terça-feira, 15 de abril de 2014

Uma noite em Buenos Aires

[Paulo Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas, interpretando os protagonistas pelos quais assina; as crônicas publicadas no Mundo Botafogo são uma gentileza do autor.]

De Buenos Aires, Heleno de Freitas*

Quase 66 anos depois, repeti com meu amigo Geraldo Romualdo da Silva, jornalista do “Globo Esportivo”, um passeio pela calle Florida. Foi ele que me acompanhou no primeiro passeio pela cidade, como se pode ver na foto que ilustra esse texto. Não precisei dessa vez usar o meu velho capote. Fazia calor em Buenos Aires, muito diferente daquela minha temporada no boca juniors, de onde não levei nenhuma saudade. Ao contrário. Não me adaptei por aqui. Treinava, vejam vocês, de sobretudo, tamanha a aversão pelo vento rascante. O treinador, claro, ralhava comigo.

Ao alcançar a avenida Nove de Julho – precisa-se de muito fôlego para atravessar suas dezoito pistas de rolamento – identifiquei uma blusas listradas, perto do Obelisco. Fui até lá. Uns tomavam sorvete, outros apreciavam alfajores. Via-se, já à distância, que eram forasteiros. Descobri que estavam em terra portenha pelo mesmo motivo que eu. Quis saber como andava o time. Todos estavam desanimados. Demoraram um pouco pra me reconhecer. Quando me reconheceram, trataram de perguntar se eu iria ao Novo Gasómetro. “Vocês são engraçados! Com todo esse pessimismo e ainda querem me levar? Mas vou mesmo assim. O Botafogo precisa de nós”.

Jogo começado e cutuquei o Geraldo Romualdo. “Essa rapaziada tem razão”, cochichei para mim mesmo. Não faltava vontade. Faltava era futebol. E muito! Vivia um paradoxo. Ao mesmo tempo em que queria entrar em campo, dava graças a Deus por não estar jogando. O que eu faria com o Julio Cesar – o vizinho do lado me cantava o nome dos jogadores – que colocava atabalhoadamente a perna diante do chute do atacante? O que eu faria com Aírton, por exemplo, um menino sem a menor noção de tempo e espaço? Foi quando sorri, na primeira e única vez da noite. Tomei cuidado. Fiz uma concha com a mão e a pus sobre a boca pra ninguém ver, pra não acharem que era deboche. Lembrei-me de um episódio, lá em São João Nepomuceno. Um infeliz que jogava no Mangueira não acertava um passe. Até que parei o jogo e o apresentei à bola. Claro que o juizinho marcou falta técnica. Quantas vezes eu interromperia o jogo de ontem? “Geraldo, nossos jogadores não conseguem trocar três passes!”, reclamei com o amigo.

O san lorenzo parecia um outro time, muito diferente do que jogou no Maracanã. Corajoso, com audácia, com vontade. Não precisava da proteção do santo que lhe empresta o nome nem tampouco de seu torcedor mais ilustre , o Francisco. Antes mesmo de o terceiro gol sair, dei as costas para o campo. Desci as escadarias, uns trinta degraus e ganhei as ruas de Almagro. Parei no primeiro bar e pedi um conhaque. Enquanto esperava pelo Geraldo, um desconhecido, cerimonioso, bateu no meu ombro. “Você não viu nada, doutor Heleno! Querem transformar o pouco que resta do velho estádio de General Severiano em campos de pelada. Pobre Botafogo!”.

* Heleno de Freitas dispensa apresentações.

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