Crédito: Vitor Silva
/ Botafogo.
por RUY MOURA |
Editor do Mundo Botafogo
Uma grande e indiscutível vitória contra uma equipe
invicta há 27 jogos só pode ser merecedora de todos os encómios numa fase em
que o futebol botafoguense ainda se encontra em reestruturação, após erros
sucessivos de gestão e equívocos graves nas decisões tomadas.
Observei comentários que defendem, em geral, que o
Botafogo não fez um bom primeiro tempo porque era lento e não conseguia furar a
muralha defensiva do Universitario, enquanto no segundo tempo entrou a galope.
Na verdade, somente na 2ª parte a equipe mudou a
dinâmica inicial, usando os seus melhores velocistas, desmarcações permanentes
e penetrações disruptivas que redundaram em gols.
Pode ser uma perspectiva bastante aceitável de terem
havido partes diferentes, isto é, pouco ligadas entre si. Porém, não é essa a
minha visão se tivermos em conta que futebol também é estratégia e tal coisa é
pensada para 90 minutos e não apenas para metade desse tempo.
Na minha análise à vitória sobre o Atletico Goianiense
escrevi o seguinte:
– “A comissão técnica quer impor um jogo de propositura, mas
isso leva tempo e talvez devesse apostar em jogos mais serenos e cautelosos de
modo a cansar o adversário e encontrar brechas na defesa contrária para
contra-atacar velozmente.”
Na análise à goleada
sobre o Juventude, em que teci vários comentários deste ‘novo’ Botafogo, também
escrevi:
– “A dinâmica de jogo
não se baseou em correrias tresloucadas, mas em registros diferentes em maior e
em menor velocidade, consoante as circunstâncias.”
E que…
– “A qualidade do passe melhorou muito e houve
jogadas verdadeiramente tricotadas.”
Pois bem, parece-me que
estas três noções, associadas a uma espécie de ‘paciência de chinês’, foram
exemplarmente executadas na robusta vitória sobre o Universitario.
Não gosto dos
chamados jogos eletrizantes onde a correria desorganizada torna o jogo
completamente partido e totalmente imprevisível para ambos os lados, tal e qual
como nas peladas da nossa infância. Basta ver um jogo de dois clubes europeus e
perceber que as partidas não são de correria, muitas vezes sem sentido
organizativo, mas jogadas em circunstâncias diferentes de velocidade.
E o que eu vi foi um
Botafogo, segundo estatísticas do jogo, com 71% de posse de bola e 91% de
acerto de passes, atraindo o adversário, virando jogo, indo para a frente e de
repente devolvendo a bola atrás, ziguezagueando, fazendo a bola correr e a
equipe adversária também, cansando-a, encaixando-a na sua estratégia e preparando
o golpe final.
Em suma, tivemos um primeiro
tempo baseado em ações serenas e cautelosas, experimentando o adversário,
obrigando-o a usar todas as suas energias para se manter em bloco na defesa,
mas tendo que subir as suas linhas e depois descer essas mesmas linhas, consoante
as manobras de diversão do Botafogo. Portanto um 0x0 muito interessante para o
Universitario, que entrou na 2ª parte seguro que controlaria o Botafogo e num
golpe de sorte até pudesse ganhar o jogo, já que o Botafogo não deixava o Universitario
jogar, e nem os peruanos o que queriam fazer, apostando no mesmo ritmo da 1ª
parte e numa vitória de pura oportunidade.
Eis senão quando o
Botafogo entra a mil do 2º tempo, seguindo certamente a estratégia de AJ de
serenidade na 1ª parte e surpreendentes ações disruptivas para ganhar o jogo
nos primeiros minutos do 2º tempo, tendo a equipe conseguido ser uma primorosa
executora dessa estratégia.
Repare-se que o
Universitário estava desgastado pelos movimentos constantes da equipe do Botafogo
no 1º tempo, com passes ao 1º toque, idas e vindas constantes, mudanças de flancos,
mas com a nossa equipe correndo pouco, porque quem corria – como o nosso grande
Didi gostava – era a bola, e não os atletas do Botafogo, salvaguardando-se para
a 2ª parte.
Assim, entramos no 2º
tempo em melhores condições energéticas do que os jogadores adversários, os
quais apostavam certamente no mesmo modelo de jogo – ao qual se encaixaram bem –,
tal como a comissão técnica botafoguense certamente previra e, consequentemente,
poder surpreender na 2ª parte.
E foi o que se viu:
uma exibição soberba!
Ainda assim, voltando
um pouco atrás, as experimentações da 1ª parte poderiam ter permitido a
abertura do placar, porque por volta da meia hora de jogo Luiz Henrique emendou
uma cabeçada de escanteio que poderia ter dado gol, e poucos minutos depois,
num lançamento longo para Luiz Henrique na ala direita, o atleta cruzou e Savarino
obrigou o goleiro a espalmar e a bola ainda quicar no travessão, quase
inaugurando o marcador. Não conseguimos? Nada que preocupasse os jogadores, que
continuaram na sua ‘paciência de chinês’ desgastando o ‘inimigo’.
E na 2ª parte
amuralha peruana transformou-se numa espécie de ‘muralha de fuzilamento’, em
jogadas de grande nível exibicional. Não foram apenas gols, foram gols fruto de
organização, coletivismo e verdadeiro tricô futebolístico.
A velocidade e a
variedade de jogadas empregues foram notáveis: o 1º gol é feito a partir de jogada
interior que coloca Eduardo cara a cara com a baliza; o 2º gol é construído em jogada
pela ala esquerda, que também deixa Luiz Henrique na cara do goleiro e é
coroado por um drible bem à maneira de craque; o 3º gol, devido a uma excelente
insistência de Mateo Ponte, é trabalhado pela ala direita.
Variedade de jogadas,
velocidade, disrupção na muralha peruana e oportunismo dos autores dos gols,
posicionalmente colocados onde deviam realmente estar.
E por fim um gol despropositado
do Universitário: certamente ainda comemorando mentalmente o 3º gol de uma
exibição de muito bom nível, um minuto após a defesa do Botafogo atrasou-se na
marcação e depois, em minha opinião, John teve alguma culpa no gol. Este
goleiro é melhor com os pés do que Gatito, mas parece-me que Gatito é melhor
com as mãos. A baliza ainda me parece ter luta pela titularidade. Quem surpreendentemente
joga ‘barbaridades’ é Júnior Santos: estraçalha os defensores adversários com a
sua velocidade e deslocações, em todos os jogos marca gol ou faz assistência, e
em outros ainda marca gols e faz assistências. Notável
Todavia, é de realçar
toda a equipe, que parece ter-se encaixado bem nas ideias de AJ, e como o
técnico tem relacionamentos exemplares com os jogadores, a coisa está fluindo com
bastante mais facilidade – algo em que B. Lage e T. Nunes tiveram pouco jeito.
Em suma, o
Universitario sobretudo defendeu-se, praticamente nunca levou perigo à baliza
do Botafogo; entre o 2º e o 3º gol foram 36 minutos de gestão de jogo sem que o
Univesitario tivesse chance de desbancar o Botafogo.
Ainda é preciso
melhorar muito mais – por exemplo, o foco durante todo o jogo, de modo a evitar
distrações como a do gol adversário –, o que não vai ser tarefa fácil porque
temos um plantel qualitativamente desequilibrado, mas, ainda assim, com essas
dificuldades, AJ tem que encontrar mais equilíbrio entre setores, cuidar da
defesa, que tem sido o seu ponto menos forte na sua carreira e simultaneamente
o ponto mais fraco do Botafogo, bem como melhorias no entendimento do jogo e no
foco, bem como nas definições para gol.
FICHA TÉCNICA
Botafogo 3x1 Universitario
» Gols: Eduardo, aos 46’ e 90+2’, e Luiz Henrique, aos
56’ (Botafogo); Olivares, 90+3’ (Universitario)
» Competição: Copa Libertadores da América
» Data: 24.04.2024
» Local: Estádio
Olímpico Nilton Santos, no Rio de Janeiro (RJ)
» Árbitro: Jesús Valenzuela (Venezuela); Assistentes: Jorge
Urrego (Venezuela) e Alberto Ponte (Venezuela); VAR: Juan Soto (Venezuela)
» Público: 21.782 pagantes / 23.800 espectadores
» Renda: R$ 975.691,50
» Disciplina: cartão amarelão – John e Hugo (Botafogo);
Marco Saravia, Alex Valera, Pérez Guedes e Celi (Universitario)
» Botafogo: John; Damián Suárez (Mateo Ponte), Lucas Halter,
Bastos (Alexander Barboza) e Hugo; Luiz Henrique (Óscar Romero), Gregore, Marlon
Freitas (Tchê Tchê) e Savarino; Júnior Santos e Tiquinho Soares (Eduardo).
Técnico: Artur Jorge.
» Universitario: Britos;
Corzo, Williams Riveros e Marco Saravia; Andy Polo (Acajima), Pérez Guedes
(Celi), Murrugarra (Jairo Concha), Ureña e Portocarrero; Édison Flores
(Olivares) e Alex Valera (Dorregaray). Técnico: Fabián Bustos.