Cupido Alvinegro

por LÚCIA SENNA, escritora e cantora

escrito para o blogue Mundo Botafogo

Não foi amor à primeira vista.  Não fui acometida por nenhuma seta fulminante que me atravessasse o coração e nem mesmo sininhos mágicos repicaram nos meus ouvidos. Ao contrário, o interesse foi chegando lenta e gradualmente...

 Apesar de ter nascido no país do futebol moderno, nunca torci por clube nenhum. As tardes de domingo, com a família ligada no canal dos esportes, assistindo com total resignação o América perder para qualquer que fosse o adversário, eram deprimentes. Meu tio era um abnegado torcedor e horas antes do Mecão entrar em campo, já tomava um comprimido de Lexotan para se proteger das fortes emoções que, infelizmente, não aconteciam. Ainda o vejo roendo as unhas com os olhos grudados na tela da televisão, os ouvidos colados no radinho de pilha e dizendo impropérios até à quinta geração, quando o time contrário marcava um gol. Testemunhei seu sofrimento, suas agruras e azedumes motivados pelas piadas e gozações de alguns familiares que, impiedosos, perguntavam-lhe: “Esse time ainda existe?”  O homem só faltava enfartar...

Eis que, em um dado momento, o América, jogando em casa, encheu-se de brios e, levado por uma pequena mas empolgada torcida, que das arquibancadas do Maracanã gritava “SAAAAAANNNGUE”, venceu o Corinthians por 1x0.  Jamais vi meu tio tão eufórico. Repetia, incessantemente, que aquela, sim, era uma goleada histórica!

Sempre considerei que amor é sentimento de alto-astral. E o futebol, ao menos na minha casa, era coisa pesada, sinônimo de tristezas e frustrações. Não, não queria isso pra minha vida. Talvez tenha sido essa a explicação mais plausível para o meu total desinteresse por esse esporte.

Estou jantando em um restaurante no Baixo Botafogo e fico irritada com o som alto da TV que transmite uma partida de futebol. Penso em reclamar com o gerente, mas desisto quando observo que todos estão ligadíssimos no jogo, mais parecendo uma torcida organizada. Eu seria voto vencido e me rendo à minha insignificância. Entre continuar irritada ou prestar atenção na partida, acho que é bem mais inteligente a segunda opção. E é o que faço.

A disputa acontece entre Flamengo e Botafogo. Não conhecendo as regras do futebol e mal fazendo a distinção da função de um zagueiro para a de um gandula, não entendendo nada sobre escanteios, faltas, tiros de meta, impedimentos e toda essa nomenclatura futebolística, fixo-me nas torcidas, pois de alegria entendo bem. Meu caso é com a festiva arquibancada.

A torcida do Botafogo me prende a atenção. Minhas cores favoritas, pelo simbolismo que contêm, são o branco e o preto. O branco, além de ser o símbolo da paz, é a cor da luz e, por feliz coincidência, o significado do meu nome.  Já o preto traduz elegância, dignidade e sofisticação. Que mulher não tem em seu guarda-roupa um pretinho básico a ser usado em momentos especiais?

Não é de admirar, portanto, que tenha ficado sufocada de emoção ao me deparar com aquele mar de torcedores alvinegros carregando no peito uma brilhante Estrela Solitária. A imagem não poderia ser mais exuberante. Além disso, no decorrer do jogo, noto que os torcedores têm uma postura de respeito diante dos adversários. Fico bem impressionada com o que observo.

Quando algo me sensibiliza, seja lá o que for, corro atrás de mais informações. E, então, saio em campo para buscar novos dados sobre o Botafogo.  Volto aos símbolos, minha paixão.  Aprendo que a Estrela Solitária é a madrugadora Estrela d’Alva. Ela, lá do céu, iluminava o caminho dos remadores botafoguenses que saíam, cedinho, para o treino matinal na Lagoa Rodrigues de Freitas. Não precisou de mais nada para fulgurar gloriosa na bandeira do clube.

A Estrela d’Alva, de tamanho esplendor, é o planeta Vênus. Sendo eu taurina, sou regida por Vênus, a deusa do amor. Mais uma feliz coincidência! Entusiasmada, continuo a pesquisa e me delicio ao saber que o Pato Donald é o mascote do time. Desde que me entendo por gente sou fã daquele pato de pavio curto e voz esganiçada. Mas Donald é também um pato-cidadão. Não abre mão de lutar pelos seus direitos, assim como os torcedores do Fogão. Que pato mais fofo... se pata fosse, queria ser a sua Margarida.

Manequinho – quem diria? – é outro mascote. Cresci admirando aquela interessante fonte situada em frente à sede do Bota. Mais uma coincidência.

Só agora, já de posse de toda essa fascinante simbologia, parto para conhecer a sua real biografia e a de seus famosos e inesquecíveis jogadores. Que história GLORIOSA!  O nosso blogue é, sem dúvida, a fonte de águas claras e límpidas, onde tenho vindo saciar a minha sede de informações sobre todos os pormenores desse admirável clube.

Atualmente não perco um jogo e, supersticiosa como qualquer torcedor botafoguense, visto a camisa do time, assisto a partida com os dedos cruzados, utilizo uma série de mandingas, sussurro preces e maldições e arrebento-me de contagiante alegria com os seus gloriosos gols.

Iniciei o texto afirmando que o Botafogo chegou na minha vida lenta e gradualmente. Foi chegando de mansinho, pé ante pé, sem fazer muito alarde e, quando dei por mim, já estava totalmente chamuscada pelo FOGÃO da paixão.

É, um cupido alvinegro flechou-me o coração...