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De Heleno falava com um carinho todo
especial. Era com o filho querido que gostava de ter se casado fosse. Apareceu
na praia com 12 anos, trazido pelo irmão Oscar. Era mineiro de São João
Nepomuceno. “Vi logo que seria um craque. Botei ele pra começar no segundo time
do Posto IV e não me enganei. Tinha um primo de nome Aldo, outro cobrinha –
parece que toda a família tinha trato com a bola. Morava na Xavier da Silveira,
15. Gostava muito dele.” Da personalidade de Heleno, Neném respondia cm frase
feita: “Amigo difícil de fazer, mas muito mais difícil de perder.”
Por esse tempo, não jogava mais a sério. Umas
peladinhas, vez ou outra. Ficou à margem do campo, mais exatamente na calçada.
Orientava os meninos do time do Posto IV. E isso dava trabalho. Cuidava do
uniforme, das redes e das balizas, guardadas num bar que existia na equina de
Constante Ramos com avenida Atlântica. Ensinava o que sabia, com a sabedoria
das suas frases. E os garotos jogavam duro, sempre procurando o gol, sempre
para vencer, sem brincadeiras.
“Time que é bom não enfeita, faz gol, porque
é isso que fica depois de um jogo.”
Entre uma partida e outra dos sábados, e as
“peladas” da semana, pegava no batente, o que aparecia, geralmente trabalho de
construção de prédio. Mas em 1942 apareceu um emprego “bom e fixo”. O amigo
“Kanela”, mais tarde treinador de basquete, o convidava para ser roupeiro do
time de futebol amador do Botafogo, o qual dirigia. Neném não pensou para
aceitar. Ganharia casa e comida. E no clube ficou até à morte, que o encontrou
como roupeiro do Departamento de Atletismo, ganhando Cr$ 1.000 e não mais os
300 mil-réis iniciais que “compravam muita coisa”.
Nos anos 50, Neném dirigiu o time de futebol
infanto-juvenil do Botafogo. Conquistou o tricampeonato da categoria –
1956/57/58. Recebeu ofícios elogiosos da diretoria. Apareceu nos jornais,
“muitas vezes pagando”. Excursionou pelo interior. Esteve em Juiz de Fora, Três
Corações e Petrópolis, onde derrotou o Petropolitano e foi identificado por um
jornal como “o famoso Neném Prancha”.
Mas da praia não se afastava, exceto aos
domingos para fazer uma “fezinha nos cavalos”. Junto ao mar gastava o tempo
relembrando histórias antigas e discutindo as novas táticas. Às vezes, lhe
apresentavam um garoto. Conversava um pouco com “a promessa” e depois marcava
um dia para vê-lo jogar. Quando o menino
se afastava, o olhava atentamente. W vaticinava: “esse não é de bola”. Difícil
explicar. “O craque tem um andar diferente., uma ginga, uma pinta, sem a
atitude de pôr a mão nas cadeiras.
Ele confessava que nunca se havia enganado. O
meio-campo Carlinhos e o Ronald, ex-jogadores do Flamengo; China que saiu do
Botafogo para ser artilheiro na Itália; Haroldo, ex-zagueiro do Vasco; o tão
decantado Heleno de Freitas; e os goleiros Cláudio e Caio, que “só dava mesmo
para o gol”. Tinham outros que não fizeram nome, que não entraram em campo.
Seus garotos, se não foram craques consagrados, eram pelo menos, bons de bola.
“O bom jogador de futebol tem que ser igual a
sorveteria: ter muitas qualidades.”
Na praia dirigiu muitos times. Do antigo
Posto 6 ficaram as melhores lembranças, marcadas por muitas vitórias e boas
amizades. “Teve gente que ficou famosa, como Roberto Silveira, aquele que
governou o Estado do Rio.” Outros também subiram na vida. Nunca os procurou.
Nunca lhes pediu favores. “Eram meus
amigos aqui da praia, só isso.” Treinou o Lagoa, mas logo o deixou porque “o
presidente queria escalar o time”. Esteve no Corintians. Uma equipe com a mesma
sina do homônimo de São Paulo, que não conquistava títulos – Neném quebrou a
“escrita”. Por fim, comandava o Botafogo, mantido pelo clube do qual era
empregado, sem ganhar nada com isso. “O futebol nunca me deu dinheiro, só
amigos. Isso não basta?”
Com esse Botafogo ele se ocupava todas as
tardes de sábado. Reunia a garotada. Distribuía camisas e dava conselhos. Aos
beques recomendava jogo duro, porque eles não eram moças. Pediam a todos para
esquecerem o juiz e pensar na bola. Relembrava ao lateral que ele não era ponta
e ao ponta que ele não era lateral – “essa bobagem de ponta defender e lateral
atacar dominou o lado esquerdo do Botafogo por uns tempos”. No jogo, as
instruções se faziam cumpridas. Os gols saíam naturalmente. No final, a
comemoração. A conversa apressada. A entrega do material. Neném recolhia
camisas e cações suados. Guardava-os num saco. Depois, despedia-se dos amigos e
rumava para o quartinho embaixo das arquibancadas do campo da Rua General
Severiano. Ficaria, por certo, arrumando umas coisinhas, revendo o passado nos
recortes de jornais, esperando o sono chegar. Sozinho, tal qual uma estrela
solitária.
*****
Outros frasismos de Neném Prancha.
– Se futebol fosse jogo de azar, a polícia
acabava com ele.
– Joga a bola pra cima, porque enquanto ela
estiver no céu não tem perigo de gol.
– O goleiro deve andar sempre agarrado com a
bola, mesmo quando for dormir. Se for casado, dorme com as duas.
– Os clubes qualquer dia vão precisar mais de
um goleiro do que de doutor, pois em toda pancada o médico manda colocar gelo.
– Todo jogador deve ir na bola com a mesma
disposição com que vai num prato de comida.
– A bola tem que ser rasteira, porque o couro
vem da vaca e a vaca gosta de grama.
– Se concentração ganhasse jogo o time do
presídio era campeão.
– Pênalti é tão fácil que até o presidente pode
bater.
– Quem pede tem preferência, quem se desloca
recebe.
– Futebol não tem lógica: num jogo entre
casados e solteiros, os viúvos podem ganhar.
E finalmente, contrariando a grande marca do botafoguismo
supersticioso, Neném Prancha fugia completamente à regra:
– Se pata de coelho desse sorte o bicho não
morria: ele tem quatro.
– Se macumba ganhasse jogo o campeonato
baiano terminava empatado.
2 comentários:
Sensacional! Tem mais?
Não, José Vanilson. É uma história em dois atos. Mas sensacional! (rs)
Abraços Gloriosos.
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