O Botafogo de Futebol e Regatas joga hoje pela Copa do Brasil contra o Treze, na Paraíba, onde mora outro Botafogo de grandes tradições – Botafogo Futebol Clube, o ‘Belo’, o Alvinegro da Estrela Vermelha.
Ontem fez 32 anos que o Botafogo venceu o Internacional na Paraíba, pelo campeonato brasileiro de futebol, num dia memorável para os adeptos do clube da Estrela Vermelha. Betto Ferreira relembra esse dia num texto admirável que consagra o ‘Matador de Tricampeões’ e que Mundo Botafogo reproduz.
No final desta reprodução o leitor encontrará, a título de curiosidade, as fichas técnicas de Botafogo 2x1 Internacional (RS), no Almeidão, e Botafogo 2x1 Flamengo (RJ), no… Maracanã!
Texto integral:
O Matador de Tricampeões
por Betto Ferreira
Professor e amante do futebol
São Paulo, Capital
Uma noite inesquecível e o Matador de Tricampeões do Campeonato Brasileiro de 1980, primeira fase, o Botafogo estava vindo de duas majestosas vitórias fora de casa: sobre o Náutico de Recife (1x0) e sobre o poderoso Flamengo-RJ, tricampeão carioca, que viria a ser, naquele mesmo ano, campeão brasileiro pela primeira vez. Por isso, o jogo daquele 13 de março, uma quinta-feira, à noite, em João Pessoa, diante do Internacional-RS, tricampeão gaúcho e brasileiro, estava sendo aguardado com muito entusiasmo por todos os paraibanos. Até mesmo por quem não era botafoguense, como meu saudoso tio Antônio, por exemplo. Trezeano fanático, naquele dia o meu tio vibrou com o grande futebol apresentado pelo Belo.
Durante o jogo, eu vi bem nos seus olhos a felicidade de estar presenciando aquele momento glorioso do nosso futebol, sem nenhuma vergonha. Sorte do meu tio Antonio porque naquela época não havia tanta rivalidade no futebol que fosse capaz de nos envergonhar. Contava eu com apenas 14 anos de idade. Mas, para mim, depois de ter contado os dias para aquele momento tão esperado, seria como a morte caso não conseguisse ver aquele jogo. Um jogo que, como eu previa, viria a ser histórico para todos os botafoguenses. Momentos antes da partida, a ansiedade tomava conta de todos em torno do estádio e dentro dele.
E eu era um dos muitos que ainda estavam do lado de fora. Para meu desespero, os radinhos-de-pilha, ligados por toda parte, já anunciavam a proximidade do início do jogo. Meu peito então parecia querer explodir de tanta ansiedade, numa agonia doída e desesperadora de quem não tem outro recurso senão rezar e esperar que o milagre aconteça. No caso, o milagre seria ser um dos milhares de torcedores que já se encontravam do lado de dentro do estádio. Mas eu, como ainda hoje, não sabia de reza alguma. Meus outros dois irmãos tiveram mais sorte naquele dia.
Eles que também não viam a hora de viver o acontecimento daquele jogo memorável, já estavam lá dentro, levados por meu tio Antonio e sua esposa Vanda, uma botafoguense doida como eu. O meu tio bem que havia tentado me colocar para dentro também, mas, diante da intransigência dos fiscais das roletas, não teve sucesso. Restou-me a esperança de que alguém estranho me ajudasse a realizar o sonho daquele dia inesquecível. Com o meu pai a gente não podia contar - meu pai era o único homem que eu conhecia que não gostava de futebol. Dizia que do futebol só queria uma coisa: ganhar o pão de cada dia como vendedor de cana e tiragosto do lado de fora do estádio.
Mas, sentado ali, a cabeça caída sobre os canos de ferro que orientavam o acesso ao estádio, bem perto das roletas, eu via que outros garotos, e eram muitos, tinham pais que gostavam de futebol. Por isso, era difícil aceitar a idéia de que meu pai não gostava de futebol como o meu tio Antônio e os outros pais. E isso mexia ainda mais com minhas emoções de torcedor juvenil. O peito ficava mais agoniado com o passar das horas. E como era contagiante a vibração e a euforia da torcida que vinham de dentro do estádio. Mas eu não podia perder a esperança. Afinal, eu não podia deixá-la morrer sendo eu ainda tão jovem. Quem sabe eu já pensava assim, como penso hoje, mas de um outro jeito, um jeito de ser adolescente e carente de sonhos.
Sim, havia de aparecer uma alma bondosa que me levaria para dentro do estádio. E, por várias vezes, eu olhava para o céu como se quisesse acreditar que seria de lá que viria alguém para realizar o meu sonho daquela noite. Até que o milagre por fim aconteceu: num dos momentos em que estava de cabeça debruçada sobre a armação de ferro, alguém tocou o meu ombro. Era um sujeito enorme, de voz grossa que, por alguns segundos, me deu a sensação de que queria apenas me humilhar como tantos outros já haviam feito. Não, era um milagre mesmo. Porque, em seguida, o homem abriu um sorriso acolhedor e me convidou para ir com ele. Não pensei duas vezes, pulei na sua frente, deixando de lado o sentimento de humilhação. E, tomado de esperança de que os fiscais das roletas não usassem de empecilho para barrar a minha entrada, segui firme amparado pelo homem.
Para minha grata felicidade, além de se passar por meu pai - o homem que não gostava de futebol - o homem da voz grossa ainda convenceu os fiscais de que eu tinha 12 anos - idade limite para o não pagamento de ingresso. Parece até meio inglório dizer, mas, às vezes, a desnutrição que impede o crescimento tem lá suas compensações: hoje reconheço que o meu tipo franzino ajudou um pouco nesse sentido. O Botafogo estava entrando em campo quando cheguei à arquibancada. E que imagem linda que eu vi: o estádio estava realmente lotado de torcedores enlouquecidos que gritavam "Beeeeeloooo!" sem parar. E verdade seja dita: não há bobagem maior do que dizer que existe torcida mais fanática que outra. Todas são exatamente iguais quando está em jogo o amor por seus times.
A torcida do Belo não era diferente. As bandeiras agitadas pintavam de preto e branco, com leve tom de vermelho, o cenário do jogo. E os foguetórios tornavam a festa do tricolor da maravilha do contorno mais empolgante. Em meio aos enlouquecidos torcedores (dados oficiais dão conta de que foram mais de 37 mil), loucos pelo Belo, lá estavam meus irmãos, também loucos como eu, com meu tio e sua esposa no alto da arquibancada Sol. Meu peito agora explodia era de alegria. Comigo ali, agora sim, a festa parecia estar completa naquele momento.
Então, não me restava mais nada a fazer senão a agradecer a realização do sonho gritando também: "beeeeelooooo!". Naquela altura, o resultado do jogo já não era tão significativo, ao menos para mim, cujo sonho estava se realizando. Mas, naquela noite, parece que todo o universo futebolístico estava conspirando a favor da minha felicidade plena. O primeiro tempo acabou 0 a 0. As maiores emoções estavam reservadas para o segundo tempo. O Internacional saiu na frente, gol marcado por Bira, aos dez minutos. Mas isso não calou a entusiasmada torcida alvinegra da estrela vermelha. A confiança no Belo era tamanha que todos estavam certos da virada. E ela veio mesmo. Aos 29 minutos, Zé Eduardo, um cracasso da bola, se encarregou de empatar e, Soares, uma espécie de maestro da bola, virou o placar aos 38 minutos.
O Internacional, como grande time de futebol do Brasil, também apresentou um belo futebol, é verdade. Mas o Botafogo, como o maior campeão paraibano de todos os tempos, naquela noite parecia mesmo querer fazer história. E fez. Final de jogo Botafogo-PB 2, Internacional-RS 1. No dia seguinte, o Belo era destaque em todo os jornais do País e passou a ser conhecido como o primeiro clube de futebol "Matador de Tricampeões" do Brasil, título conferido pela importante revista Placar. Confesso que, como muitos, demorei um pouco para entender o que havia acontecido naquela noite inesquecível.
FICHAS TÉCNICA
BOTAFOGO 2x1 INTERNACIONAL/RS
» Gols: Zé Eduardo 74’ e Soares 83’ (Botafogo); Bira 10’ (Internacional)
» Competição: Campeonato Brasileiro
» Data: 13.03.2012
» Local: Estádio ‘Almeidão’, João Pessoa
» Público: 37.465 espectadores
» Árbitro: José Leandro Castro Serpa
» Botafogo: Hélio, Nonato Aires, Geraílton, Deca e Martins; Magno, Nicácio e Zé Eduardo; Soares (Zé Tira), Getúlio e Evilásio. Técnico: Caiçara.
» Internacional: Gasperin, João Carlos, Mauro, Mauro Galvão e Cláudio Mineiro; Jair, Batista e Toninho; Mário Sérgio, Bira e Popéia (Adilson). Técnico: Ênio Andrade.
FLAMENGO 1x2 BOTAFOGO
» Gols: Soares 5’ e Zé Eduardo 81’ (Botafogo); Tita 65’ (Flamengo)
» Competição: Campeonato Brasileiro
» Data: 06.03.1980
» Local: Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro
» Público: 25.946 espectadores
» Árbitro: Joel Teixeira de Caires
» Botafogo: Hélio, Nonato (Cláudio), Geraílton, Deca e Marquinhos; Magno, Nicácio e Zé Eduardo; Soares, Getúlio e Evilásio (Dão). Técnico: Caiçara.
» Flamengo: Raul, Carlos Alberto (Toninho), Rondinelli, Nélson e Júnior (Carlos Henrique); Carpegiani, Zico, Andrade e Tita; Reinaldo e Adílio. Técnico: Cláudio Coutinho.
Imagem: Carolina Vasconcelos, 21 anos, Musa do Belo.
Sem comentários:
Enviar um comentário