por Fernando Calazans
Mesmo
conhecendo bem, como todo o mundo, a qualidade do futebol de Seedorf, vi com
certo ceticismo a sua contratação pelo Botafogo, por causa dos 37 anos que ele
acabou de fazer agora, no primeiro dia do mês. Só pode ter sido preconceito
contra a idade. Ainda bem que minha desconfiança não se justificou. Pelo
contrário. Suas atuações fizeram crescer minha admiração por este tipo de
futebol cerebral.
A
chegada de Seedorf está fazendo bem não apenas ao Botafogo, como também ao
futebol brasileiro e, mais até do que isto, está fazendo bem à História do
futebol brasileiro. Duvidam? Pois ele agora acabou de ressuscitar no lapso de
um segundo, com um drible de corpo, a memória de Garrincha. Foi nos 4 a 1 do
Botafogo contra o Nova Iguaçu, antes do centro dele mesmo que originou o bonito
gol de cabeça de Lodeiro. Foi curioso, porque, sem nenhuma combinação, diversos
sectores da mídia associaram o drible de Seedorf aos tantos dribles de
Garrincha. E de fato o gesto do holandês deixou o marcador completamente sem
acção, perdido no campo, como ficavam os marcadores do brasileiro.
Foi
bom porque – por incrível e por cruel que pareça – Garrincha estava meio
esquecido, como nós costumamos deixá-lo de vez em quando. O que também é
curioso, tristemente curioso. As gerações jovens costumam, sempre costumaram,
escolher os melhores jogadores do mundo apenas entre aqueles que viram jogar,
deixando a História para trás, condenada ao esquecimento. Os jovens de hoje só
abrem exceção para Pelé, imagino que por ser ele considerado – com justiça, por
sinal – o maior jogador do mundo. Escalam o Pelé no meio de cinco ou seis
contemporâneos, como que dando uma colher de chá ao passado, mas nem se
recordam mais – nem mesmo os chamados ‘especialistas’ da jovem e grande mídia –
do nome de Mané Garrincha.
A
diferença pode se dever também ao fato de Garrincha nos ter deixado ainda cedo,
aos 49 anos, enquanto Pelé permanece vivo entre nós e no mundo inteiro, no
frescor dos seus 72 anos. Mas, ainda que este seja o motivo, trata-se de uma
injustiça. Assim, quero deixar aqui apenas um lembrete. Minha gente, jovens e
velhos que me lêem: Garrincha é imortal. Simplesmente isso.
Pois
f0i preciso que Seedorf aportasse no Botafogo e no Brasil para que Garrincha
voltasse às primeiras páginas; às manchetes, à vibração electrizante do rádio e
às imagens puras da televisão. Para que voltasse à nossa memória.
E
foi preciso que Seedorf executasse o drible do último domingo para que uma TV
holandesa pedisse ao técnico Oswaldo de Oliverira que fizesse uma comparação
entre o craque actual e o craque se sempre do mesmo Botafogo. Oswaldo fez duas
observações: a primeira, que Garrincha foi, para ele, o segundo melhor jogador
de todos os tempos, atrás exactamente do Pelé eterno; e a segunda, que o estilo
de um, Seedorf, não tem nada a ver com o estilo do outro, Mané.
É
verdade: nada a ver. Embora com claríssimas qualidades individuais, Seedorf se
distingue pela participação colectiva, pela arrumação que dá a cada setor do
time, com sua movimentação constante em todos os cantos. É o cérebro. Garrincha
foi o instinto, a improvisação, o talento genial.
Eu,
particularmente, faria assim a comparação: Seedorf é fantástico pela capacidade
de organizar seu time; Garrincha foi mais fantástico ainda pela capacidade de
desorganizar o time dos outros. Quer dizer: neste sentido, são até antípodas.
O
que torna mais deliciosa ainda a oportunidade que ele, Seedorf, nos deu de
recordar o Mané. Dois dribles secos, pra lá e pra cá, sem tocar na bola,
deixando o rival cambaleante, querendo saber onde estava. Só soube depois da
conclusão da jogada, quando a bola já estava dentro de sua rede.
Por
isso, no meio da alegria que tomou conta dos torcedores botafoguenses, no meio
dos elogios dedicados a ele pela jovem e pela velha crítica, no meio da
admiração dos companheiros de time e da perplexidade dos adversários – enfim,
pelo ensejo que deu ao futebol brasileiro de voltar a reverenciar a figura de
Garrincha, quero deixar aqui registrado um sentimento próprio, muito
particular: Obrigado, Seedorf.
2 comentários:
Rui,
E o melhor de tudo isso é que os dois jogaram e jogam no nosso amado e Glorioso Botafogo!
Abs e Sds, Botafoguenses!!!
Sem dúvida, Gil. Assim como Brunos, Adrianos, Vagner Loves e Souzas só podiam jogar onde jogaram. A génese e a cultura de cada clube é o que é...
Abraços Gloriosos!
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