por PAULO MARCELO SAMPAIO
Arquiba Botafogo, 05.02.2015
“Gente, gente, preparem aquela mesa forrada com feltro verde. Daqui a pouco
chega uma visita”, avisou o sempre bem informado Roberto Almeida. Informação
era com ele mesmo. Principalmente aos domingos quando, prancheta escolar na
mão, partia para a central técnica da TVE e coordenava a chegada das imagens
com gols de todo o Brasil. Fazia isso com eficiência, exceto em dias de derrota
do Botafogo. Aí Robertinho se alterava. Fechava a cara e só abria a boca quando
era provocado. Principalmente pelo Sérgio Du Bocage, que sabia explorar o ponto
fraco do colega.
Carlito Rocha estranhou a movimentação. Católico praticante e devotado quis
saber o que armavam. Foi logo perguntando a Roberto Porto, a quem devotava um
carinho grande. Fora Robertão, lá nos idos 70, que o recebera na portaria de O
Globo. O presidente dos presidentes tinha sido barrado por algum Zé-ninguém,
orientado certamente por um manda-chuva da redação. Já na época, Carlito lutava
para voltarmos para rua General Severiano. “Senhor Roberto, o que está
acontecendo por aqui?”, quis saber. Robertão ainda tentou esconder o copo com
uma dose caubói. “Seu Carlito, é que o Mothel Santoro, aquele do megafone, tá
chegando daqui a pouco. Vamos saudá-lo com uma rodadinha de pôquer”, disse o
jornalista. Todos ali respeitavam Carlito Rocha, uma espécie de síndico. Sabiam
que ele não gostava de jogatina. “Pra perder dinheiro nas roda de jogo, é
melhor doá-lo ao Botafogo”, costumava dizer. Seu Carlito fez um muxoxo. Mas a
batidinha no ombro de Robertão indicava a autorização para o carteado.
“O homem liberou”, foi logo avisando Oldemário Touguinhó a Robertinho
Almeida. E tratou de cuidar da feijoada para a chegada de Mothel. Ex-feirante,
tinha experiência em escolher ingredientes. Foi logo chamando Waltencir, homem
que gostava de rodas de samba. “Vou ali falar com o Roberto Ribeiro”, avisou.
Sandro Moreyra, que ouvia tudo calado, sugeriu chamar Vinicius de Moraes.
“Bossa-nova e samba têm tudo a ver. E, afinal de contas, Vinicius era o branco
mais preto do Brasil”. Em poucos minutos, chega o Poetinha, ao lado de Lúcio
Rangel. “Meus amiguinhos – disse Vinicius –, quando soube que era festa prum
botafoguense, trouxe esse cara aqui, que inventou minha dupla com o Tom. Mas
isso não foi o melhor que fez, né, Lucinho?” “Não gosto de futebol, gosto é do
Botafogo”. João Saldanha vinha passando e, como seu Carlito, fez um muxoxo. E
comentou. “Nunca vibrei com um gol do Botafogo”. Aloísio Birruma, o roupeiro
supersticioso, riu baixinho. E cochichou com Armando Nogueira. “Como é que se
chama quem não acredita em Deus?” “Ateu”, respondeu Arnaldo. “Pois é, já se viu
rezar? Pois ‘seu’ João se ajoelhou no vestiário, sem ninguém por perto. Só que
o papaizinho aqui viu o beijo que ele deu na imagem de Nossa Senhora da
Conceição. Foi em 57.”
“A gente faz cada loucura pelo Botafogo, né?”, observou Robertinho. “Um dia
de 1996 descobriram, num jogo contra o porto que comemorava o Campeonato
Brasileiro do ano anterior, que tinham esquecido o taça na sede. Lá fui eu com
meu Fusquinha azul pegá-la. E chegamos no Maracanã, o troféu e eu, sãos e
salvos”. Um garoto lourinho assistia a tudo com os olhos arregalados. Era
Oliver Caratsch, um brasileirinho com pinta de suíço. “Mas meu irmão Marco tava
me representando lá em baixo, tanto em 1995 como em 1989″. Coincidentemente,
Mothel abriu as portas do céu, enrolado com a bandeira do Botafogo que ele
levou pra sepultura. “Saí lá de baixo dizendo que tava rindo, mas não tava
achando graça”. “Ô garoto – Mothel chamou Oliver – você precisa ver a carreata
que organizei da casa da minha mãe – a lindíssima atriz Fada Santoro, que
contracenou com o galã Cyll Farney – do Leme ao Leblon. O Rafael Casé, um dos
nossos melhores historiadores, ficou impressionado com a quantidade de adesivos
que tinha nos vidros do meu carro”. De repente Mothel é interrompido, abraçado
por Tarzan e Russão. Robertinho Almeida, com a indefectível prancheta, pega os
três e avisa. “Vamos esquecer essa história de pôquer, Mothel. O Paulo Azeredo
quer saber notícias do seu neto mais abusado e o mais querido, o Cacá”. Com tão
pouco tempo no céu e já com tantas histórias ouvidas, ele estava com saudades
da terra. Mas aquela república botafoguense era sua nova casa. Sem sofrimentos.
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