[Paulo Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas, interpretando os
protagonistas pelos quais assina; as crônicas publicadas no Mundo Botafogo são
uma gentileza do autor.]
De Buenos Aires, Heleno de Freitas*
Quase 66 anos depois, repeti com meu amigo Geraldo Romualdo da Silva,
jornalista do “Globo Esportivo”, um passeio pela calle Florida. Foi ele que me
acompanhou no primeiro passeio pela cidade, como se pode ver na foto que
ilustra esse texto. Não precisei dessa vez usar o meu velho capote. Fazia calor
em Buenos Aires, muito diferente daquela minha temporada no boca juniors, de
onde não levei nenhuma saudade. Ao contrário. Não me adaptei por aqui.
Treinava, vejam vocês, de sobretudo, tamanha a aversão pelo vento rascante. O
treinador, claro, ralhava comigo.
Ao
alcançar a avenida Nove de Julho – precisa-se de muito fôlego para atravessar
suas dezoito pistas de rolamento – identifiquei uma blusas listradas, perto do
Obelisco. Fui até lá. Uns tomavam sorvete, outros apreciavam alfajores. Via-se,
já à distância, que eram forasteiros. Descobri que estavam em terra portenha
pelo mesmo motivo que eu. Quis saber como andava o time. Todos estavam
desanimados. Demoraram um pouco pra me reconhecer. Quando me reconheceram,
trataram de perguntar se eu iria ao Novo Gasómetro. “Vocês são engraçados! Com
todo esse pessimismo e ainda querem me levar? Mas vou mesmo assim. O Botafogo
precisa de nós”.
Jogo
começado e cutuquei o Geraldo Romualdo. “Essa rapaziada tem razão”, cochichei
para mim mesmo. Não faltava vontade. Faltava era futebol. E muito! Vivia um
paradoxo. Ao mesmo tempo em que queria entrar em campo, dava graças a Deus por
não estar jogando. O que eu faria com o Julio Cesar – o vizinho do lado me
cantava o nome dos jogadores – que colocava atabalhoadamente a perna diante do chute
do atacante? O que eu faria com Aírton, por exemplo, um menino sem a menor
noção de tempo e espaço? Foi quando sorri, na primeira e única vez da noite.
Tomei cuidado. Fiz uma concha com a mão e a pus sobre a boca pra ninguém ver,
pra não acharem que era deboche. Lembrei-me de um episódio, lá em São João
Nepomuceno. Um infeliz que jogava no Mangueira não acertava um passe. Até que
parei o jogo e o apresentei à bola. Claro que o juizinho marcou falta técnica.
Quantas vezes eu interromperia o jogo de ontem? “Geraldo, nossos jogadores não
conseguem trocar três passes!”, reclamei com o amigo.
O san lorenzo parecia um outro time, muito diferente do que jogou no
Maracanã. Corajoso, com audácia, com vontade. Não precisava da proteção do
santo que lhe empresta o nome nem tampouco de seu torcedor mais ilustre , o
Francisco. Antes mesmo de o terceiro gol sair, dei as costas para o campo.
Desci as escadarias, uns trinta degraus e ganhei as ruas de Almagro. Parei no
primeiro bar e pedi um conhaque. Enquanto esperava pelo Geraldo, um
desconhecido, cerimonioso, bateu no meu ombro. “Você não viu nada, doutor
Heleno! Querem transformar o pouco que resta do velho estádio de General
Severiano em campos de pelada. Pobre Botafogo!”.
* Heleno de Freitas dispensa apresentações.
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