por Mauro Axlace
editor do blogue Aqipossa
escrito para Mundo
Botafogo
“Pai, pai, pai...” Lá ia eu à
procura de meu pai, lá pela década de 70, quando eu nem fazia idéia do que era
jogar futebol. Muito menos para que servia jogar futebol fora da garagem do
prédio onde eu morava. Morava naquela época e moro hoje novamente. O mundo dá
voltas, e 30 anos depois, cá estou eu novamente no mesmo prédio.
- Pai, pai...
Vou jogar bola e todo mundo já escolheu um nome de jogador. Me fala um também.
- Garrincha.
- Não pode.
- Nilton
Santos?
- Esse não.
- Jairzinho!
- Não, pai...
- Rivelino!
- Opa! Esse
ninguém falou.
Bem, eu ia
ser o Riva. E quem era Riva? Eu sabia lá quem era o Riva. Só confiava no meu
pai, botafoguense, e ia chutar a bola pra qualquer lado. Eu não fazia idéia do
que era “passa a bola”, “tô livre” ou onde era o gol.
Essas são as
lembranças que tenho no início de minha infância, quando eu nem tinha time.
Quando para mim importava mais brincar, ver desenho, lanchar... O tempo passa,
as coisas mudam, os amores chegam. A gente cresce. Encontrei meu amor, o
primeiro, o que botou fogo, o Botafogo. Sabe dessas coisas que acontecem antes
mesmo de você prestar atenção? Eu já havia torcido para o Botafogo antes mesmo
de saber que um dia torceria para qualquer time.
Foi em 1984,
Novembro, dia 18. Maracanã. Eu e meu falecido tio, irmão de meu falecido avô.
Ambos tricolores, me levavam ao Maracanã assistir futebol. Qualquer jogo valia
para eles. Principalmente para meu avô, jornalista. Eu entrava pelo setor da
imprensa, no mesmo elevador que José Carlos Araújo, Luís Mendes, Paulo Stein,
Márcio Guedes, João Saldanha... Mas isso já era na década de 80, percebam.
Naquele dia
18 de Novembro, vi o Botafogo abrir o placar contra o time do Flu. Veio o
intervalo e meu tio, que se chamava Luís, me disse: “Vamos tomar uma Fanta. O
Flu vai virar no segundo tempo.”
Bebi a Fanta
e o Flu virou mesmo. E com tricolores me levando para o Maracanã e meu pai
dando a dica do Rivelino, virei Flu também? Não. Só achei que naquele momento o
jogo ainda não tinha acabado. Achei correto torcer para o Botafogo, ao menos
naquele jogo, pois uma virada da virada ensinaria alguma coisa aos tricolores.
E o jogo só acabaria mesmo depois que o tal do Baltazar fizesse o 4º gol do
Botafogo numa arrancada bem detrás e chutasse por entre as pernas do Paulo
Victor. Assim eu vi o Botafogo virar a virada e vencer por 4x2.
Depois, já
com o amor do Botafogo no peito, vi também no Maracanã, em 1989, o Vasco ser
atropelado sem sofrer gol. Um 0x0 que não entendi como. Um completo domínio do
alvinegro que não virou gol. Gols na verdade. Até Paulinho Criciuma dando dois
chapeuzinhos no Geovane eu vi, não vi foi a bola entrar.
Foram poucas
as vezes que vi num estádio o time da Estrela Solitária jogar. Mas em nenhuma
delas eu havia visto ele perder. Ontem eu vi. Na companhia de outro Luís, não
meu tio, mas o “Docarmo”, que escreve o Botafogo do Biriba.
Foi a primeira
vez que eu fui ao Engenhão. Comprei uma camisa só para estrear. Choveu. Cheguei
cedo demais. O Botafogo perdeu.
Esperei o ‘Biriba’
chegar. Passou um torcedor com a roupa e a máscara do filme O Predador com uma
bandeira do Botafogo. O ‘Biriba’ chegou. A gente entrou. Tudo novo, o Camarote
era novidade. O Botafogo perdeu.
No Camarote,
tudo do bom e do melhor. Tanto que nem quis olhar tudo de uma vez. Sentamos lá
fora para ver o jogo. Abri a porta de vidro e o primeiro som que ouço, é o
auto-falante dizendo os jogadores titulares. Naquele exato momento, o nome era
do Elkeson. O Botafogo perdeu.
Começa o
jogo, papo vai, papo vem, “e o Rui do Mundo Botafogo?”, “e o blog do Biriba?”,
“E o blog do AQIPOSSA?”, essas coisas. Um lance aqui, outro lá, analisa isso,
não entende aquilo. Falta para o Galo. Gol de falta do Galo. O Botafogo perdeu.
- Quer
saber? Vamos lá para dentro comer algo? - perguntou-me o Luís. - É
melhor. - respondi eu. Nessa hora, ao entrar de novo no melhor do Camarote
da BrahmaFogo, é que pude ver o que estávamos perdendo. Queijos, salaminhos,
quitutes, salgadinhos, camarão, presunto... Sanduíches. Sorvete! Cerveja... Ah,
era sem álcool, claro.
Sentados numa
das mesas, umas batatinhas fritas, mais conversa e gol de empate do Botafogo.
Parece que ficar do lado de dentro do camarote trouxe a sorte. Mais umas
batatinhas, mais um disso e mais um daquilo, mais um gol do Botafogo. Mas o Botafogo
perdeu, Pô! Como? Porquê?
Não cabe mim
encontrar o porquê. Não se sabe nem porque Osvaldo Oliveira existe, disse o Luís,
o ‘Biriba’, e completando, alivia o camarada que assiste os jogos na beira do
campo e só: “Ele pode até existir, mas lá
nas ilhas Fidji e não sair de lá”.
Botafoguense
é supersticioso. Não há como negar. Perdeu porque era a minha primeira vez no
Engenhão, porque eu cheguei cedo demais, porque essa camisa nova deu azar. A
sorte faltou porque choveu, porque eu vi o Predador, porque eu deveria ter
ficado do lado externo e não no interno do Camarote da BrahmaFogo, ou porque a cerveja
era sem álcool. Podem pôr a culpa no destino que já tinha me avisado ao ouvir o
nome de Elkeson como a primeira coisa: “Vai
embora meu rapaz, hoje não vai dar”. Eu não quis escutar, deu no que deu...
O Botafogo perdeu.
Bem, a
recomendação no Camarote da BrahmaFogo é não falar palavrões e o Rui também não
deixaria eu falar alguns aqui, mas p...que p... É f... C... E outras letras
mais. O Botafogo é assim. Quando você quer, ele não. Se você acha que não, ele
faz. E quem perde o espetáculo é você. Mas dessa vez não. Estava na cara que eu
não perderia nada. Não voltamos lá para fora. Ficamos aproveitando o Camarote
da Brahma, que era mais negócio. E olha que no segundo tempo, mesmo ainda ganhando,
não ficamos apenas eu e o ‘Biriba’. Outros ‘videntes’ já estavam trocando o
certo pelo duvidoso.
A cerveja era
sem álcool, mas estava boa. O que não estava bom é o que eu via no telão. O som
atrasado da TV, já que no estádio a torcida gritava antes, tirava um pouco a
graça do lance, mas não escondia que o Atlético empatava o jogo. “Nunca vi o
Botafogo perder num jogo que eu tenha vindo ao estádio, Luís”, disse ao ‘Biriba’.
Mas o Botafogo perdeu.
A vida é
assim. Uns ganham, outros perdem. O estádio estava vazio. Por pouco, muito
pouco, não tinha mais atleticano que botafoguense. Se eu e o Luís não fôssemos
ao jogo, aí sim, teria mais atleticano. Melhor assim, pois poucos viram o
vexame de um time que com um a mais, consegue perder de virada da virada, e
essa não vai ensinar coisa alguma a esses que lá perderam, e felizmente o jogo
acabou antes que um ‘tal’ qualquer fizesse o 4º gol do jogo por entre as pernas
do Jefferson. Lucas foi expulso, e infelizmente volta só ano que vem. Quer
dizer, infelizmente volta ano que vem. A coisa estava tão ruim, que o Elkeson
fazia uma jogada errada e um torcedor no camarote reclamou do Lodeiro.
O ‘Biriba’ me
perguntou quais desses jogadores atuais eu achava que deveriam ficar. Nem vale
a pena responder. Era melhor que ficassem o queijinho, o presuntinho, o
camarão... Também as batatas fritas, os sanduíches, os amendoins e as
castanhas. Para reserva, o sorvete, o pão com presunto e meia fatia de abacaxi
dentro e com uma cereja em cima. Até a cerveja sem álcool pode ficar. Só não
pode ficar o cara das ilhas Fidji.
Querem saber?
O Botafogo perdeu porque não existe mais aquele Botafogo onde crianças escolhem
os nomes de jogadores alvinegros para jogarem bola. Porque estamos na década de
10 do novo milênio e não mais na de 60 e 70, e até mesmo a de 80, que mesmo no
jejum ainda havia jogadores que honrassem a camisa preta e branca. O Botafogo
perdeu porque, assim como quando eu era criança, os atuais jogadores parecem
mais chutar a bola para qualquer lado. Não fazem idéia do que é “passa a bola”,
“tô livre” e até mesmo onde é o gol. O Botafogo perdeu porque não há mais quem
dê dois chapeuzinhos em ninguém, porque atualmente o Botafogo não é o Botafogo
de antigamente.
O Botafogo
perdeu porque quem comanda o clube dá azar até ao mais supersticioso torcedor.
Não importa se o camarada sentou num lugar diferente, se não era a camisa de
sempre, se chegou cedo ou se chegou atrasado. O cara da fantasia de Predador
vai trocar por uma do Alien, ou do Jason, ou até por uma do Mickey, mas não vai
adiantar. O Botafogo perdeu. O Botafogo perdeu uma ótima oportunidade de nos
poupar. O Botafogo perdeu mais alguns torcedores que preferirão esquecer o
futebol.
“Pai, pai,
pai...” Lá vem meu filho à minha procura, no alto de seus 8, 9 anos, quando
já começa a fazer idéia do que é jogar futebol. Já sabe para que serve jogar
bola fora da garagem do prédio onde eu jogava. O mundo dá voltas. Sabe que
campeonatos existem, rebaixamento, time daqui e de lá.
- Pai, pai...
Qual o nome daquele jogador que você disse que tinha que ir embora do Botafogo?
- Lucas.
- Não era
esse não...
- Antônio
Carlos?
- Esse não.
- Rafael
Marques!
- Não, pai...
- Elkeson!
- Opa! Esse mesmo.
Mas o mundo dá voltas.
Imagem: À falta de uma imagem do Camarote BrahmaFogo recorri a uma imagem de 2011 publicada no blogue do meu amigo PC Guimarães.