Capas dos jornais Lance! e Olé
[obtidas por cópia no blogue do PCGuima]
No Brasil e na Argentina as vitórias do Corinthians e do Boca Juniors foram
comemoradas na imprensa do modo acima exibido.
Há dois mil e quinhentos anos fundou-se a democracia; há dois mil anos
nasceu uma nova filosofia de amor ao próximo; há quinhentos anos descobriu-se
novos caminhos de ligação entre todos os povos do mundo; há pouco mais de duzentos
anos idealizou-se a liberdade, a igualdade e a fraternidade; as utopias e os
sonhos foram crescendo e acontecendo; supostamente os homens acompanhariam esse
desenvolvimento; supostamente teceriam novas emoções refinadas em cima de profusas
emoções primárias antigas que ficaram esquecidas nas sangrentas arenas romanas.
Emoção não é apenas assistir à matança de touros em pública; talvez isso
nem seja ‘emoção’ realmente. Emoção não é apenas berrar num estádio de futebol;
talvez isso nem seja ‘emoção’ realmente. Emoção não é apenas espancar alguém;
talvez isso nem seja ‘emoção’ realmente. Emoção não é apenas uma explosão
sexual fortuita; talvez isso nem seja ‘emoção’ realmente. Talvez haja outros
nomes para designar ‘emoções’ de natureza profusamente primária.
Emoção pode ser a alegria profunda do nascimento de um filho/a; pode ser
a dor profunda da morte de quem se ama; pode ser o encantamento de fruir um
homem/mulher que se ama intensamente; emoção pode ser o êxtase de assistir a um
bailado ou a uma ópera ao vivo pela primeira vez; emoção pode ser abraçar quem
se gosta e ficar sentindo no peito a respiração do outro/a.
Emoção pode ser partilhar a vida do Botafogo de Futebol e Regatas em
cada pulsar do nosso coração, pode ser acalentar o brilho de uma Estrela eterna
no nosso caminho; emoção pode ser narrar ao pormenor cada história/estória que
faz o nosso clube desconstruir-se e reconstruir-se através das suas façanhas
mais inesperadas e gloriosas.
Não há no mundo ninguém que consiga emocionar-se mais com o seu clube do
que eu com o ‘meu’ Botafogo. Mas emoção é, por exemplo, Garrincha e tudo o que
ele representou de pureza, de malícia e de alegria; emoção não é vibrar com
danças de atletas imbecis em frente à torcida adversária ou a chuparem no dedo
como se a adultez ainda não tivesse chegado aos seus cérebros.
Emoção é saber vibrar dignamente com uma vitória soberba tal como o fez
Drogba comemorando a extraordinária vitória do Chelsea na Liga dos Campeões Europeus,
correndo, pulando, vibrando, reverenciando a sua torcida – com dignidade,
nobreza, honra. Emoção é vencer com galhardia, é perder com fidalguia.
Emoção pode ser acreditar profundamente na existência de Cristo; mas tenho
sérias dúvidas se apedrejar Judas é realmente uma ‘emoção’ vivida, por exemplo,
por quem acredita profundamente na filosofia cristã.
As imagens que encimam esta publicação não são, em toda a sua plenitude,
a emoção de uma humanidade que inventou a razão e a cultura – que no limite são
resultado de emoções profundas, refinadas e intensas. Existem estudos
científicos sérios que mostram que a violência, o insulto ou o palavrão são
tanto mais frequentes quanto o vocabulário das pessoas é pobre, a sua formação
fraca e o seu caráter frágil, necessitando recorrer ao insulto, à violência ou
ao palavrão porque não são capazes de se emocionar mais e melhor sem o
descontrolo de si mesmos e o exercício dessas vulgaridades.
Li isto sobre a publicação brasileira acima ilustrada: “Representa o que
realmente sentimos ontem no Pacaembu, parabéns”. É isso que sentiu a torcida no
Pacaembu?... Pobre torcida… Fico sabendo, pelo adversário, o quanto os meus
sentimentos e as minhas emoções pelo Botafogo são infinitamente mais profundos,
refinados, intensos, desenvolvidos e – porque não? – nobres e galhardos.
Jornalismo não é apenas ‘ir’ ao encontro do que um determinado público
terá pensado, jornalismo é ser capaz de ‘mudar’ certas formas de pensar,
sentir, falar e agir para patamares emocionais, racionais e valorativos dignos
da nossa humanidade.
As imagens desta publicação não são emoção ‘sublimada’: são decadência
jornalística e de leitores que dão eco ao primarismo e não perseguem com
perseverança o desenvolvimento que supostamente seria o caminho de humanos que
sabem aprender novas e melhores coisas ano após ano, década após década, século
após século. As imagens acima publicadas são elementos de formação de atitudes
coletivas néscias que acabam por enaltecer a pusilânime conjugação “PQPaulinho”
ou a paupérrima exclamação “Boca, carajo!”.
As imagens desta publicação são um exemplo de que a humanidade atravessa
um período muito difícil da sua existência: sem utopias, sem causas, sem
emoções nobres nem sentimentos galhardos. Um período de opção pelas ‘alegrias’
mais fáceis que, invariavelmente, trazem as ‘dores’ mais difíceis.
Urge refundar a nossa ‘humanidade’. E que tenha a ética botafoguense,
evidentemente…
[PS: Desculpem-me os leitores por esta publicação aparentemente
‘moralista’ (que realmente não é), mas um dia, entre muitas profissões
interessantes que eu teria sido capaz de exercer, o jornalismo estava entre as
eleitas – o 4º poder blindado pelo escudo da ética; e também desde sempre me
empenhei em contribuir, pela visão e pela ação, para o desenvolvimento do
coletivo humano. Mas provavelmente o que agora escrevi foi sobretudo um
desabafo… Zango-me comigo mesmo por ser obrigado a ler estas ‘porcarias’ por
amor ao Botafogo, e então desabafo convosco.]
3 comentários:
Parabéns pelo texto, Rui. A comunidade do futebol agradece!!
abraços alvinegros, Roma
Manchete ao futebol
O corpo está doente
A fonte secou
Pobre de um jornal
Cuja manchete não tente
Dar-se o valor de um título
Reverberar um goal
Pobre de um jornal
Que não compreende tampouco
Que a essência de um jogo
Dura o infinito instante
Do derradeiro apito
Ao vindouro sopro inicial
Pobre de um jornal
Que não reconhece
A verdadeira magia
Da sublime fidalguia
Muito além das quatro linhas
Que as transcende ao imortal
Pobre de um jornal
Que se esquece
Que não são no corpo onde são escritas
Mas nas entrelinhas percebidas
que se chega à alma
de um verdadeiro torcedor de futebol
abraços, Rui.
PS.: Acho que me inspirei pelo seu belo texto e aproveitei para tentar dar uma força ao nosso futebol via resgate do que deveria se prestar um jornal.
Belíssimo, Roma. Adorei!
O meu texto talvez minimize excessivamente as emoções 'primárias', mas realmente a ideia era colocar as emoções 'secundárias', as que são alimentadas e refinadas perseverantemente por cada um de nós, no topo dos objetivos de gente/humanidade que se quer desenvolver através de uma aprendizagem permanente - e não essa incapacidade de traduzir num título a arte de uma conquista.
As emoções 'secundárias', pela sua própria natureza cultural são, talvez, o 'verdadeiro' corolário do pulsar rico e criativo que cada um de nós tem como potencial e pode desenvolver.
Abraços Gloriosos!
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