segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Bangu e Botafogo: pioneiros anti-racismo

Em 1º plano: Adhemaro, Fairbairn e António Teixeira; em 2º plano: Júlio Werneck, Henrique, Rolando, A. César e Emanuel; em 3º plano Paulino de Souza (sentado à esquerda), Ricardo e Viveiros. Foto: Alceu Castro: O Futebol no Botafogo (1904-1950)

por RUY MOURA
Editor do Mundo Botafogo

[Publiquei este artigo na minha coluna do Arena Alvinegra no dia 4 de Outubro de 2008]

O Vasco da Gama tem sido considerado o pioneiro do não racismo no futebol carioca. Sempre me intrigou essa história, porque sabia que o Bangu tivera o primeiro negro em 1905 e o Botafogo o primeiro campeão negro de segundos quadros em 1906 – portanto, mais de quinze anos antes sobre os primeiros campeões negros do Vasco da Gama.

Então, vasculhei informação no sentido de procurar esclarecer melhor aquela situação e informar adequadamente sobre o assunto aos leitores do Arena Alvinegra.

Descobri que António Jorge Soares, do Centro Federal de Ensino Técnico da Universidade Gama Filho, levou a efeito um estudo de natureza científica cujo título é “O racismo no futebol do Rio de Janeiro nos anos 20: uma história de identidade”.

A tese trata de desmistificar a história muito antiga de que o Clube de Regatas Vasco da Gama teria sido pioneiro no rompimento com o racismo no futebol.

Na verdade, “documentos e fotos reunidos pelo historiador (e banguense) Carlos Molinari informam que em 1905 – apenas um ano depois da fundação do clube – já havia um negro no elenco, o apoiador Francisco Carregal”. (Mc Valente, 2004)

Também o Botafogo Football Club incluía nas suas equipas, conforme escalações e foto de Castro (1951) incluídos na sua obra, pelo menos um negro campeão em 1906 pelos Segundos Quadros: Paulino de Souza.

Portanto, o Vasco da Gama não foi pioneiro contra o racismo nos anos vinte do século passado. O problema consistia no debate em torno do amadorismo / profissionalismo, o qual o Vasco da Gama colocou estrategicamente em segundo plano ao lançar o anátema racista sobre o América, o Botafogo, o Flamengo e o Fluminense.

Logo no Resumo da tese, Soares afirma (Soares, 1999: 119):

“A fundação da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA) em 1924, segundo a versão dominante de jornalistas e acadêmicos é tomada como o principal indício da mentalidade racista presente no futebol nos anos 20. O Clube de Regatas Vasco da Gama, ao vencer o campeonato de 1923 com um time de negros e mestiços, teria motivado a ruptura no futebol e a criação da AMEA. O objetivo deste estudo é demonstrar que a trama ‘racista’ que explica a fundação da AMEA em decorrência da vitória do Vasco debilita-se, e no máximo torna-se lateral, pela ausência de dados. A fundação da AMEA, a partir de novos levantamentos, é melhor explicada pela tensão entre a manutenção da ética do amadorismo e a rápida popularização do futebol nos anos 10 e 20 do século XX, e pela dinâmica das instituições esportivas.”

Na Introdução, Soares explicita o seguinte (Soares, 1999: 120):

“A façanha narrada é a seguinte: o Vasco, com um time de negros, mestiços e brancos pobres, ao vencer os afortunados brancos – burgueses e aristocratas do Fluminense, Botafogo, América e Flamengo – teria revolucionado o futebol em direção à democratização. Mas, segundo as narrativas, a vitória do Vasco em 1923 não teria sido aceita consensualmente pelos famosos ‘clubes de brancos’ e a reação teria sido formar uma ‘liga branca’ que excluísse o Vasco, com seus negros e mestiços.”

(…) “Essa ‘história’ é contada e recontada, divulgada em jornais e reforçada em artigos de natureza acadêmica (Caldas, 1990; Corrêa, 1985; Gordon Junior, 1995/96; Helal, 1997; Leite Lopes, 1994; Mattos, 1997; Murad, 1994, 1996; Santos, 1981). Observe-se que não são poucos os textos acadêmicos que reproduzem a ‘história do Vasco’ como o clube que rompeu com o racismo no futebol. (…)

“Não se pode justificar tal história pelo simples fato do Vasco ter formado em 1923 uma equipe com negros, mulatos e brancos, por vários motivos: a) se existisse segregação, diretamente relacionada à questão racial, o Vasco não teria participado com essa equipe no Campeonato de 1923; b) o Vasco não foi o primeiro clube de futebol a ter negros e mulatos em suas equipes de futebol (Rodrigues Filho, 1964; Soares, 1998); c) na década de 20, negros e mulatos, ainda que poucos, já habitavam outros espaços sociais mais valorizados do que o esporte (tais como a literatura, a medicina, o direito, a política e o oficialato do exército – Freyre, 1996). Assim, não podemos atribuir pioneirismo ao Vasco por ter misturado racialmente sua equipe em 1923.”

Na Conclusão, Soares defende a sua tese do seguinte modo (Soares, 1999: 127):

“A ‘heróica’ trajetória do Vasco nos anos 20 ganha sentido dramático quando cruzada com a perseguição racial que tem sua suposta prova na fundação da AMEA. A vitória inquestionável do Vasco em 1923 não teria esse tom dramático se simplesmente pensássemos que aquela equipe foi montada com excelentes jogadores dedicados quase que exclusivamente ao futebol, isto é, que viviam sob uma estrutura semiprofissional bem sucedida em relação aos demais.”

Aliás, Marizabel Kowalski confirma isso mesmo na sua tese de doutorado “Porquê Flamengo?” (Kowalski, 2001: 71):

“Ao ingressar na divisão de elite em 1923, o Vasco levou para os estádios a cultivada rivalidade. que mantinha com os rubro-negros nas regatas. Com jogadores brancos, negros e mulatos do subúrbio, os cruzmaltinos conquistaram o título carioca da primeira divisão no seu ano de estréia na liga. América, Botafogo, Flamengo, Fluminense reagiram e expressaram-se de maneira a punir o clube, exaltando que a essência do futebol estava sendo agredida pelo regime remunerado imposto pelo Vasco.”

Soares sublinha, ainda, que a “história do Vasco, para ganhar seu conteúdo dramático na fundação da AMEA, coloca o racismo em destaque e secundarizando o debate do amadorismo.” (Soares, 127)

Na verdade não se trata da questão racista, independentemente dos elitismos à época, tanto mais que logo “em 1925, por iniciativa do Botafogo, os cruzmaltinos ingressaram na Associação Metropolitana de Esporte Amador; adquiriram um terreno no bairro de São Cristóvão, onde construíram o Estádio de São Januário, para 45 mil pessoas” (Kowalski, 2001: 71). E o assunto esgotou-se a partir daí…

Finalmente, a conclusão de Soares é muito clara quanto ao sentido da sua pesquisa e às conclusões que foi possível obter (Soares, 1999: 127):

“O que tentamos demonstrar é que a ‘heróica’ trajetória do Vasco na luta contra o racismo na década de 20 é uma tradição inventada, é uma história de identidade (Hobsbawm, 1998). Sua origem está em Mário Filho, e a continuidade dessa tradição está na boca dos aficionados pelo Vasco, na imprensa e nos textos acadêmicos que tratam a referida história. Os recortes, as ênfases, os esquecimentos são reveladores dos mecanismos de construção da memória coletiva e da identidade. Os limites entre a história social, a história das mentalidades e a história de identidade são confusos e interpenetram-se. Mas isto não significa que uma mentalidade ou identidade informe exatamente o que se passou em um determinado evento ou trama específica. A ‘história’ de racismo e perseguição da AMEA aos negros e mestiços do Vasco em 1924 tem, no máximo, servido à construção de um discurso acadêmico politicamente correto, cuja eficácia é apenas de reforço da identidade positiva dos vascaínos. Para concluir, reforçamos que a crise vivida no futebol carioca nos anos 20 fazia parte de uma configuração mais ampla do esporte; e que não se limitava ao Brasil. A popularização do futebol, seu processo de transformação em negócio e em profissão estava tencionado pelos valores amadorísticos ou aristocráticos do esporte.”

Em consequência da tese de António Jorge Soares, corroborada por Kowalski, e dos documentos de Alceu Mendes de Oliveira Castro e de Carlos Molinari, o Bangu (1905) e o Botafogo (1906) foram, provavelmente, os dois primeiros clubes cariocas a incluir negros nos seus quadros – serenamente, sem propaganda nem qualquer atitude política.

Fontes:
Alceu Mendes de Oliveira Castro (1951): O Futebol no Botafogo (1904-1950), Rio de Janeiro, Gráfica Milone
António Jorge Soares (1999): “O racismo no futebol do Rio de Janeiro nos anos 20: uma história de identidade”, Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, 13(1): 119-29; e em http://www.usp.br/eef/rpef/v13n1/v13n1p119.pdf
Marizabel Kowalski (2001): “Porquê Flamengo?”, tese de doutorado em Educação Física (2001), publicada em http://www.efdeportes.com/efd107/por-que-flamengo.pdf
Mc Valente (2004): Bangu e Vasco, pioneiros na luta contra o racismo no futebol, em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/08/289234.shtml

16 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem esclarecido, sensacional! Show de bola!
O Bangu (1905) e o Botafogo (1906) foram, provavelmente, os dois primeiros clubes cariocas a incluir negros nos seus quadros – serenamente, sem propaganda nem qualquer atitude política.

Saudações Alvinegras.

Fábio Pavão disse...

Acho que você não entendeu muito bem o que está se propondo a discutir. O Vasco nunca teve a pretensão de ser o primeiro clube a aceitar negro. Antes deles, vários times tiveram um ou outro atleta negro. O mérito do Vasco está em montar uma equipe formada majoritamente por negros e suburbanos, lutando para que eles pudessem participar. Neste caso, discriminação social e racial se misturam. Entenda, por exemplo, os impactos do profissinalismo sobre o atleta de futebol. Antes, eles participaram da vida social do clube. Depois, são funcionários. O que está em jogo, antes do profissionalismo, além do atleta negro e pobre está atuar nas quatro linhas, são estes negros e pobres participar das atividades sociais dos sócios dos grandes clubes, todos das camadas superiores da sociedade. Em linhas gerais, o mérito do Vasco é aceitar as mudanças do profissionalismo antes mesmo de sua implantação. Sugiro também ao senhor Antônio Jorge Soares, formado em educação física, ler novamente Hobsbawm para compreender o conceito de "tradição inventada", pois ela não se aplica ao caso citado por ele. Além disso, tradição inventada não é sinônimo de tradição falsa, pois, na maioria das vezes, ela está baseada no acervo cultural que toda sociedade possui em seu passado.

Forte abraço

Anónimo disse...

Bangu (1905)
Botafogo (1906)

Acontece, que em 1904, o Vasco elegeu o primeiro presidente não-branco entre os clubes esportivos em atividade no Rio de Janeiro.

Isso é um fato, que esta registrado no Club, e o pioneirismo do Bangu e Botafogo, são vocês que estão dizendo. Em toda minha vida, nunca ouvi falar nisso. ;D

Você não é historiador pra mudar a história do Club de Regatas Vasco da Gama! [2]

Saudações vascaínas :D

Unknown disse...

Mas o Vasco não diz que foi o 1º a ter negros em seu time, mas sim o 1º a defendê-los, usando inclusive a instituição como escudo. Sobre o Bangu e o Fluminense, é fato que usaram negros empanturrados de pó-de-arroz pra disfarçar o tom de pele (o apelido acabou se tornando exclusividade do Flu) e os outros clubes como o Botafogo sempre incluíam e sacavam os negros do plantel quando conveniente.

No mais, teses são legais e é sempre bom ler mais detalhes sobre períodos históricos. Mas continuam sendo teses...

marcilio disse...

Historia linda, isso que e clube. Botafogo ja permitia jogadores negros como foi visto e nos anos 20, e na decada anterior ja se tinha jogadores de classes mais humildes. A diferenca e uma so, o clube era da zona sul, vai ter varios jogadores do suburbio como? A verdade e que o vasco usou essa historia pq foi conveniente, sendo que o fato principal para sairem foi por outras questoes.

Ruy Moura disse...

Marcílio, ao contrário do que costumo fazer, não respondi aos comentários acima para não criar 'confusões'. Passado estes anos todos, e face a um seu comentário muito oportuno, vou finalmente dar uma resposta aos comentários anteriores ao seu: "a verdade é que o Vasco usou essa história porque foi conveniente." Nem mais!

Abraços Gloriosos.

Unknown disse...

Mas a história fala sobre aceitar negros em seus quadros, e não em time campeão e isso no Vasco é inegável. O primeiro presidente do Vasco em 1904, Candido José, era mestiço. O chororô botafoguense é extra-campo e até a história querem roubar do Vasco...Saudações Vascaínas !

Ruy Moura disse...

Com mais respeita pelo grande Vasco da Gama do que V. pelo meu Botafogo com uma história Gloriosa, digo-lhe que é um trapalhão que não sabe o que diz.

Saudações Botafoguenses!

Unknown disse...

Kkkkkkkk Vasco foi o primeiro a defender os negros pioneiro sempre Vascão

Ruy Moura disse...

Foi o Bangu, Vitor Antonio... está documentado...

Abraços Gloriosos.

Anónimo disse...

O Vasco antes da 3a divisão já tinha negros.
E a Ponte Preta já tinha negros em 1900.

Ruy Moura disse...

Caro Anônimo, o próprio Observatório da Discriminação Racial no Futebol escreve: "O documento [entregue à FIFA] foi garimpado no próprio clube por José Moraes dos Santos Neto, professor de história da PUC-Campinas, que se ofereceu para elaborar o ofício, já protocolado na Fifa. Mas este foi apenas o primeiro passo da campanha. A chancela do órgão internacional depende de pesquisas aprofundadas em arquivos públicos. “Precisamos encontrar jornais de época, que atestam a escalação de Miguel do Carmo em jogos da Ponte”, fala o historiador. “Não existe uma única fotografia, por exemplo, do rapaz vestido com calção e chuteira”."

Ora, não há provas suficientes nem uma única fotografia desse provável jogador defendendo a Ponte Preta. Até se comprovar, os pioneiros são o Bangu e o Botafogo (1906), já que sobre o Vasco não entendi o que escreveu. O Vasco tem futebol apenas desde 1922. Logo, muito depois de Bangu e Botafogo terem negros nos seus quadros. Porém, há uma coisa que a Ponte e o Bangu não conseguem: ter o 1º campeão oficial negro no futebol brasileiro. Esse, é Botafoguense, tem nime, chamava-se Paulino de Souza, enverga a camisa Gloriosa na foto e foi campeão carioca de segundos quadros em 1906.

Abraços Gloriosos.

Unknown disse...

vasco que ter historia que nunca teve pra dizer que é o maioral se veio depois que a mesa já estava pronta.

Ruy Moura disse...

Exato. Os pioneiros já existiam e o Vasco da Gama tinha a mesa pronta, e aproveitou politicamente, o que em si mesmo não tem nenhum mal, pelo contrário, deu um empurrão final ao assunto. Mas...não foi pioneiro de coisa alguma. Pode-se dizer que o Bangu teve o 1º negro na história do futebol brasileiro e que o Botafogo teve o 1º negro campeão do futebol brasileiro.

Abraços Gloriosos.

Unknown disse...

Esse bota e fogo mesmo essa tal desorganização qi e uma mera avante esquadrão alvinegro

Ruy Moura disse...

Não entendi o comentário. Pode explicitar melhor?
Abraços Gloriosos.

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