por FERNANDO VANNIER BORGES
Centro de Pesquisa e Estudos
Sociais da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Portugal
A influência do Marketing na produção de conteúdos
Sob a
influência do marketing, jornais e
jornalistas passam a se aproximar do público, de modo que a informação passa a
ser produzida centrada nos desejos do público e não nos valores dos media (Estienne, 2007, p. 221). Ao
promover a ligação com o cliente, as audiências deixam de ser tratadas como um
“público-cidadão”, passando a “público-leitor” cujas características de
consumidor que faz zapping são ainda
mais reforçadas com a Internet. Para o primeiro tipo de público, produz-se uma
informação útil do ponto de vista cívico, enquanto para o segundo tipo oferecem
um conteúdo mais leve.
Essa
preocupação com o consumidor justifica o recrutamento de profissionais que
sejam também torcedores. Apesar de diferenças individuais, como membros do
mesmo grupo, eles entendem os desejos do público. Ao mesmo tempo, isso faz com
que se reforce a noção de comunidade entre leitores e jornalistas – que é
potenciada pela sensação de pertencimento ao clube.
Com cada vez
mais sites oficiais de federações,
clubes e jogadores, torna-se mais difícil para jornalistas conseguir um
conteúdo exclusivo. Na medida em que as organizações desportivas passam a lutar
pela atenção das audiências, os conteúdos mais interessantes são guardados para
os respetivos canais. Assim, fica mais árduo para o jornal comunicar com os
torcedores, pois eles já poderão ter tido acesso a informações que já foram
divulgadas antes pelos canais oficiais. Para os clubes mais populares, esse é
uma dupla forma de exposição, pois a sua capacidade de atrair leitores faz com
que os jornais continuem atrás de informação, mesmo que ela não seja exclusiva.
Os sites oficiais de clubes e atletas são
boas fontes de informação para os media
(são dados como confiáveis e fontes diretas), mas parecem esconder o seu
caráter de relações públicas. Para Papa (2002, p. 114), a individualização da
comunicação permite aumentar a eficácia das ações de marketing dos atletas e clubes. As páginas oficiais de atletas são
bem referenciadas nos veículos informativos ou nos especializados em desporto,
pois eles são produtos com grande capacidade de atração. Essas páginas são
geridas por empresas especializadas que oferecem os seus conteúdos a empresas
de comunicação.
A forma mais
lúdica de tratar os conteúdos não elimina a visão mais séria da informação:
elas estão em constante conflito, mesmo dentro da Internet ou de outros media. O que se nota também é uma
tendência a hibridização dos géneros (informação, entretenimento e publicidade),
tornando as tentativas de classificação e separação mais complicadas. Em termos
económicos, não raro o que se vê é uma escolha entre o tipo de informação e o
modelo económico da publicação, pois a informação gratuita serve para atrair
consumidores aos anunciantes e outros serviços, enquanto conteúdos pagos
possuem um maior valor agregado.
O que está
em causa é a barreira que separa a redação do setor comercial. Em outras
palavras, a escolha das pautas não deveria ser influenciada pelo seu retorno
económico. No entanto, cada vez mais, nota-se que há interferências e vê-se que
a dimensão redacional está subordinada à dimensão administrativa. Além das já
conhecidas pressões económicas, há um elemento na cultura de trabalho das
empresas formadas após o boom da
internet que pode ser determinante: devido a uma necessidade de redução nos
tamanhos das equipes após o estoiro da bolha informática no início dos anos
2000, deu-se prioridade aos funcionários que tinham as competências para gerar
mais receitas, ou eram polivalentes – que conjugassem habilidades redacionais,
administrativas e informáticas (Estienne, 2007).
A influência
do marketing não se limita aos clubes
de futebol. O foco nos números de audiência, as restrições económicas na
produção de informações e a prioridade da produção de soft-news afeta aos media
e imprensa na generalidade. Para Thussu (2007), a predominância de soft-news não está relacionada com a
Internet ou o jornalismo online. O
autor considera que isso é uma consequência do modelo comercial de televisão
que passou a ser hegemónico com a liberalização do mercado e a perda de
influência dos canais públicos de televisão. A competição por audiências e
receitas publicitárias alavancou a tendência a substituir um modelo de
serviço-público da agenda de notícias, privilegiando informação e educação,
para um modelo orientado para o lado comercial, privilegiando um “jornalismo de
consumidor”, com ênfase em notícias sobre celebridades, crime e desporto, como
forma de espetáculo, em detrimento de informações políticas e sociais de
interesse público.
A partir dos
anos 1970 e 1980, o jornalismo entrou em uma fase de transformação. As empresas
de comunicação, que buscavam novos mercados para desenvolver e estimular a
inovação tecnológica, bem como a desregulamentação e a liberalização dos
mercados, contribuíram para a proliferação de serviços de media e informação. O mercado de media é agora caracterizado por uma grande diversificação e uma
superabundância de oferta. A revolução digital desafia as normas e práticas
usuais de produção, disseminação e consumo de informação e coloca produtores e
consumidores de informação em um ambiente de constante mudança (Sonnac, 2013).
Como
resultado, distinguimos uma mudança de paradigma: a prática jornalística está
se tornando cada vez menos alinhada ao modelo de jornalismo de informação e
está mais próxima do que Brin, Charon e Bonville (2004) chamam de jornalismo de
comunicação. De acordo com Charon e Bonville (1996), o jornalismo de
comunicação está focado na relação com o público. Para fortalecer seus vínculos
com o público, os media tendem a
misturar certos tipos de discursos frequentemente opostos: relato e comentário;
informação e entretenimento; realidade e ficção. Este jornalismo também
favorecerá a escrita criativa e formatos flexíveis.
Após algumas
críticas de sua abordagem (Mathien, 2001), Charon e Bonville sentiram a
necessidade de esclarecer o significado de seu ponto de vista sobre a definição
de jornalismo de comunicação. O significado atribuído a “comunicação” foi
entendido como oposto ao jornalismo, enquanto espaço de informação prática e
geral a serviço da democracia e do bem comum. Para os críticos, a noção de
comunicação está associada ao serviço de um discurso promocional, subjugado aos
interesses políticos, económicos, comerciais e ideológicos de alguém ou alguma
classe social. Nesta perspetiva, um conceito como “jornalismo de comunicação”
contém uma contradição em termos, pois pode designar que as práticas negativas
da comunicação contaminam o jornalismo (Brin, Charron et de Bonville, 2004, p.
11).
Essa visão
normativa não corresponde à visão de Brin, Charron et de Bonville (2004, p.
11). Para eles, pessoalmente, a investigação científica não deve encorajar ou
desestimular uma prática social. Com vista a esclarecer a situação, eles
afirmam que na expressão jornalismo de comunicação, a palavra “comunicação”
refere-se ao modelo de Jakobson. Dizemos que este jornalismo é “comunicação”
porque tende a ativar todas as funções do discurso para estabelecer com o
público uma comunicação (que é, de fato, um simulacro de comunicação),
totalmente inspirado pela comunicação interpessoal.
O jornalismo
de comunicação deve ser entendido, deste modo, como conceito ideal. No contexto
da pesquisa sobre as mudanças paradigmáticas do jornalismo, o tipo ideal
corresponde a aspetos que não específicos, mas representativos do jornalismo de
comunicação (subjetividade da enunciação, apelo à intersubjetividade,
acentuação função fática, mistura de gênero, entre outros) e essencialmente
diferente por oposição a outras formas anteriores de jornalismo (Brin, Charron
e de Bonville, 2004).
BORGES, F.
V. (2019). Os clubes de futebol e novas formas de produzir a informação
desportiva. In Media, comunicação e
desporto. Mediapolis – Revista
de Comunicação, Jornalismo e Espaço Público, nº 8, p. 129-131. https://doi.org/10.14195/2183-6019_8_8
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