sábado, 22 de agosto de 2020

Os clubes de futebol e novas formas de produzir a informação desportiva – estudo de casos Benfica, Botafogo e PSG (V)

por FERNANDO VANNIER BORGES
Centro de Pesquisa e Estudos Sociais da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Portugal

A influência do Marketing na produção de conteúdos

Sob a influência do marketing, jornais e jornalistas passam a se aproximar do público, de modo que a informação passa a ser produzida centrada nos desejos do público e não nos valores dos media (Estienne, 2007, p. 221). Ao promover a ligação com o cliente, as audiências deixam de ser tratadas como um “público-cidadão”, passando a “público-leitor” cujas características de consumidor que faz zapping são ainda mais reforçadas com a Internet. Para o primeiro tipo de público, produz-se uma informação útil do ponto de vista cívico, enquanto para o segundo tipo oferecem um conteúdo mais leve.

Essa preocupação com o consumidor justifica o recrutamento de profissionais que sejam também torcedores. Apesar de diferenças individuais, como membros do mesmo grupo, eles entendem os desejos do público. Ao mesmo tempo, isso faz com que se reforce a noção de comunidade entre leitores e jornalistas – que é potenciada pela sensação de pertencimento ao clube.

Com cada vez mais sites oficiais de federações, clubes e jogadores, torna-se mais difícil para jornalistas conseguir um conteúdo exclusivo. Na medida em que as organizações desportivas passam a lutar pela atenção das audiências, os conteúdos mais interessantes são guardados para os respetivos canais. Assim, fica mais árduo para o jornal comunicar com os torcedores, pois eles já poderão ter tido acesso a informações que já foram divulgadas antes pelos canais oficiais. Para os clubes mais populares, esse é uma dupla forma de exposição, pois a sua capacidade de atrair leitores faz com que os jornais continuem atrás de informação, mesmo que ela não seja exclusiva.

Os sites oficiais de clubes e atletas são boas fontes de informação para os media (são dados como confiáveis e fontes diretas), mas parecem esconder o seu caráter de relações públicas. Para Papa (2002, p. 114), a individualização da comunicação permite aumentar a eficácia das ações de marketing dos atletas e clubes. As páginas oficiais de atletas são bem referenciadas nos veículos informativos ou nos especializados em desporto, pois eles são produtos com grande capacidade de atração. Essas páginas são geridas por empresas especializadas que oferecem os seus conteúdos a empresas de comunicação.

A forma mais lúdica de tratar os conteúdos não elimina a visão mais séria da informação: elas estão em constante conflito, mesmo dentro da Internet ou de outros media. O que se nota também é uma tendência a hibridização dos géneros (informação, entretenimento e publicidade), tornando as tentativas de classificação e separação mais complicadas. Em termos económicos, não raro o que se vê é uma escolha entre o tipo de informação e o modelo económico da publicação, pois a informação gratuita serve para atrair consumidores aos anunciantes e outros serviços, enquanto conteúdos pagos possuem um maior valor agregado.

O que está em causa é a barreira que separa a redação do setor comercial. Em outras palavras, a escolha das pautas não deveria ser influenciada pelo seu retorno económico. No entanto, cada vez mais, nota-se que há interferências e vê-se que a dimensão redacional está subordinada à dimensão administrativa. Além das já conhecidas pressões económicas, há um elemento na cultura de trabalho das empresas formadas após o boom da internet que pode ser determinante: devido a uma necessidade de redução nos tamanhos das equipes após o estoiro da bolha informática no início dos anos 2000, deu-se prioridade aos funcionários que tinham as competências para gerar mais receitas, ou eram polivalentes – que conjugassem habilidades redacionais, administrativas e informáticas (Estienne, 2007).

A influência do marketing não se limita aos clubes de futebol. O foco nos números de audiência, as restrições económicas na produção de informações e a prioridade da produção de soft-news afeta aos media e imprensa na generalidade. Para Thussu (2007), a predominância de soft-news não está relacionada com a Internet ou o jornalismo online. O autor considera que isso é uma consequência do modelo comercial de televisão que passou a ser hegemónico com a liberalização do mercado e a perda de influência dos canais públicos de televisão. A competição por audiências e receitas publicitárias alavancou a tendência a substituir um modelo de serviço-público da agenda de notícias, privilegiando informação e educação, para um modelo orientado para o lado comercial, privilegiando um “jornalismo de consumidor”, com ênfase em notícias sobre celebridades, crime e desporto, como forma de espetáculo, em detrimento de informações políticas e sociais de interesse público.

A partir dos anos 1970 e 1980, o jornalismo entrou em uma fase de transformação. As empresas de comunicação, que buscavam novos mercados para desenvolver e estimular a inovação tecnológica, bem como a desregulamentação e a liberalização dos mercados, contribuíram para a proliferação de serviços de media e informação. O mercado de media é agora caracterizado por uma grande diversificação e uma superabundância de oferta. A revolução digital desafia as normas e práticas usuais de produção, disseminação e consumo de informação e coloca produtores e consumidores de informação em um ambiente de constante mudança (Sonnac, 2013).

Como resultado, distinguimos uma mudança de paradigma: a prática jornalística está se tornando cada vez menos alinhada ao modelo de jornalismo de informação e está mais próxima do que Brin, Charon e Bonville (2004) chamam de jornalismo de comunicação. De acordo com Charon e Bonville (1996), o jornalismo de comunicação está focado na relação com o público. Para fortalecer seus vínculos com o público, os media tendem a misturar certos tipos de discursos frequentemente opostos: relato e comentário; informação e entretenimento; realidade e ficção. Este jornalismo também favorecerá a escrita criativa e formatos flexíveis.

Após algumas críticas de sua abordagem (Mathien, 2001), Charon e Bonville sentiram a necessidade de esclarecer o significado de seu ponto de vista sobre a definição de jornalismo de comunicação. O significado atribuído a “comunicação” foi entendido como oposto ao jornalismo, enquanto espaço de informação prática e geral a serviço da democracia e do bem comum. Para os críticos, a noção de comunicação está associada ao serviço de um discurso promocional, subjugado aos interesses políticos, económicos, comerciais e ideológicos de alguém ou alguma classe social. Nesta perspetiva, um conceito como “jornalismo de comunicação” contém uma contradição em termos, pois pode designar que as práticas negativas da comunicação contaminam o jornalismo (Brin, Charron et de Bonville, 2004, p. 11).

Essa visão normativa não corresponde à visão de Brin, Charron et de Bonville (2004, p. 11). Para eles, pessoalmente, a investigação científica não deve encorajar ou desestimular uma prática social. Com vista a esclarecer a situação, eles afirmam que na expressão jornalismo de comunicação, a palavra “comunicação” refere-se ao modelo de Jakobson. Dizemos que este jornalismo é “comunicação” porque tende a ativar todas as funções do discurso para estabelecer com o público uma comunicação (que é, de fato, um simulacro de comunicação), totalmente inspirado pela comunicação interpessoal.

O jornalismo de comunicação deve ser entendido, deste modo, como conceito ideal. No contexto da pesquisa sobre as mudanças paradigmáticas do jornalismo, o tipo ideal corresponde a aspetos que não específicos, mas representativos do jornalismo de comunicação (subjetividade da enunciação, apelo à intersubjetividade, acentuação função fática, mistura de gênero, entre outros) e essencialmente diferente por oposição a outras formas anteriores de jornalismo (Brin, Charron e de Bonville, 2004).

BORGES, F. V. (2019). Os clubes de futebol e novas formas de produzir a informação desportiva. In Media, comunicação e desporto. Mediapolis – Revista de Comunicação, Jornalismo e Espaço Público, nº 8, p. 129-131. https://doi.org/10.14195/2183-6019_8_8

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