quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Botafogo Football Club, um clube de rapazes há 117 anos

Créditos: MAM.

por RUY MOURA

Originalmente publicado a 9 de dezembro de 2007 no Mundo Botafogo 

Em 1904, uma década após a fundação do Club de Regatas, nasce o Botafogo Football Club a partir de uma simples ideia de rapazes do Largo dos Leões, no qual ficava o Colégio Alfredo Gomes. Durante a aula de matemática do 4º ano do professor General Júlio Noronha, Flávio Ramos, então com 15 anos, escreveu e, conforme relatado por Alceu Castro (1951: 13), entregou um bilhete a Emmanuel Sodré, entretanto intercetado pelo General, dizendo:

“O Itamar tem um clube de futebol que joga na rua Martins Ferreira. Vamos fundar outro no Largo dos Leões? Podemos falar aos Werneck, ao Arthur César, ao Vicente, ao Jacques.”

Emmanuel não respondeu logo, mas entusiasmou-se e fora dado o primeiro passo para o nascimento do Glorioso. Flávio Ramos movimenta vários rapazes e na tarde de sexta-feira de 12 de Agosto de 1904, o clube foi fundado para a prática do futebol por um grupo de rapazes entre os 14 e os 15 anos, reunidos no “chalet do velho casarão em ruínas do Conselheiro Gonzaga, que fazia a esquina da rua Humaitá com o Largo dos Leões, bem em frente à estação de bondes, (…) cedido aos jovens desportistas por D. Chiquitota, avó de Flávio, grande amiga e verdadeiramente mãe do clube nascente” (Castro, 1951: 15).

A mensalidade foi de 2$000 e os recibos correspondiam a talões de um extinto clube de pedestrianismo, o Electro Club, que por essa razão foi o primeiro nome dado ao clube. Porém, o nome foi logo alterado para Botafogo Football Club, em 18 de Setembro de 1904, devido ao nome do bairro. A avó de Flávio, Francisca Teixeira Leite, conhecida por D. Chiquitota, sabendo do nome do clube espantou-se e disse:

“Morando onde moram, o clube de vocês só pode se chamar Botafogo!”.

Decidido o nome, foi escolhido e aclamado por unanimidade o uniforme, que recaiu sobre as listas verticais pretas e brancas, após sugestão de Itamar Tavares, que estudara em Itália e torcia pela Juventus, cujas cores eram precisamente o preto e o branco – e que coincidiam com as cores do Club de Regatas Botafogo.

As primeiras camisas oficiais foram feitas pela firma inglesa Benetfink & Co. Ltd.; o escudo de 1904 do Botafogo Football Club foi desenhado a nanquim por um de seus fundadores, Basílio Viana Júnior; a primeira bandeira do Botafogo Fotball Club foi bordada por Ruth, Hilda, May, Leah e Miriam, irmãs de Edwin Hime, que em 1908 seria Presidente do Botafogo.

Os fundadores do clube foram Álvaro Cordeiro da Rocha Werneck, Arthur César de Andrade “Tutú”, Augusto Paranhos Fontenelle “Zingo”, Basílio Vianna Júnior, Carlos Bastos Neto, Emmanuel de Almeida Sodré, Eurico Parga Viveiros de Castro, Flávio da Silva Ramos, Jacques Raymundo Ferreira da Silva, Lourival Camargo da Costa, Octávio Cordeiro da Rocha Werneck e Vicente Licínio Cardoso. [Os sobrenomes acrescentados às informações correntemente existentes baseiam-se na pesquisa de Pedro Varanda (pesquisador do Botafogo F. R.) nas seguintes fontes: A Tribuna, Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio, O Imparcial e Boletim Interno do Botafogo de Futebol e Regatas]

Flávio Ramos

Alceu Castro relata novamente os primeiros tempos daquele clube de rapazes:

“O primeiro campo do BOTAFOGO foi a via pública, aquele mesmo Largo dos Leões, com suas magestosas palmeiras imperiais servindo de balisas. E foi-se o socego dos seus pobres moradores, com as janelas partidas pelas porfiadas pelejas” (Castro, 1951: 14).

A 2 de Outubro o Botafogo estreou-se perdendo por 3x0 para o Football and Athletic Club, mas as vitórias não tardariam a surgir. O Botafogo alinhou com Flávio Ramos, Victor Faria e João Leal; Basílio Vianna, Octávio Werneck e Adhemaro Delamare; Norman Hime, Itamar Tavares, Álvaro Soares, Ricardo Rêgo e Carlos Bitencourt. Segundo relato de Castro (1951:15), as recordações mais pitorescas desse desafio foram as meias cor de abóbora de Flávio e a atitude do Barão de Werneck – pai de Octávio e Álvaro – que assistiu ao jogo de guarda-sol aberto.

O jogo seguinte com o Internacional F. C. terminou com um empate de 0x0, tendo sido realizado na Rua Conde de Irajá, sob a arbitragem de Athos Duque Estrada. O Botafogo alinhou com Álvaro Werneck, Waldemar Bandeira e Júlio Werneck; Júlio Roltgren, Flávio Vieira e Oswaldo Jacintho; Ricardo Rego, Augusto Fontenelle “Zingo”, Arthur César, Mendes Campos e Mário Costa. O Internacional alinhou com Paulo Mattos, Adhemaro de Lamare e Waldemar Pereira da Cunha; Mário Figueiredo, José Figueiredo e Alfredo Guedes de Mello; Carlos Bittencourt, Leite Ribeiro, Eurico Parga Viveiros de Castro, Emmanuel de Almeida Sodré e Rolando de Lamare.

Logo a seguir, a 21 de Maio de 1905, registou-se a primeira vitória por 1x0 sobre o Petropolitano Football Club, com gol de Flávio Ramos. Na primeira vitória do Botafogo participaram Álvaro Werneck, João Leal e Raul Barreto Maranhão; Waldemar Pereira da Cunha, Octávio Werneck e Adhemaro de Lamare; Carlos Bittencourt, Alexandre Mayo, Octávio Pereira da Silva Tupin’, Flávio Ramos e Itamar Tavares.

Entretanto, a desforra contra o Athletic aconteceu em 4 de Junho do ano seguinte e o Botafogo venceu por 2x1, com gols de Flávio Ramos e Luiz Pederneira. O jogo decorreu na Rua Conde de Irajá e o Botafogo alinhou com Álvaro Werneck, João Leal e Octávio Werneck; Adhemaro de Lamare, Pereira da Cunha e Luiz Pederneiras; Normann Hime, Eduardo Pederneiras, Flávio Ramos, Arthur César e Emmanuel Sodré. Gols: Flávio Ramos e Luiz Pederneiras. Logo após, o Botafogo esteve presente no primeiro campeonato carioca de 1906 e travou com o Fluminense o primeiro clássico do futebol brasileiro que viria a ser designado por ‘clássico vovô’, sendo goleado por 8x0 em circunstâncias absolutamente desfavoráveis.

Em partidas para o campeonato carioca, a primeira vitória do Botafogo foi contra o Bangu no encontro seguinte, vencendo por 1x0 quer no jogo de 1ºs quadros quer no de 2ºs quadros. No jogo principal, o gol do Botafogo foi assinalado por Gilbert Hime no 1º tempo e a equipa atuou assim: Álvaro, Octávio e João Leal; António Rodrigues, Raul e Bernaud; Norman, Flávio, Ataliba, Gilbert e Rolando de Lamare. No jogo de 2ºs quadros, o gol do Botafogo foi assinalado por Viveiros de Castro de penalty no 1º tempo e a equipa actuou assim: Gastão, Adhemaro e António Teixeira; Waldemar, Viveiros e Faro; Júlio, Henrique, Ricardo, A. César e Emanuel.

Equipe do Botafogo na 1ª década do século XX.

Entretanto, o Botafogo conquista títulos logo em 1906.

O primeiro título carioca de futebol pertenceu ao Botafogo e foi obtido nos 2ºs quadros, cujo campeonato terminou antes do campeonato dos 1ºs quadros e, por isso, o Botafogo sagrou-se o primeiro campeão carioca de futebol através da seguinte campanha: 2x5 Fluminense, 1x0 Bangu, 6x1 Rio Cricket, 1xo Football & Athletic, 2x1 Bangu; _x_ Football & Athletic (vitória por não comparência), 3x1 Fluminense, 3x0 Rio Cricket. O Botafogo actuou com a seguinte equipa base: Fairbairn; Adhemaro e Antônio; Paulino, Ricardo e Zingo; Júlio, Henrique, Rolando de Lamare, Arthur Cesar e Emmanuel Sodré.

Em 1906, o Botafogo também obteve o seu primeiro troféu nos 1ºs quadros. O clube foi convidado a disputar o Troféu Elihu Root, em São Paulo, cuja designação pretendia homenagear o Secretário de Estado americano de passagem pelo Brasil. Em jogo único, o Botafogo venceu a Seleção de São Paulo por 2x1, com gols de Flávio Ramos e Gilbert Hime. A equipa atuou com: Álvaro Werneck, João Leal e Barreto Maranhão; Pereira da Cunha, Octávio Werneck e Adhemaro Delamare; Carlos Bitencourt, Alexandre Mayo, Tupin, Flávio Ramos e Ithamar Tavares.

Entretanto, o primeiro título não demoraria, apesar de o Fluminense ser considerado ‘imbatível’. O título chega em 1907, mas devido a um enorme quiproquó, Botafogo e Fluminense terminaram empatados e não houve jogo decisivo por recusa do Fluminense, tendo o assunto sido resolvido na década de 1990 com a atribuição do título a ambos os clubes.

O primeiro título absolutamente inquestionável surgiu com a grande conquista do Campeonato de 1910 sobre o Fluminense, tendo o Botafogo sido designado por ‘Glorioso’ devido às sucessivas goleadas que impôs durante toda a campanha.

Até ao ano da fusão dos dois Botafogos do bairro, o Botafogo Football Club percorreria uma trajetória de glórias e conquistou oito campeonatos cariocas. Além dos campeonatos de 1907 e 1910, venceu em 1912, 1930, 1932, 1933, 1934 e 1935 (tetracampeão do Rio), e ainda conquistou o Torneio Interestadual de 1931 e o Torneio Início em 1934 e 1938.

Em 2003, um rapaz de 17 anos encontrou um baú do tataravô que continha jornais, revistas, fotos, flâmulas e mesmo uma gravata em preto e branco. Aquilo pertencera a John Moore, que com 92 anos de idade assistira pela última vez a um título do Botafogo, precisamente em 1968 quando o clube venceu o Vasco da Gama por 4x0 na decisão do campeonato carioca. Esse “velhinho” era, nem mais nem menos, ‘Mister John’, um inglês que dava aulas no Colégio onde Flávio passara o bilhete a Emmanuel e que naquela tarde de Agosto de 1904 ouvira o General Noronha contar o episódio do ‘bilhetinho’ [Casé, em Casé e Falcão, 2006: 22].

A paixão súbita de ‘Mister John’, que durou 64 longos anos, foi o prenúncio de que o clube dos rapazes atingiria a celebridade num ápice e tornar-se-ia uma potência do futebol brasileiro...

Fontes principais: Augusto, Sérgio (204), Botafogo – Entre o Céu e o Inferno, Rio de Janeiro: Editora Ediouro; Case, Rafael; Falcão, Roberto (2004), 100 Anos Gloriosos – Almanaque Centenário do Glorioso, Rio de Janeiro: Areté Editorial; Castro, Alceu Mendes de Oliveira (1951), O Futebol no Botafogo (1904-1950), Rio de Janeiro: Gráfica Milone; Mesquita, Alexandre; Almeida, Jefferson (2006), Clássico Vovô, Rio de Janeiro: Barra Print; http://www.botafogocentenario.kit.net/historia.htm.

1 comentário:

leymir disse...

Bom dia Ruy!

Um Clube de garotos, um clube da intervenção dívina de D. Chiquitota, nao falarei das glórias nas diferentes modalidades esportivas, e dos muitos craques.

Quero falar dessa simplicidade que é o alicerce da eternidade Botafoguense, e na minha humilde opinião sua maior força.

Eu entendo que a origem do Clube é a alma que irá nortea-lo, e quão mais condizente a ela maior o Clube se apresenta.

Bebeto de Freitas, Paulo Azeredo, Carlito Rocha, Álvaro Werneck, todos tinham um Q de meninos.

Diferentes em tudo do Bigodudo Carlos Augusto Montenegro, e outros que não valem a citação.

E é por isso que acredito sempre no ressurgimento do BFR, grandes Clubes possuem uma essência tão genuína que podem até e infelizmente ser sequestrada, mas nunca extinta.

Acredito que Clubes em ordem cronológica como BFR, CRF e CRVG, possuem esse elemento genuíno, cada qual a sua maneira e com laços mais comuns entre BFR e CRF.

Acredito que essa genuinidade é um elemento tão forte e tao mágica, que não vejo sequer presente nos 12 grandes Clubes, é dádiva apenas de alguns entre os 12.(Preciso estudar mais para afirmar)

Enfim, apenas devaneando.

Abração!






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