por
CLÓVIS ROSSI
Repórter especial e membro do Conselho
Editorial da Folha
8 de abril de 1910
Lionel
Messi, a personagem do momento, pelo menos para a multidão que gosta de
futebol, é o Garrincha sem pernas tortas. Antes que os patrioteiros de plantão
peçam meu fuzilamento por ousar comparar um ídolo tapuia com um estrangeiro,
ainda por cima argentino, deixe-me qualificar a comparação: não se trata de
dizer que Messi é melhor que Garrincha (ou pior ou igual).
Não há
comparação possível entre um gênio dos anos 50/60, como Mané Garrincha, e outro
gênio, mas do século 21, caso de Messi.
No que são
comparáveis é no espírito, na alma. Um era um menino que gostava de futebol e
de passarinhos. O outro é um menino que só se importa com a bola. Ponto.
Reproduzo
descrição de Ramon Besa, um dos editores de esportes do jornal espanhol
"El País", sobre Messi, após os quatro gols marcados terça-feira
contra o Arsenal:
– "Messi mal fala e, quando abre a boca,
nem sempre se sabe o que disse. A revista norte-americana "Time" nem
sequer o incluiu na lista dos 200 personagens mais famosos do mundo porque se
supõe que não tem gancho midiático para competir com figuras como Tiger
Woods".
– "Messi
só gosta de jogar futebol e de marcar gols. Ninguém sabe se o estimula que seja
comparado com Maradona, Ronaldo ou Higuaín. Tampouco há notícias sobre como o
afeta que os demais discutam sobre seu progresso e reinado, e, claro está,
pelas causas de seu difícil encaixe na seleção argentina".
– "Não
há dúvidas, em contrapartida, de que a Messi só interessa o recreio, momento em
que pede a bola, se torna competitivo e resolve a partida mais difícil. As
crianças jamais perguntam; simplesmente saem para jogar no pátio [da
escola]".
Aposto que
Armando Nogueira, o mais notável cronista esportivo que o Brasil produziu, se
excetuado Nelson Rodrigues, que é um bicho algo mais complexo, escreveu coisas
bem parecidas sobre Garrincha. Pena que os textos de 50 anos atrás não sejam
fáceis de localizar eletronicamente, ao contrário do que ocorre com o relato de
Besa, que está em http://www.elpais.com/articulo/deportes/Messi/merienda/Arsenal/elpepidep/20100407elpepidep_2/Tes/.
Lembra-se da
história que se conta frequentemente sobre Garrincha e sua desatenção para com
as cidades em que jogava? Consta que lhe perguntaram, um dia, sobre Roma, e ele
contra-perguntou: "Não é aquela cidade em que 'seo' Feola escorregou e
caiu?".
Para a
garotada que não sabe, Feola foi Vicente Feola, o técnico campeão do mundo em
1958, no tempo em que mágicos eram apenas os jogadores, não os treinadores.
Aposto que
Messi tampouco tem uma noção muito nítida do peso de Londres e/ou, no planeta
futebol, do estádio do Arsenal, agora o Emirates. Para ele, aqueles 20 minutos
iniciais do primeiro jogo Arsenal x Barcelona, os mais avassaladores que já vi
em uma partida de futebol, devem ter sido apenas como jogar no pátio da escola.
Falta
realmente explicar porque Messi não encaixa na seleção argentina. Eu não sei,
mas gostei de uma explicação também de "El País", esta de autoria de
John Carlin, misto de cronista esportivo e grande repórter de política
internacional:
– "A
criptonita do super-homem [Messi] é Maradona. A mensagem que o inconsciente
transmite a Diego deve ser algo assim: sou Deus em minha terra porque ganhei o
Mundial de 1986. (...) Minha condição de Deus depende de que mantenha esse
status, de que não me tirem do pedestal ou de que não apareça outro – um filho
meu, ou seja de Deus – digno de compartilhar o panteão comigo ou, até, de me
destronar".
Por essa
teoria, Maradona retira de Messi, o "elixir da vida, a confiança",
que o faz jogar com a alegria de menino.
A Copa da
África do Sul dirá se a criptonita continuará funcionando ou se Messi dará um
passo mais para se parecer a um Garrincha de pernas normais.
FIM DA SÉRIE GARRINCHADAS
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