sexta-feira, 20 de março de 2020

Aladar Szabo: mito real do desporto nacional

Polo Aquático brasileiro campeão dos Jogos Pan-americanos de 1963: de pé, da esquerda para a direita – Claudino Cayado de Castro (técnico), Paulo Carotini (Polé), Flavio Ribeiro Rato, Luiz Daniel (goleiro), Ivo Carotini, Hugo Carotini (dirigente) e Aladar Szabo; agachados – Luís Eduardo Pinheiro Lima (Liminha), Luiz Carlos de Aguiar Valim (Caio), João Gonçalves, Marvio Kelly dos Santos e Ademar Grijó.

por RUY MOURA
Homenagem ao polo aquático do Botafogo Tetracampeão Sul-americano (2016-17-18-19)

Aladar Szabo nasceu em Eger, na Hungria, em 15 de março de 1933, naturalizou-se brasileiro e faleceu em São Paulo, no Brasil, em 12 de outubro de 1982, tendo sido o maior jogador botafoguense e brasileiro de polo aquático de todos os tempos.

O pai do atleta, também Aladar Szabo, era militar, e a sua mãe, Petheo Irene, dona de casa; o pai desejava que o filho fosse padre, a mãe preferia que fosse pianista. Porém, quando Szabo saía do Seminário não se dirigia a casa da sua professora de piano: fugia lampeiro para nadar no clube!

É claro que Szabo abandonou o Seminário quando tinha 17 anos e, pouco depois, seguiu o mesmo rumo em relação às aulas de piano – da piscina é que jamais se afastou!

Por essa época Szabo já se tornara campeão europeu de natação e recordista juvenil nos 100 metros nado livre com o tempo de 57”8, bem como integrava a equipe sênior no revezamento 4x100 metros (Telles, 2002). Porém, também praticava polo aquático desde os 15 anos no Vasas e, em 1952, com apenas 19 anos, foi convocado para a Seleção Húngara que se sagrou campeã olímpica, tendo também disputado o revezamento 4x200 metros livre. Atuou na seleção do seu país de origem entre 1952 e 1956, ainda na categoria de júnior (Telles, 2002).

Entretanto, os pais abandonaram a Hungria devido aos problemas políticos resultantes da luta pela liberdade em 1956, cuja revolução democrática foi esmagada pelo exército soviético que invadiu o território húngaro. A fuga da família Szabo teve por destino a Itália, país em que o polo aquático estava em ascensão (medalha de ouro nos jogos olímpicos de Londres, em 1948).

Na Itália, Szabo jogou polo aquático no Rari Nantes, em Nápoles (1957 e 1958), e o seu desempenho rendeu convites de vários países, incluindo o da Confederação Brasileira de Desportos. Szabo escolheu o Brasil sobretudo devido a ter visto Garrincha jogar na Hungria contra o Honved, em 22 de abril de 1956, tendo chegado ao Rio de Janeiro a bordo no navio ‘Conte Grande’ em 1959.

Nessa altura o atleta rumou para o Fluminense, que possuía a melhor equipa de Pólo Aquático da época. Aladar Szabo entrou como treinador, mas a sua superioridade técnica era tão grande que passou logo a jogador, permanecendo nas Laranjeiras entre 1959 e 1961 e tendo-se naturalizado para jogar pelo Brasil. Foi nesse período que o Brasil logrou obter conquistas inéditas.

O Fluminense detinha a mais extraordinária equipe de polo aquático brasileira, a qual venceu 104 jogos sucessivos, e Szabo foi contratado para seu dirigente, mas a sua forma física e capacidade técnica acabaram por levá-lo também a jogar, permanecendo no Tricolor de 1959 a 1961.

Vale a pena registrar que a invencibilidade do Fluminense em 104 partidas durou praticamente 10 anos, desde 3 de fevereiro de 1952 com a vitória sobre a Associação Desportiva Floresta até ao dia 21 de outubro de 1961 quando foi derrotado por 2x0 pelo Botafogo.

Comemoração da vitória de 2x0 sobre o até então invencível Fluminense

Szabo tinha sido transferido para o Botafogo a 5 de outubro de 1961 e foi com dois gols seus, 16 dias depois, que o clube da Estrela Solitária venceu o Fluminense por 2x0 e lhe quebrou a incrível invencibilidade.

Isto significa que o verdadeiro sucesso de Szabo ocorreu no Botafogo de Futebol e Regatas a partir de 1961, sendo convocado para a Seleção Brasileira que disputaria o Pan-americano de 1963 e os Jogos Olímpicos de 1964. Szabo foi o artilheiro da Seleção Brasileira campeã Pan-americana com 24 gols.

As mudanças introduzidas por Szabo foram profundas e representavam o que de melhor existia no polo aquático mundial, sobretudo por ser originário de um país como a Hungria que conquistara os jogos olímpicos de 1932, 1936, 1952, 1956.

A influência de Szabo foi espantosa, ao mesmo tempo que conseguia manter a tradição das características masculinas do polo aquático, tendo sido conotado com imagens violentas. Os títulos dos jornais da época eram um exemplo significativo dessa imagem: “Agressão e sangue na piscina” (Revista do Esporte, 1962.07.27); “Fluminense saiu do torneio por medo de Szabo” (Jornal do Brasil, 1962.11.09); “A violenta história de Szabo” (Jornal da Tarde, 1972.04.20; “Era bom de bola e de briga” (Jornal do Brasil, 1982.10.14).

O Botafogo possuía na época uma equipa fabulosa, com Álvaro Pires, Nei, Pezinho e Jorgete, além do próprio Szabo, que chagava a marcar 12 gols numa vitória de 12 gols do Botafogo. Os remates de Szabo eram de tal modo portentosos que não era raro que os gols de Szabo fizessem a bolar quicar várias vezes dentro da rede e na borda.

Szabo era conhecido por quebrar as traves das balizas, o que não seria de espantar tendo em consideração dois aspectos: a) que a bola era muito mais pesada do que hoje, especialmente depois de encharcada; b) que Aladar tinha um remate absolutamente desproporcional para a época. Em dadas ocasiões, Szabo jogava a bola da piscina do Fluminense para o campo e do clube Guanabara para o Botafogo.

Szabo tornou-se, então, além de ídolo do Botafogo elevado a potência nacional, o maior ídolo do polo aquático do país com a conquista de dois títulos Sul-americanos e um Pan-americano, lotando as piscinas a sua presença.

Silvio Telles descreve assim o ídolo (2009):

Deus grego associado à morte ou aos infernos, Thanatos era filho da noite e irmão do sono, tinha coração de ferro e corpo de bronze. Ter um corpo perfeito e guerreiro se apresenta como um indicador de masculinidade. […] Dono de um corpo apolíneo, com uma forma física invejável, bonito, bom de briga, espírito guerreiro, Szabo detinha todos os atributos que o faziam um perfeito receptáculo para encarnar o mito da masculinidade. Somente a presença de Szabo bastava para causar medo em seus oponentes, ou em quem tinha ouvido falar em seu nome. Talvez suas atitudes se tornassem ainda mais exacerbadas quando se dispunha conscientemente a encarnar tal mito.

Através da leitura de Nolasco (1995, 2001), procuramos estabelecer a relação entre as características que compõem a identidade do praticante de polo aquático e aquelas que compõem o mito da masculinidade. Isto nos forneceu o suporte teórico de que necessitávamos para apresentar a figura de Aladar Szabo, jogador húngaro naturalizado brasileiro, como encarnação do mito da masculinidade e, sob a perspectiva de Campbell (1999), como um herói do polo aquático brasileiro. Aladar Szabo parece ter aglutinado todas as características necessárias para representar o ícone do “jogador de polo aquático”: forte, agressivo, violento, brigão. Além desses atributos, a memória e a imagem que os relatos fornecem sobre Szabo estão bem sintonizados com um tipo de construção tipicamente brasileira: os entrevistados atribuem a ele traços que estariam associados ao “caráter brasileiro” (mulherengo, fã do Carnaval e, acima de tudo, alegre), numa tentativa, mesmo que inconsciente, de nacionalizá-lo. Em outras palavras, a memória do grupo de polo aquático brasileiro nacionalizou Szabo para poder transformá-lo em um herói local. Ele representa um ideal de virilidade, força e poder, o que lhe tem assegurado a perenidade na memória e nos discursos dos membros do grupo de polo aquático brasileiro.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Campbell, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix / Pensamento, 1999

Falcão, Peter. Polo aquático volta a ser praticado após 50 anos. A Gazeta, Vitória, 20 maio 1996, Caderno 2, Esporte, p. 3, c.1-6.

Jornais: Jornal do Brasil, Jornal dos Sports, O Globo, Última Hora.

Nolasco, Sócrates. A desconstrução do masculino.  Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

Nolasco, Sócrates (2001). De Tarzan a Homer Simpson. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

Telles, Silvio (2002).  A identidade do jogador de polo aquático e o mito da masculinidade. (Dissertação de Mestrado). PPGF-UGF, Rio de Janeiro.

Telles, Silvio (2009). Aladar Szabo e o Polo Aquático Brasileiro: uma contribuição para a construção da identidade do esporte. Anais do XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e III Congresso Internacional de Ciências do Esporte. Salvador (BA),20 a 25 de setembro.

2 comentários:

Unknown disse...

Conheci Szabo quando trabalhei na Sanacqua em 1980, ele era o dono. Grande profissional, jogador, treinador, pai, amigo. Na época ainda dava treinos de Pólo Aquático. As 'histórias que ele contava realmente vem de encontro com o vosso texto. Saudoso Szabo, fez a diferença no Pólo Aquático Mundial. Parabéns pela vossa abordagem.

Ruy Moura disse...

Verdade, Szabo foi um iluminado no Polo Aquático mundial. Devia ser mais lembrado. Uma glória incontornável.

Abraços Gloriosos.

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