sábado, 30 de junho de 2018
Pedro: o menino na arquibancada do Maracanã
O menino Pedro, Maracanã, 1950
por CESAR OLIVEIRA
Editor de ‘LivrosdeFutebol’
[Nota
do editor do Mundo Botafogo: o meu querido amigo de longa data, Cesar Oliveira,
autorizou-me a republicação do fabuloso texto que se segue. O texto foi escrito
a partir de conversas com o próprio Pedro Lemos, o menino botafoguense do estádio do Maracanã em 1950, enquanto as informações sobre José Medeiros foram coletadas a
partir do portal do Instituto Moreira Salles.]
Qualquer
um que tenha vivido bons momentos sob a lendária marquise do Estádio do
Maracanã, será capaz de se reconhecer no menino Pedro, de cabelos escovinha,
blusão, calças curtas e sapatos de couro com meia. Era o uniforme dos meninos
da classe média.
A
foto em que ele aparece atento a um lance, não deve ter repercutido na ocasião.
Ficou famosa depois, porque clicada por um fotógrafo que se tornou famoso
depois, pelo seu trabalho diferenciado.
Tão
bom, tão rico, que seu acervo de 20 mil negativos foi adquirido pelo Instituto
Moreira Sales, em agosto de 2005. Em 1986, a Funarte realizou no Rio de Janeiro
a mostra retrospectiva “José Medeiros, 50 anos de Fotografia”, que também
transformou em livro.
UM
FOTÓGRAFO DIFERENCIADO
Entre
os 25 e os 40 anos, o piauiense José Araújo de Medeiros integrou a equipe da
revista “O Cruzeiro”, então a maior do país, cujo departamento de fotografia,
chefiado pelo francês Jean Manzon, revolucionava o tratamento dado à imagem na
imprensa nacional.
Dentre
os trabalhos que integram o acervo deixado por Medeiros, destaca-se a cobertura
da derrota da Seleção Brasileira na final da Copa do Mundo de 1950, no
Maracanã, com especial atenção a cenas de arquibancada.
O fotógrafo José de Medeiros
O ENCANTO DE SE RECONHECER
Quando
vi a foto, pela primeira vez, numa exposição sobre a obra de Medeiros na
galeria do Itaú Unibanco, em 2006. E fiquei pensando:
—
Quem será, hoje, este menino?
Anos
depois, revi a foto e resolvi que iria tentar descobrir quem era, por onde
andava, o que fizera da vida, o que viu no Maracanã etc. Escrevi em 2011 para o
“Overmundo” um pedido de ajuda: “Você conhece este garoto?”. E logo para o
portal “Por Dentro da Mídia”
Levou
muito tempo para descobrir. Só agora, em 2018, depois de voltar de vez em
quando ao assunto, consegui contato com Eduardo, o filho do menino, dono da
Melomano Discos, em Maringá.
Disse
a ele que queria conversar com seu pai e os motivos. Eduardo explicou que
gostaria, mas que o pai era reticente. Edu tem o pai como herói e me ajudou
muito a dobrar a resistência inicial do Pedro.
Aos
poucos, respeitosamente e com cuidado.
Pedro botafoguense
FINALMENTE, ELE CEDE
A
família sabia da fotografia. Mas Pedro, o menino que agora está caminhando para
os 80 anos, não queria falar comigo, não queria falar da vida, não queria
lembrar do menino que ele foi. Respeitei, com dor no coração, porque a história
obviamente só poderia ser sensacional.
Voltei
a insistir com o filho. Eduardo, que tem o pai como ídolo, queria que ele
falasse. Perguntei se ele poderia fazer fotografia do “velho”, segurando a
fotografia. Ele diz, às vezes, que não se reconhece. Mas que as duas irmãs
garantem que o menino na foto é ele.
Eduardo
e eu fomos costurando um acordo, aos poucos, cuidadosamente para não melindrar
o menino Pedro, respeitando sua vontade. Até que descobri uma maneira de chegar
no menino: ele é torcedor do Botafogo, o time da Estrela Solitária. E eu já
lancei oito livros sobre o Glorioso, seus ídolos e história. Podia ser um
gancho pro papo. Negociei uma data e liguei para ele.
Me
identifiquei aos poucos. Como interessado em boas histórias do futebol, como
editor de livros desde 2008. Falei do nosso interesse comum pelo Botafogo, e
isso — como numa passe de mágica — abriu as portas para o papo.
QUEM
É PEDRO, O NOSSO MENINO
Pedro
Cezar Gomes Lemos é capixaba, de Cachoeiro do Itapemirim. Mudou com a família
para o Rio de Janeiro e, depois, para Maringá, onde reside até hoje. A caminho
dos 80 anos, que completará em 10 de agosto, curte a tranquila aposentadoria do
Banco do Brasil.
Bem
humorado, ele se declara hoje um boia-fria, "cuidando de uns boizinhos”
numa propriedade que adquiriu na região, a 40Km de Maringá.
Foi
sócio-juvenil do Botafogo, a partir de 1951, com a matrícula nº 1.649. Jogava
algum esporte? — perguntei. "Não, eu gostava de assistir natação, pólo
aquático, atletismo e basquete". Natação, ele praticou no Fluminense.
"Lembra
de Baliza; Gérson e Nilton Santos; Rubinho, Ávila e Juvenal: Paraguaio,
Pirillo, Geninho, Otávio e Braguinha?" — ele provoca.
A
resposta — ”O Vasco está procurando eles até hoje...” — provocou-lhe uma
gargalhada.
"Acompanhei
o Botafogo campeão de 1948, era pertinho de casa, eu morava em Copacabana no
Posto 2 e ia ver vários esportes. Mas eu ia ver jogos com meu pai em todos os
estádios: Flamengo, Fluminense, Vasco, Madureira, São Cristóvão...".
Pedro Lemos, atualmente, com a sua meninice ao colo
PEDRO E O MARACANÃ
Ele
lembra de ter visto a final do Sul-Americano em 1949 no Estádio do Vasco da
Gama. O jogo aconteceu no dia 11 de maio e o Brasil goleou o Paraguai por 7x0.
A
primeira vez em que foi ao Maracanã aconteceu na estreia do Estádio, num
Cariocas x Paulistas, em 16 de junho de 1950. Foi Didi quem inaugurou as redes
com um gol de folha-seca.
"Ainda
lembro do estádio em obras, cheio de andaimes e madeiras" — relembra o
nosso menino.
Ele
morava perto do estádio, na Praça Saenz Peña, e foi a pé ao jogo com as irmãs à
final Brasil x Uruguai, em 1950, e lembra com tristeza “o silêncio da saída,
ninguém falava nada, a gente vinha descendo do alto das arquibancadas e era um
silêncio triste”.
Ninguém
esperava uma derrota daquelas, parecia que estramos com a faixa no peito.
E
A COPA DA RÚSSIA?
Estou
acompanhando, as seleções menores fazendo grandes jogos. Mas o futebol mudou
muito.
Só
o que não mudou, Pedro, foi o prazer das boas histórias que o futebol pode nos
proporcionar, também do lado de fora das quatro linhas.
Contactos
do autor: https://www.facebook.com/bibliotecadigitaldofutebolbrasileiro;
@LivrosdeFutebol [Twitter].
sexta-feira, 29 de junho de 2018
Botafogo x Santos: o maior clássico interestadual de todos os tempos
Desde
a década de 1960 que Botafogo de Garrincha e Santos de Pelé protagonizam o
maior clássico interestadual de todos os tempos, inaugurado em abril de 1918 em
Vila Belmiro.
Em
107 jogos o Botafogo obteve 37 vitórias e 140 gols, enquanto o Santos obteve 42
vitórias e 183 gols, além de 28 empates.
As
maiores goleadas de ambos foram obtidas em amistosos: o Santos arrasou o
Botafogo no dia 14 de abril de 1918, em Vila Belmiro, pelo placar de 8x2, mas
17 anos depois, o Botafogo destroçou o Santos no dia 3 de agosto de 1935, em
General Severiano, pelo placar de 9x2, recorde de goleadas entre ambos.
Clássico
sempre muito equilibrado, também se revelou nas partidas decisivas entre ambos:
1962:
o Santos conquistou o Campeonato Brasileiro sobre o Botafogo.
1963:
o Santos eliminou o Botafogo na semifinal da Copa Libertadores da América.
1995:
o Botafogo conquistou o Campeonato Brasileiro sobre o Santos.
1998:
o Botafogo eliminou o Santos na semifinal do Torneio Rio-São Paulo.
1999:
o Santos eliminou o Botafogo na semifinal do Torneio Rio-São Paulo.
2001:
o Botafogo eliminou o Santos na semifinal do Torneio Rio-São Paulo.
2014:
o Santos eliminou o Botafogo nas quartas de final do Copa do Brasil.
quinta-feira, 28 de junho de 2018
Acróstico à Copa da Rússia
por SÉRGIO SAMPAIO
Poeta do Mundo Botafogo
Comoveu-me ontem, ao
assistir no telão,
O primeiro dos gols da, do
Brasil, seleção!
Pareceu, até, trecho de um
balé do Bolshoi:
A curva caprichosa do passe
do Coutinho;
Delicadeza da ponta do pé
do Paulinho...
A beleza foi tamanha que
quase que dói!
Rumor da multidão foi glamourizado
por
Último museu nosso, ao mar,
rente: o do Amanhã!
Suas bonitas leves linhas,
das quais sou fã,
Sofisticaram meu, pelo
futebol, amor...
Impôs-se: ele é, de fato, a
mais importante cousa
Ante as menos, onde se
ganha se, bem, se ousa!
quarta-feira, 27 de junho de 2018
Acrósticos a Lúcia Senna (XVI)
Crédito: Eunice Machado, fotógrafa
por SÉRGIO SAMPAIO
Poeta do Mundo Botafogo
Acrósticos de Sérgio Sampaio, poeta,
homenageando as crônicas de Lúcia Senna, cantora, escritora e ‘Rainha do Mundo
Botafogo’, publicadas no blogue – ambos extraordinárias pessoas que enriquecem
o blogue com a sua arte.
Neste bloco publicam-se os acrósticos referentes às
crônicas da amada Lúcia Senna intituladas ‘Língua portuguesa, rude e bela’, ‘SENNArio musical’’ e ‘Mundo brega’.
XLVI
Linhas, todas elas, com suas razões de
ser!
Uma crônica que nos leva a pensar, prazer
Colhendo, do leitor desprevenido, o
espanto...
Inquestionável talento dá pra perceber,
A precisão soando tal qual um acalanto!
In ‘Língua portuguesa, rude e bela’
XLVII
Acróstico 1:
Luxo de voltares no tempo sem quaisquer
máquinas,
Um estrago faria nos velhos filmes
cósmicos,
Caos provocaria na, de Einstein, teoria!
Incrível nas memórias das emoções mais
drásticas,
Ainda nos leva através da plena alegria...
Símbolo, agora, do Blogue Mundo Botafogo,
Escreves apostando tudo, num belo jogo,
Num verdadeiro, corajoso, desnudamento,
Nada de mistificação, de falso, de logro,
Aos
leitores, ofertas o desvanecimento!
Acróstico 2:
Luto mais não pra palavras buscar!
Umbilical cordão nos une qual
Completo dicionário a consultar...
Inteligente, Ruy foi ao juntar
A crônica ao verso... Sensacional!
In ‘SENNArio musical’
XLVIII
Lúcia, e o Braga e as
gaiolas no jardim suspenso?
Única forma de ver isso
brega, é fechar,
Com vontade, os olhos,
ouvidos e mente, penso!
Impossível, parece,
colorida e sem par,
A Dama da floresta, com
tal, se preocupar!
Sabendo do imenso
talento teu para as crônicas,
Escravizas leitores
indo por labirintos
Nem uma só vez, por ti,
não decifrados, óbices,
Nenhum! Tens tom
embriagador dos absintos,
A leveza e o mais suave
retinir dos cálices...
Costeias, então,
quaisquer assuntos e querelas,
O espírito libertário
que possuis, permite
Saíres, deixando
abertas todas as janelas:
Teus perfumes
definitivos e com palpite;
A melhor de todas em
saltos mortais que existe;
In ‘Mundo brega’
terça-feira, 26 de junho de 2018
A última pelada de Mané
Garrincha como jogador e como personagem
por EDÔNIO ALVES
12.08.2015
Um tal de Manoel Francisco dos
Santos, brasileiro autêntico, original e marcado pela genialidade no que fazia
nada mais era (e sempre será) do que Garrincha, um dos maiores jogadores de
futebol de todos os tempos. Um cara singular até na descendência, pois que era
neto de índios Fulniô, que habitavam as regiões das Alagoas em tempos agora
remotos. Como se sabe, índio é ingovernável por brancos, os quais mesmo tendo
invadido seus espaços, tentando tomar suas terras, se expandiram na empreitada
‘civilizatória’, ousando atentar também sobre suas brincadeiras de vida, na
tentativa de roubar suas bolas, que isso Garrincha não permitiu. Em reação,
chamou todos de Manés e impôs ao mundo uma maneira lúdica de jogar com os pés e
umas bolas de futebol. Fez desse mister sua vida e sua obra, tornando-se um dos
brasileiros mais amados pelo seu povo.
Claro que não poderia deixar de se
tornar, também, assim, personagem da literatura brasileira, essa arte que junto
com o futebol, tece o amálgama mais profundo do jeito de ser e de operar da
alma nacional. Literatura e futebol, pois, é o tema dessa nossa coluna no blog,
e é com imenso orgulho que trago aos nossos leitores internautas uma análise
que fiz de uma conto literário em que Garrincha é ao mesmo tempo mote, vida, morte
e saudade. Acompanhem, portanto…
A última pelada de Mané
Conto de DOMINGOS PELLEGRINI
Pois bem! Essa história é uma excelente
narrativa ficcional que destaca, em tom rapsódico, a figura de um personagem ao
mesmo tempo histórico e mítico do futebol brasileiro: Manoel Francisco dos
Santos, Garrincha, o jogador bicampeão do mundo pelo Brasil em 1962 e estrela
maior do Botafogo do Rio de Janeiro pelo anos seguidos da década de 1960. Com
uma prosa brincalhona (risonha até), mas extremamente segura e adequada aos
seus propósitos, que é contar os últimos ditos e feitos de um emblemático herói
nacional – aquele a quem o povo consagrou país afora pela sua magnanimidade
artística com a bola nos pés -, o inventivo narrador criado por Domingos
Pellegrini brinda aqui o leitor com uma estória curta cujo apelo estético é seu
próprio personagem central.
Isso fica patente desde o início da
história quando esse ídolo do povo brasileiro – misto de herói e anti-herói – é
apresentado ao leitor assim meio que humanizado por baixo, a despeito de sua
permanência por cima, no panteão honorífico dos gigantes do futebol brasileiro:
“Ele já estava no finzinho, inchado de pinga e um olhar assim abobado, não
tinha mais aquele olhar moleque do Mané Garrincha, era só mais um mané da vida;
quem não conhecesse, podia até pensar que era um pintor de paredes, desses que
mamam um litro de mé por lata de tinta, ou podia ser mais uma vagabundo desses
que aposentam cedo, criando barriga antes de cabelo branco – mas quem não
conhecia Mané, principalmente de bermudas?”.
Como a proposta geral do conto, como já
foi dito, é narrar os últimos ditos e feitos desse herói – e como se trata de
um personagem cuja face heróica está sempre presente no imaginário afetivo
nacional, por isso ser necessário uma constante revivicação desse mito* -, o
narrador continua sua história apresentando as circunstâncias de sua inesperada
reaparição no espaço público. Esse fato serve de mote para a condução de uma
comovente história em que a memória ainda presente (viva na figura atuante do
próprio Mané Garrincha, pelo menos do ponto de vista diegético da narrativa)
aos poucos vai se transformando, através do vigor crescentemente forte da
transfiguração literária, em uma lembrança dolorosa, ironicamente melancólica,
confusa mesmo no seu misto de alegria e tristeza constituintes.
“Quando ele apareceu na rua, alguém
olhou a cara, viu as pernas e apontou, olha o Mané, e pronto, ele foi andando
cercado de gente dando abraço e tapa nas costas, criançada pulando em volta
depois de pegar, beliscar ou cutucar as pernas que entortaram tanto gringo e
muito fizeram pelo futebol e pela alegria do Brasil, como ia repetindo atrás
dele um bebum”.
Depois de circunstanciados o personagem
e seu espaço, a narrativa segue acompanhando Mané Garrincha pelas ruas, sutil e
sorrateiramente impregnando nele os efeitos deste espaço e, principalmente, os
efeitos do tempo, porque uma de suas metas, hábil e repetidamente sugerida ao
longo do texto, é lembrar que o tempo passa, inexorável, mesmo para os heróis
de forja imortal. Pois é esse paradoxo da trajetória existencial humana que o
seu autor que mostrar servindo-se literariamente da figura paradigmática de
Garrincha.
“Mané sorria, e piscava, em zigue-zague,
empurrado para lá e para cá pela meninada, mães ralhando, homens lhe esfregando
mão calosa na nuca, moças beijando e depois soprando para as outras que, nossa,
ele parecia dopado! Estava era entupido até a tampa de remédio para o fígado,
remédio contra o álcool, remédio para isso, remédio para aquilo, era um tanque
de drogas ambulante e naquela horinha solto feito passarinho em Pau Grande,
queria mais era tomar umas e rumou para a esquina onde sempre existiu um bar.
(…)
– Ué, cadê o boteco daqui?!
O tempo comeu, Mané, brincou alguém, e
ele disse é, o tempo come mesmo, continuou andando empurrado, chacoalhado,
apertado, beijado, de vez em quando alguém até lhe beijava a mão, e ele dizia
como sempre ih, deixa disso:
– Futebol eu joguei foi com o pé…”
É dessa sua habilidade com os pés, com
efeito, que o escritor Domingos Pellegrini constrói o motivo estrutural da sua
narrativa, pois é com os pés que seu personagem entra para a história (com “h”
maiúsculo ou minúsculo) e dela se retira, como se verá no final. Antes, porém,
enquanto essa história do Mané avança em seu andamento de típica rapsódia
futebolística, se é permitido o uso do termo aqui, onde não falta ao herói o
culto quase religioso, como o de um tal Professor Pó, (“chamado assim só por
gostar de velharia, livro velho, tralha velha” etc, que conhecia tudo da vida
dele, “Tintim por tintim, Mané, desde cada gol até o teu cocô!”); a admiração
quase sagrada (“os meninos olhavam as pernas de Mané, os pés em chinelos, os
dedos, quantos dribles teriam dado aqueles pés, quantos passes de trivela com o
efeito daqueles dedos, como podiam ter varizes assim pernas bicampeãs do
mundo?); o elogio por seus feitos em campo (“o drible de entortar, os
cruzamentos na cabeça do centro-avante, os gols decisivos nas copas do mundo, a
maior estrela do Botafogo, o maior ponta-direita de todos os tempos, o homem
que ganhou a copa depois que os portugueses quebraram o Pelé, o único jogador
do mundo que fazia o povo rir enquanto fazia ou armava gol”), por exemplo.
Antes, porém, dessa história terminar, se dizia aqui, é preciso salientar as
suas qualidades de composição literária voltada ao futebol.
Ressaltemos, a título de exemplo – e não
o faremos mais por falta de espaço – a exploração sintática que o narrador faz
do uso dos diálogos, o que dá efeito coloquial à frase. Aliás, o coloquialismo
é neste conto um recurso matreiro e bastante eficaz do narrador para mimetizar
em palavras a figura muito popular de Garrincha; para captar-lhe, por exemplo,
a sua ginga e malandragem de jogador formado nas peladas de rua. Exemplos dos
dois recursos:
“(…) os capitães gritavam instrução,
marca lá, lança aqui, olha o ladrão, todos de repente encantados pelo futebol,
olhando tão parados que o fotógrafo podia ter tirado grandes fotos…”;
“Ih, falou Mané, homem fungando no meu
gangote, e agachou-se como se fosse amarrar a chuteira, descalço porém, só para
pedir a bola com o dedo, indicando onde deviam lançar o passe. Levantou-se já
se jogando ligeiro para a frente, o molecão vacilou, mas correu pulando num
carrinho quando a bola chegava ao pé de Mané que só tocou a bola e tirou o pé,
o molecão se ralou no pó da rua. Mané deu outro toque, ameaçou levantar a bola
e chutou rasteiro com o lado do pé, gol, aplausos e risos, era Mané Garrincha”.
Os diálogos intercalados dentro das
frases sem que se suspenda as funções precípuas dos termos da oração no uso
requerido, figuram perfeitamente, em nível formal, a conversa de rua e
transfiguram, no seu registro literário, a sua dimensão lúdica e humana,
demasiado humana. Além de servir de pretexto, agora em nível de conteúdo, para
a representação competente de dois dos traços característicos do jogo de
futebol praticado em terras brasileiras: o ethos da
malandragem, usado como recurso legítimo das estratégias de jogo (exemplo
acima) e, paralela a isso, a seriedade* (huizinga) com que é encarada a
expressão lúdica na condução do nosso futebol (exemplo abaixo):
“O primeiro gol saiu duma jogada bonita,
no bar aplaudiram, aí cada moleque passou a jogar como se estivesse de
chuteira, sérios como pequenos homens disputando cada lance, os cabelos
respingando, dividindo bola, esquecidos de que estavam descalços, às vezes
algum gemia de dor”.
Dito isto, vamos ao final da história. E
não apenas porque precisamos terminar este resumo de leitura. É porque o final
desta história encerra estrutural e teleologicamente o seu fim. Assim mesmo, no
duplo sentido da finalidade das coisas. Pois que é aí onde textualmente
encontra-se concentrado todo o sentido último desta narrativa: o propriamente
literário, revelado pelo correto domínio por parte do seu autor dos elementos
de significação, intensidade e tensão*, necessário a boa confecção de uma
estória curta, e o significado humano daí resultante, que serve para nos
enriquecer de uma maior compreensão da realidade objetiva ou imaginária que
neste mundo nos torna homens.
“– Entra aqui, Mané, no ataque!”
Ao fim, o narrador nos conta que Mané
Garrincha não resistiu e entrou nessa pelada dos meninos em Pau Grande, sua
cidade natal. Conta-nos também de “quando Mané recebeu a terceira bola e um
carrinho que pegou os dois pés e o derrubou, o quadril batendo forte com o peso
da barriga”. Conta que “o professor viu então que Mané envelheceu de repente,
se contorcendo e segurando os pés, as mesmas rugas do riso, virando as rugas da
dor”.
E conta ainda que um homem qualquer,
presente ali, deu um pescoção no moleque, que tinha diminuído encolhido ali;
mas Mané abriu os olhos e disse “não, não, é criança, é criança”.
Conta por fim, fim mesmo, que Mané saiu
do jogo…
“Tudo é Deus, disse Mané. Vai para onde,
perguntou o professor; e Mané só disse vou, vou, vou indo. Machucou? –
perguntou uma mulher, e ele disse é, mas o time venceu, né, e continuou
sorrindo e mancando pela rua. O professor foi atrás, insistiu, estava indo para
onde? Chega, disse Mané, estou indo, e continuou sorrindo; e só bem depois,
quando de repente Mané voltou a aparecer nos noticiários, todos dizendo como
ele era bom, era o melhor, só então o professor soube para onde ele estava
indo.”
PARA SABER MAIS:
Domingos Pellegrini nasceu
Londrina (PR), em 23 de julho de 1949 e é jornalista e escritor. Entre as suas
obras destacam-se Terra Vermelha, que conta a história da
colonização do Paraná; O Caso da Chácara Chão e O
Homem Vermelho, sendo que por estas duas últimas obras – um romance e um
livro de contos, pela ordem – o autor foi premiado com o prêmio Jabuti de
literatura, oferecido pela Câmara Brasileira do Livro nos anos de 2001 e 1977,
respectivamente. Atualmente vive na sua cidade natal, Londrina, onde estudou
Letras. Trabalha com jornalismo e publicidade. É autor de contos, poesias, e
romances, entre os quais devem ser registrados, além dos títulos já
citados: Questão de Honra (1999) e O Mestre e o Herói (2006).
O conto de futebol, A última pelada de Mané, está publicado na
coletânea 11 Histórias de futebol, reunião de contos
integrante da Coleção Prosa Presente, da Editora Nova Alexandria, de São Paulo,
que saiu em 2006.
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