.

O núcleo duro de botafoguenses não cogitava sequer a extinção, mas numa partida no campo do Fluminense ouviram-se comentários risonhos de tricolores que na arquibancada diziam que o Botafogo morrera, que o Botafogo acabara. Foi quanto bastou.

Rapidamente se formou uma Comissão composta por Alfredo Couto, Paulo Martins, Eduardo Alexander, Luiz Rebelo e Eduardo Mota Júnior, que ‘decidiu’ que um local abandonado e pertencente à Saúde Pública seria a nova casa do Botafogo. Mesmo sabendo-se que o Governo pretendia erguer aí a Universidade Brasil, estes ilustres botafoguenses interferiram nas esferas do poder e Rivadávia Corrêa, Ministro da Justiça, acedeu a alugar o terreno por 300 mil-réis mensais.

Foi assim que o clube se instalou em General Severiano, tomando posse do terreno a 23 de Junho de 1912, içando a bandeira brasileira ao som do hino nacional. Somente em 1913 é que o Botafogo reintegrou a Liga, por iniciativa do representante do Flamengo, Alberto Borgerth, e de sectores da imprensa que desejavam reforçar a competitividade do campeonato carioca. A saudação do Jornal ‘O Imparcial’, de 23 de Janeiro de 1913, é muito clara sobre isso:

“Incontestavelmente, a volta do Botafogo ao seio da Metropolitana traz o enthusiasmo e faz reviver o nosso quase decaído football.”

Foram tempos dramáticos de verdadeiro desafio à têmpera dos botafoguenses, mas o depoimento de Benjamin Sodré em 1941 mostra bem que clube iria ser aquele (Boletim do Botafogo Football Club, Outubro de 1941):

“Completamente isolados, sem campo, sem séde, sem organização (…). Entre sacrifícios ináuditos, jogamos em grounds que mais eram capinzais (…) e que nas épocas chuvosas se transformavam em charcos. (…) Nesse ínterim, alguns clubes cercavam por todos os lados alguns do nosso onze. (…) Não! Era sempre a resposta. (…) Todos suportaram com spartano heroísmo o sacrifício. (…) Após um ano de afastamento, naquela vida extravagante de incerteza, sem esperança, num exemplo singular de fidelidade, o Botafogo se apresentava em campo com o seu team intacto. Ninguém desertara!”

Foi com esta têmpera que a estóica equipa do Botafogo, constituída por Álvaro, Dutra, Ernesto Pullen, J. Couto, Rolando, Pino, Vilaça, Abelardo Delamare, Facchine, Mimi e Lauro Sodré, inaugurou o novo estádio, a 13 de Maio de 1913, vencendo o Flamengo por 1x0 numa partida oficial, com gol de Mimi Sodré.

Fontes principais
Augusto, Sérgio (2004), Botafogo – Entre o Céu e o Inferno, Rio de Janeiro: Editora Ediouro
Castro, Alceu Mendes de Oliveira (1951), O Futebol no Botafogo (1904-1950), Rio de Janeiro: Gráfica Milone

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