
por Luiz Fernando Veríssimo
Um dia chegou um cara no bar dizendo que era Deus. Pediu uma cachaça ao balcão e derramou um pouco no chão. “Para toda a minha equipa”, disse, em vez de “Para o santo”. O pessoal riu. Deus era simpático. E não era arrogante, como seria de esperar. Não chegou botando banca. Cara simples, sem frescura. Alguém perguntou:
- Então o senhor é o Todo-Poderoso?
- Em pessoa.
Outro começa a perguntar:
- Foi o senhor que…
Mas Deus o interrompeu:
- Por favor, não me chame de senhor. “Você” está bem.
- Foi você que fez esta joça toda?
A “joça” indicada era o interior do bar, mas queria dizer tudo. O mundo. O universo. Tudo.
- Foi. Modestamente.
Estava juntando gente para ouvir a conversa.
- Foi tudo em seis dias, mesmo?
- Bom, a Bíblia exagerou um pouco. Sabe como é, a turma gosta de bajular o chefe. Digamos que foi em menos de um mês, mas dia e noite. Tive alguma dificuldade com as cordilheiras e o rinoceronte, que não saiu muito bem como eu queria. E com o homem. Eu não tinha em que me basear para fazer o homem, acabei me usando como modelo.
- E a mulher?
- Aí eu já tinha pegado a prática, e caprichei. Acho que é o meu melhor trabalho, depois da borboleta imperial.
Se era um maluco, era um maluco divertido. Todo o mundo queria fazer perguntas a Deus. E as tragédias? Como ele explicava os terramotos, e os acidentes, e as mortes, e o sofrimento humano?
- Vocês sabem que o Diabo faz de tudo para me desmoralizar. É coisa dele.
- Mas o senhor, você, que é Todo-Poderoso, não tem poder sobre o Diabo?
- Não. Todo o mundo sabe como é, quando um filho vai pró mau caminho. Começa a usar drogas, andar em más companhias… Perdi o controle. Reconheço. Talvez tenha faltado um pulso mais firme. Não sei. E agora ele anda aí, fazendo das suas.
Foi quando o Tião pegou o homem pelo braço e o convidou a sentar-se com ele. Ele queria mais cachaça? Podia pedir. O Tião pagava. E ficaram os dois conversando, o Tião falando perto do ouvido de Deus. Depois perguntaram ao Tião sobre o que eles tinham conversado.
- O Botafogo – respondeu o Tião. - Pedi uma mãozinha.
O quê?! O Tião tinha pedido uma ajuda de Deus para o Botafogo?! Ele não sabia que o cara era um maluco?
- Sabia, claro – disse Tião. – Mas por via das dúvidas…
Referências:
http://exbancario.blog.br/2010/03/uma-maozinha/
O Globo, 21/03/2010
Um dia chegou um cara no bar dizendo que era Deus. Pediu uma cachaça ao balcão e derramou um pouco no chão. “Para toda a minha equipa”, disse, em vez de “Para o santo”. O pessoal riu. Deus era simpático. E não era arrogante, como seria de esperar. Não chegou botando banca. Cara simples, sem frescura. Alguém perguntou:
- Então o senhor é o Todo-Poderoso?
- Em pessoa.
Outro começa a perguntar:
- Foi o senhor que…
Mas Deus o interrompeu:
- Por favor, não me chame de senhor. “Você” está bem.
- Foi você que fez esta joça toda?
A “joça” indicada era o interior do bar, mas queria dizer tudo. O mundo. O universo. Tudo.
- Foi. Modestamente.
Estava juntando gente para ouvir a conversa.
- Foi tudo em seis dias, mesmo?
- Bom, a Bíblia exagerou um pouco. Sabe como é, a turma gosta de bajular o chefe. Digamos que foi em menos de um mês, mas dia e noite. Tive alguma dificuldade com as cordilheiras e o rinoceronte, que não saiu muito bem como eu queria. E com o homem. Eu não tinha em que me basear para fazer o homem, acabei me usando como modelo.
- E a mulher?
- Aí eu já tinha pegado a prática, e caprichei. Acho que é o meu melhor trabalho, depois da borboleta imperial.
Se era um maluco, era um maluco divertido. Todo o mundo queria fazer perguntas a Deus. E as tragédias? Como ele explicava os terramotos, e os acidentes, e as mortes, e o sofrimento humano?
- Vocês sabem que o Diabo faz de tudo para me desmoralizar. É coisa dele.
- Mas o senhor, você, que é Todo-Poderoso, não tem poder sobre o Diabo?
- Não. Todo o mundo sabe como é, quando um filho vai pró mau caminho. Começa a usar drogas, andar em más companhias… Perdi o controle. Reconheço. Talvez tenha faltado um pulso mais firme. Não sei. E agora ele anda aí, fazendo das suas.
Foi quando o Tião pegou o homem pelo braço e o convidou a sentar-se com ele. Ele queria mais cachaça? Podia pedir. O Tião pagava. E ficaram os dois conversando, o Tião falando perto do ouvido de Deus. Depois perguntaram ao Tião sobre o que eles tinham conversado.
- O Botafogo – respondeu o Tião. - Pedi uma mãozinha.
O quê?! O Tião tinha pedido uma ajuda de Deus para o Botafogo?! Ele não sabia que o cara era um maluco?
- Sabia, claro – disse Tião. – Mas por via das dúvidas…
Referências:
http://exbancario.blog.br/2010/03/uma-maozinha/
O Globo, 21/03/2010
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