
O Botafogo e o América encontraram-se na tarde de 25 de Junho de 1911 para disputar uma partida de futebol relativa ao campeonato carioca. O jogo é difícil, o América ganha por 1x0 e usa da violência para travar os campeões cariocas de 1910, mas o empate de 1x1 chega na segunda parte. Então, o América recrudesce a violência, Flávio Ramos recebe uma violenta falta de Gabriel de Carvalho, Abelardo intervém e aconselha o companheiro a reagir, mas Gabriel insulta o adversário e Abelardo dá-lhe um forte bofetão.
O campo é invadido pela assistência e a muito custo se reata o jogo, que termina empatado. Porém, no final do jogo, a confusão estabelece-se novamente e “Flávio Ramos chega a desarmar um celerado que empunhava um revólver!” (Castro, 1951: 66).
O Glorioso une-se em torno de Abelardo Delamare e reage solidariamente, mas a Liga suspende Abelardo Delamare por um ano, Adhemaro Delamare por seis meses, censura os capitães de ambas as equipas por terem admitido jogo violento, censura os dirigentes do Botafogo por não evitarem o conflito e o agressor do América que iniciou o conflito, Gabriel, é suspenso por… trinta dias!
O Botafogo, apesar de campeão e à beira de obter o seu primeiro bi-campeonato, abandonou a Liga para ficar ao lado do seu jogador. Décadas depois, Mário Filho dedicava uma coluna a este Botafogo sob o título de ‘O Clube de Capa-e-Espada’.
O famoso jornalista, que deu nome ao Maracanã, interroga (Filho, 1947): “Qual era o clube capaz de largar uma Liga, sem outra Liga para ir, por causa da suspensão de um jogador? Aconteceu isso em 1911, justamente no ano em que o Fluminense preferiu perder um time a deixar de ser o que era, isto é, o Fluminense. O Botafogo fez o contrário, para continuar mais Botafogo do que nunca.”
Na verdade, o bofetão de Abelardo em Gabriel não foi o de um jogador noutro, mas o bofetão de um clube inteiro. Todos se solidarizaram e recusaram aceitar a punição de um único companheiro. O extraordinário campeão abandonou a competição estadual e foi jogar na ‘pedreira’, mas Mário Filho imortalizou-o quando escreveu, na sua coluna do Jornal dos Sports, que “aquele gesto, que seria de indisciplina, serviu para mostrar um dos mais belos traços do Botafogo.”
Ao sair da Liga o Botafogo arriscava a perder os seus fantásticos jogadores, já que era o clube campeão de 1910 e que havia realizado uma revolução no futebol carioca. Qualquer clube quereria os jogadores do Botafogo, mas o Glorioso não perdeu um único jogador. Continuaram a jogar na ‘pedreira’ e mantiveram o mesmo entusiasmo e a mesma dedicação. “Eram uns Dom-Quixotes os jogadores do Botafogo” (Filho, 1947).
O jornalista escreveu que “o que decidiria qualquer outro clube a mudar de rumo tornou ainda mais irredutível o Botafogo.” É por isso, continua Mário Filho, que “muita gente não entendeu o Botafogo. É que se queria julgar o Botafogo pelos padrões normais. Como se ele fosse um clube igual aos outros.”
E não era. Mário Filho assegura que o Botafogo “foi o único clube que nasceu rapaz. Os outros, pelo menos, procuraram nascer homens.” Em 1911 o Botafogo significava uma união de rapazes que pela honra punham em jogo a própria vida, como se fossem um só. E “Abelardo De Lamare era um deles, era eles também, era o Botafogo.”
Porém, o drama não tolheu as hostes do Botafogo, “a única flor retardatária de capa-e-espada que surgiu depois dos 1900” (Filho, 1947). Talvez por isso três dos maiores clubes paulistas se solidarizaram com o Botafogo: o A. A. das Palmeiras, o S. C. Americano e o S. C. Germânia. Estes clubes mantiveram “o intercâmbio com o campeão carioca, competindo com seus primeiros e segundos quadros, em uma inovação interestadual nunca vista” (Castro, 1951: 66).
E o Botafogo continuou, orgulhoso como um Grande de Espanha, a jogar na ‘pedreira’ e a competir com clubes importantes de São Paulo até cumprir a sua pena. Mário Filho registou que “realmente chega a comover um encontro assim com D’Artagnan no século XX. Não é possível, dirão uns, e eis o Botafogo.”
Após a Tragédia da Piedade, que revelou o corajoso Dinorah, o drama da auto-suspensão dos campeões marcou um destino ao Botafogo, o qual se estende até aos dias de hoje e vinca o perfil dos seus torcedores (Filho, 1947): “Ser Botafogo é escolher um destino e dedicar-se a ele. Não se pode ser Botafogo como se é outro clube. É preciso ser de corpo e alma”.
O artigo integral de Mário Filho pode ser lido em http://geocities.com/beijospratorcida/capa.htm
Fontes principais
Augusto, Sérgio (2004), Botafogo – Entre o Céu e o Inferno, Rio de Janeiro: Editora Ediouro
Castro, Alceu Mendes de Oliveira (1951), O Futebol no Botafogo (1904-1950), Rio de Janeiro: Gráfica Milone
Filho, Mário (1947), “O Clube de Capa-e-Espada”, Jornal dos Sports, 12 de Agosto e em http://geocities.com/beijospratorcida/capa.htm
O campo é invadido pela assistência e a muito custo se reata o jogo, que termina empatado. Porém, no final do jogo, a confusão estabelece-se novamente e “Flávio Ramos chega a desarmar um celerado que empunhava um revólver!” (Castro, 1951: 66).
O Glorioso une-se em torno de Abelardo Delamare e reage solidariamente, mas a Liga suspende Abelardo Delamare por um ano, Adhemaro Delamare por seis meses, censura os capitães de ambas as equipas por terem admitido jogo violento, censura os dirigentes do Botafogo por não evitarem o conflito e o agressor do América que iniciou o conflito, Gabriel, é suspenso por… trinta dias!
O Botafogo, apesar de campeão e à beira de obter o seu primeiro bi-campeonato, abandonou a Liga para ficar ao lado do seu jogador. Décadas depois, Mário Filho dedicava uma coluna a este Botafogo sob o título de ‘O Clube de Capa-e-Espada’.
O famoso jornalista, que deu nome ao Maracanã, interroga (Filho, 1947): “Qual era o clube capaz de largar uma Liga, sem outra Liga para ir, por causa da suspensão de um jogador? Aconteceu isso em 1911, justamente no ano em que o Fluminense preferiu perder um time a deixar de ser o que era, isto é, o Fluminense. O Botafogo fez o contrário, para continuar mais Botafogo do que nunca.”
Na verdade, o bofetão de Abelardo em Gabriel não foi o de um jogador noutro, mas o bofetão de um clube inteiro. Todos se solidarizaram e recusaram aceitar a punição de um único companheiro. O extraordinário campeão abandonou a competição estadual e foi jogar na ‘pedreira’, mas Mário Filho imortalizou-o quando escreveu, na sua coluna do Jornal dos Sports, que “aquele gesto, que seria de indisciplina, serviu para mostrar um dos mais belos traços do Botafogo.”
Ao sair da Liga o Botafogo arriscava a perder os seus fantásticos jogadores, já que era o clube campeão de 1910 e que havia realizado uma revolução no futebol carioca. Qualquer clube quereria os jogadores do Botafogo, mas o Glorioso não perdeu um único jogador. Continuaram a jogar na ‘pedreira’ e mantiveram o mesmo entusiasmo e a mesma dedicação. “Eram uns Dom-Quixotes os jogadores do Botafogo” (Filho, 1947).
O jornalista escreveu que “o que decidiria qualquer outro clube a mudar de rumo tornou ainda mais irredutível o Botafogo.” É por isso, continua Mário Filho, que “muita gente não entendeu o Botafogo. É que se queria julgar o Botafogo pelos padrões normais. Como se ele fosse um clube igual aos outros.”
E não era. Mário Filho assegura que o Botafogo “foi o único clube que nasceu rapaz. Os outros, pelo menos, procuraram nascer homens.” Em 1911 o Botafogo significava uma união de rapazes que pela honra punham em jogo a própria vida, como se fossem um só. E “Abelardo De Lamare era um deles, era eles também, era o Botafogo.”
Porém, o drama não tolheu as hostes do Botafogo, “a única flor retardatária de capa-e-espada que surgiu depois dos 1900” (Filho, 1947). Talvez por isso três dos maiores clubes paulistas se solidarizaram com o Botafogo: o A. A. das Palmeiras, o S. C. Americano e o S. C. Germânia. Estes clubes mantiveram “o intercâmbio com o campeão carioca, competindo com seus primeiros e segundos quadros, em uma inovação interestadual nunca vista” (Castro, 1951: 66).
E o Botafogo continuou, orgulhoso como um Grande de Espanha, a jogar na ‘pedreira’ e a competir com clubes importantes de São Paulo até cumprir a sua pena. Mário Filho registou que “realmente chega a comover um encontro assim com D’Artagnan no século XX. Não é possível, dirão uns, e eis o Botafogo.”
Após a Tragédia da Piedade, que revelou o corajoso Dinorah, o drama da auto-suspensão dos campeões marcou um destino ao Botafogo, o qual se estende até aos dias de hoje e vinca o perfil dos seus torcedores (Filho, 1947): “Ser Botafogo é escolher um destino e dedicar-se a ele. Não se pode ser Botafogo como se é outro clube. É preciso ser de corpo e alma”.
O artigo integral de Mário Filho pode ser lido em http://geocities.com/beijospratorcida/capa.htm
Fontes principais
Augusto, Sérgio (2004), Botafogo – Entre o Céu e o Inferno, Rio de Janeiro: Editora Ediouro
Castro, Alceu Mendes de Oliveira (1951), O Futebol no Botafogo (1904-1950), Rio de Janeiro: Gráfica Milone
Filho, Mário (1947), “O Clube de Capa-e-Espada”, Jornal dos Sports, 12 de Agosto e em http://geocities.com/beijospratorcida/capa.htm
3 comentários:
caro amigo rui,
esta história é maravilhosa. não tinha conhecimento dela.
extremamente prazeroza a leitura e de nos orgulhar ainda mais.
seu blog é um primor de informação.
os botafoguenses de verdade somos gratos por isso.
saudações botafoguenses!!!
Obrigado pela sua apreciação, amigo Snoopy. Fico muito contente que considere a história 'prazeroza' e que goste da informação. Vou continuar a fazer isso mesmo. Tenho muita informação e, paulatinamente, vou partilhá-la com todos os botafoguenses. Aliás, a ideia é mesmo que se difunda com maior consistência a história espantosa deste clube originalíssimo (sem menosprezo da originalidade de todos os outros clubes do mundo).
Um abraço grande.
Ser botafogo é ver o botafogo perdendo e acreditar na virada, é ver um jogador fazer 2 penaltis numa final e pensar,não ele vai se redmir.
É por isso que acredito que o botafogo vai sair dessa situação e vamos ser Campeão Sul-Americano
Abraço para todos os Botafoguenses
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